A teóloga e enfermeira formada pela Universidade Federal de Sergipe Maria José Menezes Santos – que durante anos atraiu a atenção dos aracajuanos pelo visual curioso que adotou andando pelos corredores do Shopping Jardins, sempre com sacolas de compras, um cabelo chamativo e muita base no rosto – virou uma página de sua história e mudou de vida. Além da iniciativa própria, a força tarefa composta por profissionais da área de saúde da Prefeitura de Aracaju, familiares e membros da Igreja Assembleia de Deus foi responsável pela reviravolta já percebida por muita gente.
Na última quarta-feira, a equipe de reportagem do JORNAL DA CIDADE encontrou Maria José em um templo da Assembleia de Deus, que há cerca de dois meses ela passou a freqüentar uma vez por semana com a tia, Maria Elze Menezes Santos. Maria José preferiu não dar entrevista, mas autorizou a tia a contar sua história, que virou alvo de especulação até mesmo na Internet, em quatro comunidades criadas no Orkut. O martírio dela teve início há cerca de oito anos, quando ao chegar do trabalho se deparou com a mãe morta em casa.
A tia de Maria José contou que ela “ficou desorientada” com a situação e foi socorrida por vizinhos. Há quem diga que até esse socorro chegar passaram-se dois dias. “Não teve nada disso. Ela nunca passou dias com minha irmã morta dentro de casa. Mas é verdade que depois da morte da mãe minha sobrinha mudou”, contou Maria Elze. Apesar de toda a atenção dispensada por tios e sobrinhos, Maria José se fechou em seu próprio mundo, sem aceitar a ajuda dos parentes. Chegou a ser internada por duas vezes em um hospital psiquiátrico, depois morou por um tempo na casa da tia Maria Elze e acabou voltando para casa acompanhada de outra tia.
“Ela botou minha irmã para fora e foi se afastando de todo mundo, inclusive do trabalho. Só Deus sabe quantas lágrimas a gente derramou por vê-la naquelas condições. O povo falava que a família não dava atenção. Eu orava muito pedindo a Deus para que um dia ela viesse à igreja comigo. Mas ela passou esses anos todos assim. A gente ia na casa dela e ela não abria o portão. Tem vizinhos que provam isso. Foi duro”, lembrou Maria Elze, deixando escapar algumas lágrimas.
A reaproximação com a família e o início da mudança começou há pouco mais de dois meses. “Um pessoal da saúde abordou ela e levaram-na para o Caps. No outro dia ela foi lá em casa”, revelou Elze, referindo-se à equipe do Centro de Apoio Psicossocial da prefeitura. Nesse dia, vendo que ela estava mais aberta a uma possível ajuda, a tia resolveu jogar as roupas velhas da sobrinha no lixo e cortar o cabelo dela. “Quando a psicóloga chegou lá em casa no outro dia nem acreditava que era ela”, disse sorrindo Elze, que convidou Maria José para ir à igreja e ela aceitou.
Para a irmã Zélia Rocha, da Assembleia de Deus, a força de vontade de Maria José e a fé dos familiares foram os fatores responsáveis pela mudança. “Jesus faz a transformação. A gente é que não entende. Para Deus nada é impossível. Basta a gente abrir a porta que ele entra”, enfatizou irmã Zélia. Outra integrante da igreja disse que Maria José participa ativamente do Culto das Causas Impossíveis, lendo a Bíblia e acompanhando as músicas. “Para nós é uma felicidade muito grande acompanharmos a transformação dela”, acrescentou.
Acompanhamento
Profissionais da área de saúde mental da Prefeitura de Aracaju fizeram um verdadeiro trabalho de formiguinha para ajudar Maria José. O acompanhamento, mesmo a uma certa resistência e distância, começou há cerca de dois anos. “Conseguimos chegar perto dela pela primeira vez porque descobrimos que ela gosta muito de música e cinema. Isso favoreceu a aproximação. Mas também houve momentos de evitamento. Nossas conversas eram sempre no shopping”, revelou Ana Angélica Salmeron, psiquiatra e coordenadora de um dos Caps mantido pela prefeitura.
A abordagem foi lenta, mas progressiva. “Até que pudemos, em algum momento, falar sobre a existência do serviço. Foi estabelecida uma relação de confiança e respeito e ela aceitou ser acompanhada pela equipe”, disse Ana Salmeron, lembrando que Maria José é uma pessoa muito culta e inteligente. A psiquiatra afirmou ainda que mesmo nos quadros mais agudos de problemas psicológicos e exclusão social há recursos na área de saúde que podem reverter a situação de maneira bastante satisfatória.
Estereótipos
Assim como o personagem que foi atribuído à enfermeira Maria José, centenas de pessoas também sofrem com a criação de estereótipos. “Muitas vezes aquela pessoa está apenas refletindo uma expressão de medo e angústia. Isso está sendo mostrado agora na novela Caminho das Índias, pelo personagem Tarso. Ele é apenas um jovem que está saindo da adolescência, mas submetido a diversas tensões”, exemplificou Ana Salmeron.
Para ela, os exemplos dados pela novela chamam a atenção da sociedade para problemas que estão perto de todos e que, muitas vezes, não recebem a atenção merecida. “A novela tem uma consultoria muito boa. Está mostrando que pessoas que estiveram adoecidas podem alcançar um nível de saúde e inclusão social muito positivo”, afirmou Ana Salmeron.
Por: Janaína Cruz/Fotos: Jorge Henrique
Fonte: Jornal da Cidade