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Os bons exemplos

30/4/2009

A série de reportagens Carimbo suspeito, no seu quinto e último dia, mostra o futuro dos cartórios no Estado. Em quatro meses, o Judiciário começará a executar um projeto que visa tornar obrigatória a informatização em Pernambuco, experiência inspirada no caso de Sergipe. Lá, o cidadão pode usar a internet para acessar o cartório e consultar antecipadamente detalhes sobre todos os serviços, sistema que ainda inibe a sonegação. Conheça pernambucanos que, bem antes de qualquer obrigação legal, já investiam para dar ao cartório um padrão de causar inveja a inúmeras empresas. Leia também os principais trechos de uma entrevista com o corregedor-geral de Justiça de Pernambuco, desembargador José Fernandes de Lemos, e confira o compromisso de mudança por quem faz a atividade. Os textos são de Gilvan Oliveira e Giovanni Sandes, com fotos de Hélia Scheppa.

Você quer reconhecer uma firma, autenticar um documento ou fazer uma escritura. Em vez de rumar logo para um cartório, liga o computador. Acessa a internet, entra no site do Tribunal de Justiça e escolhe a serventia (outra denominação de cartório). Em seguida, seleciona os serviços que pretende utilizar e, de imediato, fica sabendo os documentos de que vai precisar, quanto gastará e o porquê de estar pagando tudo, inclusive o valor do selo de papel usado pelo cartório. Se quiser, depois de comprovar o pagamento, pode até receber pela internet, mesmo, uma cópia eletrônica dos documentos pedidos, todos com pleno valor legal.
Em Pernambuco, há pouquíssimos cartórios com tecnologia de fato usada para melhorar o atendimento ao público e só alguns poucos ofertam serviços pela internet. As duas maiores referências para o próprio setor, nesse aspecto, são o 8º Ofício de Notas do Recife, conhecido como Tabelionato Figueiredo, e o 1º Serviço Notarial e Registral do município de Paulista, o Siqueira Campos.

Para elevar a eficiência e melhorar a fiscalização dos 498 cartórios do Estado, a Corregedoria Geral de Justiça de Pernambuco (CGJ-PE) implementará, em quatro meses, um projeto-piloto inspirado na experiência de outro Estado nordestino, Sergipe. Será o início de uma grande mudança na prestação dos serviços pelos cartórios, com informatização, padronização e maior transparência da atividade. A ferramenta praticamente inviabilizará a sonegação dos cartórios e dará a seus usuários um escudo contra cobranças indevidas.

Depois de desenvolver um sistema com o Banco do Estado de Sergipe (Banese), desde 1º de janeiro de 2004, a Corregedoria da Justiça daquele Estado obrigou todos os seus 127 cartórios a manter uma ligação eletrônica, em tempo real, com a Justiça. O serviço deu um salto de qualidade no atendimento à população e os sistemas ainda ajudaram a melhorar a gestão dos cartórios.

Com exceção de serviços que não precisam de registro permanente, como autenticação de documentos, em Sergipe cada boleto de pagamento traz impressa a localização de onde o registro foi guardado, no cartório. Todas as cobranças são detalhadas, até mesmo quando se informa que os selos usados para garantir a autenticidade dos documentos custam R$ 0,05.

Olímpio Freire Pires Neto é consultor para Serviços Notariais e de Registro, na Corregedoria-geral da Justiça sergipana. Segundo ele, quando a informatização virou obrigatória, os cartórios de Sergipe encamparam uma batalha jurídica que foi até o Supremo Tribunal Federal (STF). Eles questionavam a legalidade da regra, mas não tiveram êxito.

“Na época, não entenderam o que a gente pretendia. Receberam como invasão. Mas ninguém invadiu nada. Queríamos informação sobre o serviço, fiscalização. Implantamos um sistema de informática que permite integrar dados e emitir a guia de pagamentos”, explica. em Sergipe, ninguém “toca” o dinheiro da outra parte: o banco recebe o pagamento, repassa as taxas devidas ao Judiciário e envia a remuneração devida aos cartórios.

