Valor
Quando, há dois anos, o governo Lula anunciou a retomada da construção da usina nuclear Angra 3 e a intenção de construir novas usinas, a maioria absoluta dos governadores reagiu negativamente à idéia, avisando que não abrigariam, em seus Estados, as futuras unidades. Recentemente, houve uma mudança radical de posição. Quatro Estados - Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas - manifestaram oficialmente aos ministérios das Minas e Energia e da Ciência e Tecnologia interesse em hospedar as usinas.
O que deve estar contribuindo para o empenho dos governadores são os vultosos investimentos previstos nas usinas - R$ 10 bilhões em cada uma das quatro unidades que se pretende construir a partir de 2012, segundo informaram ao Valor os ministros Edison Lobão (Minas e Energia) e Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia). Some-se a isso o fato de o Nordeste depender da importação de energia de outras regiões do país e, também, a existência de novas tecnologias que mitigam os riscos ambientais envolvidos na exploração nuclear, especialmente no que diz respeito aos rejeitos.
Dois governadores - Eduardo Campos, de Pernambuco, e Jacques Wagner, da Bahia - se articularam antes de propor ao governo a instalação de uma central nuclear, com duas usinas, na divisa dos dois Estados. É uma forma de evitar a disputa política pelo investimento. As usinas, segundo a proposta conjunta de Campos e Wagner, seriam construídas na mesma margem do Rio São Francisco, na região conhecida como "Polígono da Maconha", no sertão. Cada uma geraria 1.000 megawatts de energia, o equivalente hoje a apenas 2% da capacidade instalada do parque gerador.
Nesse ponto, já surgiu uma divergência dentro do governo. Embora ainda não tenha concluído os estudos quanto à localização ideal das futuras usinas, a Eletronuclear, empresa estatal responsável por Angra 1, 2 e 3, tem restrições à instalação de unidades no Rio São Francisco. Técnicos da empresa mencionam toda a polêmica envolvendo a transposição das águas daquele rio e chamam atenção para o fato de uma usina nuclear requerer grande volume de água para resfriar o reator, o que, a exemplo da transposição, reduziria a vazão do Velho Chico. Para a Eletronuclear, o local ideal para a instalação das usinas, no Nordeste, está no litoral, na faixa entre Recife e Salvador.
É crucial que o Brasil amplie a sua matriz energética. Para atender o crescimento da demanda até 2017, o país precisará acrescentar 55 mil MW ao parque gerador. Para isso, construirá novas usinas hidrelétricas e dobrará o número de termelétricas, investimento este que aumentará em 172% as emissões de gases do efeito estufa produzidos pelo setor elétrico. Enquanto isso, a energia eólica, uma forma limpa mas cara de energia, passará de 0,3% para apenas 0,9% da matriz nacional.
O investimento em energia nuclear, também custoso, certamente ajudará o país a responder aos desafios das próximas décadas, mas algumas questões precisam ser enfrentadas desde já.
Um grupo parlamentar da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados apontou, em 2006, falhas nos planos de evacuação de Angra em caso de acidentes. Também indicou insuficiência de fiscais para inspeção de materiais radioativos, baixo orçamento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para projetos de segurança nuclear e conflitos de competência entre o Ibama e a Anvisa no caso de materiais radiológicos usados em hospitais.
É muito provável que, mesmo explorando recursos da Amazônia, a construção de hidrelétricas não dará conta do recado no Século XXI. De qualquer forma, a opção pela tecnologia nuclear não deve ser feita sem que se promova antes uma ampla consulta à sociedade. Desde que retomou os investimentos nessa área, o governo limitou os debates a suas cercanias. Falta discutir uma política séria de fomento a usinas eólicas e também de racionalização do uso de energia no país.
O ponto não é desprezar de antemão a aposta em novas centrais nucleares, mas submeter ao escrutínio da sociedade as alternativas de abastecimento economicamente viáveis e ambientalmente amigáveis. A tecnologia nuclear ajuda no combate ao aquecimento global, um dos maiores desafios da humanidade no Século XXI, mas não é a única a fazer isso.