Samu utiliza nova terapia para reverter quadro de infarto ainda na ambulância
26/5/2009
Quando chegou ao hospital de Lagarto sentindo uma “agonia” no corpo, a aposentada Raimunda Costa Nascimento, 72 anos, não imaginava que estava prestes a ter um infarto agudo do miocárdio, popularmente conhecido como ataque cardíaco. “Depois de me darem dois comprimidos, só lembro quando disseram: ‘tem que levar ela para a UTI [Unidade de Terapia Intensiva]’, daí eu pensei: Virgem Maria, a coisa é grave”, conta dona Raimunda, que também não imaginava que sua situação fosse revertida em poucas horas e no percurso até o Hospital Cirurgia, unidade referência em cardiologia para usuários do SUS no estado.
Tudo aconteceu na manhã de um domingo, dia 3 de maio, e o sucesso da recuperação da aposentada, que hoje já se encontra em casa, deve-se em parte a um novo método que a Secretaria de Estado da Saúde (SES) vem implantando no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192 Sergipe). O método em questão é o tratamento trombolítico, que acontece dentro da própria Unidade de Suporte Avançado (USA), através de um 'kit básico de socorro' formado por um ecocardiógrafo digital, um notebook com modem para acesso à internet e o medicamento tenecteplase.
“No infarto do miocárdio, formam-se coágulos nas artérias que conduzem ao coração. O que esse medicamento faz é dissolver os coágulos sanguíneos, ajudando a restabelecer o fluxo normal do sangue para o coração. Então, quando o paciente chega ao hospital, ele já está com o quadro revertido”, explica o cirurgião cardíaco Edvaldo dos Santos, gerente de Regulação Médica do Samu Sergipe. Um dos médicos que acompanhou dona Raimunda no Hospital Cirurgia, Renato Mesquita, confirma a eficácia do processo. “Ela já chegou aqui com boa parte do caminho andado, ou seja, com o diagnóstico de infarto confirmado e o tratamento iniciado”.
No caso da aposentada, o ecocardiograma já havia sido providenciado no hospital de Lagarto, antes da equipe do Samu ser acionada para removê-la. Porém, o procedimento pode ser perfeitamente realizado na ambulância, já que o projeto da SES inclui a disponibilização de um aparelho portátil. “O médico da viatura faz o exame, passa as informações para o notebook e, pela internet, as envia para um centro de telemedicina, que em menos de cinco minutos manda de volta o laudo médico. Confirmado o diagnóstico de infarto, o tenecteplase é injetado no paciente”, esclarece Edvaldo.
Tal sequência de fatos, que lembra um filmes futurista, agrega o que há de mais avançado em matéria de tratamento de infarto agudo do miocárdio em ambiente pré-hospitalar. O centro que recebe as informações dos médicos emergencistas fica localizado em Campinas (SP) e presta cobertura a unidades de saúde de 36 cidades brasileiras. “As doenças cardiovasculares estão entre as que mais matam no país e é quase impossível imaginar a disponibilização de um cardiologista em todas as USAs”, diz Edvaldo, ao justificar o investimento do Governo de Sergipe no uso do sistema de telemedicina.
Janela terapêutica
O novo método não apenas reduz o risco de morte, como diminui as chances de sequelas graves e o tempo de permanência hospitalar. Isso porque todo o aparato tecnológico utilizado permite que o medicamento para a desobstrução das artérias seja aplicado dentro do tempo recomendado, que é de até seis horas após o início dos sintomas. Trata-se da chamada janela terapêutica, cujo tempo nem sempre é respeitado pelo fato de ainda existir uma certa demora até que o paciente seja recebido por um cardiologista numa unidade hospitalar especializada.
“Com a implantação do trombolítico na ambulância, o Samu Sergipe encurta o caminho do tratamento. Ao invés da pessoa ser levada à unidade hospitalar mais próxima, para só então depois ser encaminhada à unidade referência, ao ser acionado, o Samu vai buscar a vítima de infarto onde ela estiver e, no percurso para o hospital, já inicia a terapia, sendo capaz de reverter o quadro”, enfatiza o secretário de Estado da Saúde, Rogério Carvalho.
De acordo com ele, todo esse processo que começa a fazer parte da realidade de Sergipe “é, sem dúvida, um grande avanço na medicina curativa no ambiente pré-hospitalar”. Em todo o país, somente em outras três localidades se trabalha com a terapia trombolítica no serviço de atendimento móvel: as cidades de Campinas e Diadema, em São Paulo, e Salvador, na Bahia. “Porém, até agora, somos os únicos a implantar a técnica abrangendo todo o estado”, destaca Rogério.