“Depois, todos se renderam à facilidade do sistema. Justiça e tabelião têm maior controle. Acompanhamos a arrecadação em tempo real, seja mensal ou diária, por serviço e até por cartório”, afirma Olímpio. Em Pernambuco, sistema semelhante vem sendo desenvolvido há dois meses, pelo Banco do Brasil (BB). Segundo o corregedor-geral de Justiça, desembargador José Fernandes de Lemos, o programa não trará custos ao Judiciário, nem aos cartórios. Em compensação, como ocorre em Sergipe com o Banese, as guias serão pagas todas no BB.

Muito antes de se falar em informatização obrigatória, o Tabelionato Figueiredo, no Bairro do Pina, e o Siqueira Campos, em Paulista, buscavam eficiência e qualidade.

“Informática é a alma do cartório”, diz Ivanildo Figueiredo, titular do cartório no Pina. Primeiro tabelião concursado no Estado, ele é um dos maiores especialistas pernambucanos em cartórios. Assumiu a serventia em 2000. Suas primeiras decisões foram mudar para um prédio com melhor estrutura e informatizar tudo, para mudar o que chama de “cultura cartorial”.

“Quando assumi, havia vários cartórios dentro de um só. Cada escrevente tinha sua carteira de clientes, livro próprio, e no final do mês pagava ao tabelião. Com a padronização e uniformização de procedimentos, mudamos isso. O cliente é do cartório”, destaca Ivanildo.

Ele conta que tem tão clara a visão de que o cartório é um negócio que faz investimentos contínuos em gestão e modernização. Sua maior clientela é de empresas que vão registrar contratos, procurações e atas públicas, serviço que pode ser feito por qualquer cartório de notas. Assim, buscou certificações. Exibe, próximo à entrada do cartório, o certificado ISO 9001:2000. “É o único de Pernambuco que tem ISO. Só há cinco no Brasil”, conta. Por dia, o cartório atende 400 pessoas, com média de atendimento de 4 minutos.

Em Paulista, Paulo Siqueira Campos mostra que não precisa ser concursado para ter uma visão moderna da atividade. Aos 65 anos, está há 48 anos no ramo e desde 1995 é titular do cartório. Assumiu sem concurso público. Assim como Ivanildo, Paulo primeiro mudou para um prédio maior. Encontrou muita bagunça, organizou o acervo de documentos e digitalizou quase tudo – com exceção de livros que encontrou em um estado de conservação tão comprometido que já estavam se desfazendo. “É a história do cartório e da cidade. Infelizmente, tem livro que não dá para folhear porque as páginas se despedaçam”, conta.

Paulo Siqueira Campos tem o cartório dentro do computador, por assim dizer. Ele fala sobre como digitalizou documentos, passou a trabalhar com dados criptografados e com certificação digital, tudo para transmitir, com plena validade legal, documentos pela internet, em formato totalmente eletrônico.

“E olha que sou matuto do Sertão”, brinca o titular do cartório de Paulista, que investiu em processadores poderosos e memória virtual gigantesca. O “matuto” de Sertânia, a 311 quilômetros da capital, já mostra a tecnologia do cartório na entrada, no atendimento feito no balcão: cada pessoa que abre firma tem sua foto e impressão digital armazenadas, além da assinatura à caneta. O reconhecimento de firma é feito em até 1 minuto, diz. No banco de dados, há mais de 400 mil documentos digitalizados. “Mesmo que não tivéssemos serviço online, teríamos cópia digital de tudo”, declara Paulo Siqueira Campos.

PIAUÍ

Através da informatização, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) quer transformar o Piauí em um modelo a ser replicado em outros Estados. “Encontramos o extrajudicial do Piauí em uma desorganização muito grande”, conta Marcelo Berthe, juiz auxiliar da presidência do CNJ. Lá, uma inspeção do Conselho, em 26 de fevereiro passado, encontrou carências que vão de pessoal a falta de equipamentos e recursos. Foi montada uma força-tarefa para informatizar os cartórios piauienses e padronizar procedimentos, com apoio de entidades de classe.

“Se necessário, podemos chegar a interferir diretamente no extrajudicial dos Estados. Só em último grau, mas pode ser feito. Já fomos ao Amazonas e ao Piauí verificar os serviços. E vamos a outros Estados”, antecipa.

Fonte: Jornal do Comércio