A colheita vai de novembro a junho e ela é muito apreciada nas principais regiões produtoras. O estado que mais produz mangaba é Sergipe.
O significado da palavra mangaba, em tupi, não deixa dúvidas sobre o seu sabor. “Coisa boa de comer. Mangaba é coisa boa de comer”, diz Alicia. Esta é Alícia. Ela é uma das catadoras de mangaba de Sergipe, que você vai conhecer daqui a pouco. É graças a elas que as pessoas podem saborear seu sorvetinho num dia quente. “Faz juz ao nome porque é gostosa. Tudo da mangaba é gostoso”, diz uma senhora. O uso mais comum da mangaba é o suco. A mangaba é nativa do Brasil. Existem seis variedades diferentes, que ocorrem em quase todo o país. Só não aparecem na região sul, nas áreas de caatinga e na Floresta Amazônica. No Nordeste, a mangabeira nasce no solo arenoso do litoral. Não é exigente, mas apesar disso, são poucos os plantios. Fomos ao assentamento Mundéu da Onça, em Neópolis, norte de Sergipe. É dia de mutirão pra descascar mandioca. Os moradores de lá têm uma associação e, além da mandioca, cultivam coco e mangaba. Em uma área de três hectares, as mangabeiras estão todas em linha reta. Deu pra reparar? É que aqui elas não são nativas. Este é o primeiro plantio de mangaba de Sergipe. Foi feito há 10 anos. Hoje existem cerca de 300 hectares plantados em todo o estado. A árvore não requer muitos cuidados. Apenas uma limpada ao redor, o corte dos galhos secos, um sonho pra qualquer agricultor. A mangabeira começa a produzir por volta do quinto ano. Dona Maria Elisete, presidente da associação dos produtores, explica o ponto certo da colheita. “Essa mangaba tá boa pra colher?”, pergunta a repórter. “Não. Só daqui a oito dias porque tem a diferença. Essa aqui está miudinha, mas está boa. Olho a cor dela”, diz ela. Quer dizer que não depende do tamanho?”, pergunta. “Não. Depende da cor. Não colho porque se não dá prejuízo. Elas não amadurecem. Fica preta”, diz. A casca da mangaba solta um leite branco e grudento, que deve ser logo lavado. As mudas que formaram o pomar do assentamento vieram de um viveiro. O dono é o agrônomo Raul Dantas, da Endagro, a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe. E faz pesquisas sobre a mangaba em parceria com a embrapa. A produção de mudas começou como um campo experimental particular e virou negócio. “A mangaba é uma cultura que dá uma rentabilidade maior do que a maior parte das culturas cultivadas aqui nesta região, comparando com o coco, cajú, manga, é bem maior. Se chega a ter em um cultivo tecnificado, bem conduzido, uma rentabilidade de 6 a 8 mil reais por hectare ao ano”, diz Raul Dantas, agrônomo da Endagro. A propagação é por sementes. Uma única fruta pode ter mais de 30 sementes, que depois de retiradas, vão logo pro saquinho. Em seis meses, a muda está pronta pra o ir pro campo. Dona Maria de Jesus é catadora de mangaba. São pessoas como ela que respondem por 90% das frutas que chegam ao mercado. Na rua das mangabeiras, mas das árvores que deram nome ao lugar restam poucas. O que continua por lá mesmo são as catadoras de mangaba, uma atividade que passa de geração pra geração. No povoado de Pontal, município de Indiaroba, sul de Sergipe, a mangaba não tem dono, é de quem chegar primeiro. Esse sempre foi o pensamento das catadoras de mangaba, mas com a valorização das terras e do próprio fruto, muitos proprietários começaram a cercar suas áreas e impedir a entrada das catadoras. Seu José dos Santos Salvador cuida de uma destas áreas cercadas e explica as ordens do dono da terra. “Ele falou que qualquer pessoa que entra lá e ele ver pegando mangaba, é pra eu dar o nome a ele que ele já vem com a polícia, que é pra pessoa dar conta da mangaba”, conta. Árvores carregadas em área com acesso livre são raridade. É por isso que as catadoras precisam ir cada vez mais longe. Combinamos de acompanhá-las no dia seguinte. Chegamos