Custo x benefício
Cada ampola do tenecteplase custa em média R$ 3,2 mil e a dose terapêutica para cada paciente é de duas ampolas. O custo parece ser alto, mas quando comparado aos benefícios que gera se torna pequeno. “O método dispensa que o paciente passe muitos dias num leito de UTI ou internado na enfermaria. Isso a longo prazo gera um enorme impacto aos cofres públicos”, ressaltou o gerente de Regulação Médica do Samu Sergipe, acrescentando que na distribuição das principais causas de internações hospitalares as doenças do aparelho circulatório representam 25%.
Para se ter uma idéia, uma pessoa que sofre um infarto e se vê obrigada a interromper suas atividades custa ao Governo quase R$ 225 mil. O valor inclui gastos com diárias hospitalares (em enfermaria e unidade de tratamento intensivo), consultas e medicamentos ambulatoriais, exames complementares, dias perdidos de trabalho etc. Os dados são do estudo 'Custo da Insuficiência Cardíaca no SUS', realizado em 2002 por uma equipe de pesquisadores da Escola Paulista de Medicina e da Universidade Federal Fluminense.
Fase do projeto
Discutido desde o início do ano, o projeto teve como unidade piloto a USA da base descentralizada de Itabaiana, cidade distante 56 Km da capital e escolhida por conta da sua localização. “O município foi considerado como o mais central no território sergipano, dentre as sedes de regiões, o que garante a possibilidade da ambulância se deslocar para interceptar, em no máximo 30 minutos, as viaturas que partem de qualquer ponto do estado”, explica o coordenador geral do Samu Sergipe, Márcio Barretto. Segundo ele, foi justamente o que aconteceu durante o atendimento da aposentada Raimunda Costa.
A paciente foi removida do hospital de Lagarto pela equipe do Samu de plantão na cidade, mas a aplicação do tenecteplase aconteceu na USA de Itabaiana, até então a única equipada para tratar casos de infarto em ambiente pré-hospitalar. “O fator tempo em casos como esse é crucial e a nossa vantagem é poder contar com recursos materiais que viabilizam o tratamento do paciente no tempo recomendado”, destaca Jorge Prado, médico da viatura de Itabaiana, que atendeu dona Raimunda. Até agora, ela foi a única no estado a passar pelo procedimento.
Na semana passada, mais duas unidades de suporte avançado foram habilitadas para realizar o tratamento trombolítico: Nossa Senhora do Socorro, na região da Grande Aracaju, e Estância, município sede da regional sul de Sergipe. “Fizemos uma parceria com o laboratório que produz o medicamento [Boehringer Ingelheim do Brasil] e ele patrocinará os recursos tecnológicos necessários, até que o Estado realize o processo de licitação para a compra dos notebooks, eletrocardiógrafos digitais, bem como as ampolas do tenecteplase”, informou o médico Edvaldo dos Santos.
Conforme estabelece o projeto, a terapêutica trombolítica será implantada em todas as USAs do Samu Sergipe, que hoje somam 14. O novo método também será estendido aos pacientes vítimas de acidente vascular cerebral (AVC), mais conhecido como derrame cerebral. “Isso depende da existência do aparelho de tomografia, cuja aquisição ainda está sendo discutida”, afirma Edvaldo. De acordo com ele, os profissionais das bases descentralizadas de USA vêm passando por capacitações referentes ao procedimento aplicado nos pacientes com sintomas de infarto e nos portadores de AVC.
De volta à rotina
Passada a fase de preocupação no período em que esteve internada, dona Raimunda agora se diz pronta para voltar a preparar a maniçoba que faz há quase 40 anos para vender e que a tornou conhecida onde mora como ‘Mundinha da Maniçoba’. “Foi uma das primeiras perguntas que ela fez aos médicos quando estava perto de receber alta: ‘doutor vou poder fazer minha maniçoba?’, e eles responderam que sim”, conta a filha Luzinete Costa Nascimento, 51 anos, que sempre morou com a mãe e a acompanhou nos 12 dias de internação, juntamente com sua filha que reside em Aracaju.
“Mas me proibiram de comer e de lavar a panela”, brinca a aposentada, que embora a hipertensão a acompanhe há alguns anos, nunca precisou ficar internada por problemas de saúde decorrentes da pressão alta ou por qualquer outra situação grave. “Perdi o meu marido há 14 anos de infarto e quase que tive esse mesmo destino, mas graças a Deus e a rapidez de todas as pessoas que me atenderam, estou viva e me sentindo bem para voltar a minha vida normal”, reconheceu dona Raimunda, que confessou não saber ficar parada. “Quero ainda fazer muita maniçoba”, finalizou.