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Incentivo a modelos negras na passarela é polêmica entre fashionistas

24/5/2009

SPFW fecha acordo para que 10% das modelos sejam afro-descendentes.
Estilista diz que medida 'constrange'; modelo admite falta de oportunidades.

O acordo que a organização da São Paulo Fashion Week assinou com o Ministério Público Estadual, se comprometendo a incentivar as grifes a contratar 10% de modelos afro-descentes e indígenas para os desfiles, causou polêmica entre os profissionais do mundo fashion. A medida, chamada de "termo de ajustamento de conduta", foi anunciada na última quarta-feira (20) e dividiu opiniões dos estilistas, das agências de moda e das próprias modelos.

Dudu Bertholini, designer da grife Neon, classificou a iniciativa como "hipócrita". "Acho preconceituoso, um absurdo. Desse jeito são as autoridades que provocam a segregação, pois essa medida vai constranger as modelos negras", diz o estilista. "As meninas se sentirão desconfortáveis, sem saber se foram escolhidas por terem talento ou por causa de uma obrigatoriedade política hipócrita", completa.

Bertholini, que garante não utilizar o critério racial ao selecionar as tops que desfilam para sua grife, afirma que não existe preconceito no meio fashion. "Não é justo apontar o dedo na cara da moda e dizer que há discriminação. Há 40 anos o Yves Saint Laurent já colocava modelos negras na passarela".

O diretor da agência Mega Models, Raphael Garcia, tem pensamento semelhante ao do estilista. E afirma ainda que existe uma "carência" de candidatas a modelo com o perfil no mercado. "É difícil explicar o motivo, mas poucas meninas negras procuram a agência para fazer um book [ensaio fotográfico feito com a modelo iniciante]. Quando chega até nós uma candidata com potencial, fazemos questão de incentivar e fechar contrato".

Segundo Garcia, dos 150 modelos contratrados da agência - entre homens e mulheres - cerca de 20% são de origem africana. "Na temporada de verão, as grifes buscam mais as negras, garotas de pele mais escura, com mais curvas, para os desfiles. Já nas coleções de inverno, em geral, as marcas preferem ter modelos com um perfil mais nórdico na passarela".
 
Poucas oportunidades

Moisés Júnior, booker da agência Ten Models, vê de maneira positiva a medida tomada pelo Ministério Público. "Claro que a situação em relação há dez anos melhorou muito. Mas, infelizmente, as oportunidades de trabalho para as modelos negras continuam escassas", opina.

"A procura das grifes por afro-descendentes é mínima. Posso dizer, de maneira geral, que de dez 'castings' [teste para seleção de modelos em campanhas e desfiles] que aparecem aqui por semana, um ou dois são direcionados para as negras", diz Júnior.

O booker conta que dos 140 modelos contratados da agência, 12 são negros. "Nos Estados Unidos e na Europa, o mercado está bem mais democrático. Pode comparar uma revista de moda estrangeira com uma daqui: você verá muito mais negras deslumbrantes em campanhas conceituadas do que nas publicações brasileiras".

Modelo há seis anos, a mineira Fernanda Téo, de 22, admite ter dificuldades em trabalhar por ser afro-descendente. "Quando as grandes marcas contratam uma garota negra para uma campanha, é porque ela já tem um nome firmado no mercado internacional", diz Fernanda, citando a carreira bem-sucedida de colegas como Emanuela de Paula, Ana Bela, Samira Carvalho e Carmelita Mendes.

"No Brasil, quando você é negra, primeiro tem que fazer sucesso lá fora para aí sim ser reconhecida e chamada para os trabalhos aqui", conta a modelo, que desfilou pela primeira vez para uma grife na SPFW na última temporada, em janeiro.

A modelo Aline Apolinário, de 17, acredita que a nova política de incentivo da semana de moda paulistana trará mais oportunidades para as garotas negras. Mas lamenta que a situação tenha chegado a tal ponto. "Claro que as grifes vão nos procurar mais, vai abrir portas. A pena é que seja às custas de patrulha ideológica. Em algum momento vou me questionar: 'estou aqui porque eles me acharam bonita e desfilo bem ou por causa da cota?'".

Dolores Orosco Do G1, em São Paulo


Fonte: G1