à casa de Alícia antes do dia clarear. Do lado de fora, Alícia prepara sua ferramenta de trabalho. “Tem que ter o gancho que é pra puxar as mangabas lá penduradas”, diz. Ela se junta às companheiras e segue pra beira do rio. Uma canoa vai levá-las até o lugar da catação. “Quanto tempo dá até lá?”, pergunta a repórter. “Duas horas, até três”, diz uma delas. “Depende do vento, a gente coloca uma vela aí ajuda”, continua. As catadoras se perdem no meio das mangabeiras. Vai cada uma para um lado. Hoje as catadoras têm mais esforço pela frente. Parece que já veio gente catar por lá. Sobraram apenas os frutos mais altos e Alícia se arrisca pra buscá-los. “Já aconteceu de cair lá de cima?”, pergunta a repórter. “Já, aconteceu uma vez. Ai vim escorregando, mas graças a Deus não teve nada não. Enche mais rápido se subir porque elas ficam escondidas”, diz ela. Vemos o resultado de duas horas e meia de catação. “Como foi o trabalho? Valeu a pena?”, pergunta repórter. “Foi bom. Apesar de só serem duas horas, consegui pegar uma boa quantidade”, dizem elas. A mangaba catada na semana é pesada. Comparadas a outras catadoras, esta turma tem sorte. Vende todas as frutas para a Conab, Companhia Nacional de Abastecimento. “O acordo é o quilo a R$ 1,50. Foi determinado cada pessoal entregar 193 quilos por mês, no máximo, pra mim, já deu R$ 150, foi quando eu entreguei 100 quilos”, diz ela. A entrega é feita num hospital do município de Estância, a uns 30 quilômetros de Indiaroba. Pra trazer dinheiro pra casa, as mulheres não catam só mangaba. Catam também aratu, um caranguejo vermelhinho. A maior renda vem da mangaba, mas esta é uma fonte que corre perigo. Não existem números certos, mas os pesquisadores sabem que a área de mangabeiras vem diminuindo. “Essas áreas litorâneas onde a mangabeira ocorre vêm sofrendo uma especulação imobiliária, de cultivos diversos como cana de açúcar, coco, etc, então essa vegetação nativa está aos poucos sendo dizimada. Em alguns estados como Pernambuco ela praticamente desapareceu”, diz o agrônomo Raul Dantas Vieira Neto. Se a mangabeira está ameaçada, quem vive dela também. Para Raquel Fernandes, especialista em agrossistemas da Embrapa, a sobrevivência está ligada à organização das catadoras. “O que a gente vê é uma desorganização principalmente na parte da comercialização. Se elas passam este produto em uma quantidade maior e em uma constância maior, que é o que o mercado pede, com certeza a renda delas vai ser valorizada”, diz ela. Talvez Alícia não se dê conta da importância do seu papel. Com sua simplicidade e sorrisão aberto, foi ela quem deu o primeiro passo rumo à organização das trabalhadoras. Ela é a líder do movimento das catadoras de mangaba de Sergipe, mas a união das trabalhadoras já é vista por alguns como ameaça. “Os donos das terras já estão começando a se mover pra fechar as que tão abertas hoje. Tão começando a fechar. Já tão se sentindo ameaçados. Aí a gente fica com medo de não ter de onde tirar. O maior sonho é ter uma área pra tirar mangaba”, diz ela. O sonho de Alícia não é impossível. No instituto Chico Mendes, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, existe um estudo para a criação de uma reserva extrativista. Ela atenderia a um antigo pedido de pescadores do pontal e incluiria uma pequena área de mangabeiras nativas. Se o projeto sair do papel, algumas Alícias poderão trabalhar ali, mas muitas outras continuarão sem área pra catar. O futuro desta atividade tradicional anda de mãos dadas com o futuro das mangabeiras. Desprotegidas, catadoras e árvores nativas podem seguir rumo à extinção. A Embrapa, em parceria com órgãos federais e estaduais, está fazendo o levantamento das áreas que têm mangaba em Sergipe. O trabalho servirá de base para se discutir a criação de unidades de conservação voltadas especificamente para a extração de mangaba.