Na semana passada, a ideia do terceiro mandato presidencial não avançou no Congresso, pois a proposta de emenda constitucional para levá-la adiante, apresentada pelo deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), perdeu apoio e não teve as assinaturas necessárias para iniciar a tramitação. Não satisfeito, disse que vai reapresentá-la, mas pode-se também dizer que ameaçou fazer isso, pois é realmente uma ameaça ao País.
Vamos rever objeções de natureza política e acrescentar uma de natureza econômica, até aqui não discutida. A inspiração veio de artigo na revista The Economist (14/5), que trata do mesmo assunto na Colômbia, onde o presidente Uribe concluirá seu segundo mandato em 2010.
Politicamente, um terceiro mandato de fato solaparia as bases da República, na sua estrutura de três Poderes independentes. A proposta veio na forma de mudança no processo eleitoral, mas seu objetivo casuístico seria eleger novamente o presidente Lula, em 2010. Isso seria muito provável dada a sua popularidade pessoal e a maneira como exerce o poder, como ao obter votos no atacado em troca de benefícios sociais e ampliar a difusão da propaganda governamental nos meios de comunicação.
Ora, ele já tem forte influência no Congresso, a qual se ampliaria ainda mais se a emenda avançasse, pois haveria o risco de distribuição de benesses para aprová-la e de fortalecimento de sua base de apoio com sua própria "rerreeleição". No Judiciário, com mais um mandato, não fiz as contas, mas creio que o presidente acabaria por ter todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nomeados por ele.
É confortante saber que dois ministros desse tribunal se manifestaram contrariamente. Conforme este jornal (26/5), o presidente do STF, Gilmar Mendes, afirmou que a proposta é um casuísmo e alertou que dificilmente a Corte chancelaria a manobra. Outro ministro do STF, Carlos Ayres Britto, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em entrevista à Folha de S.Paulo (24/5), disse que "a República postula a temporalidade e a possibilidade de alternância de poder. Quanto mais se prorroga um mandato, mais o País se distancia da República e se reaproxima da Monarquia". Perdão ministro, mas seria mais um caso de autocracia, pois até aqui não vi ninguém apontando "o cara" como nosso rei, presente ou futuro. Ademais, onde reis ainda existem, na sua maioria eles reinam, mas não governam, como o nosso presidente.
Há quem defenda a ideia argumentando que, se FHC pôde ter a mudança constitucional que levou ao seu segundo mandato, por que Lula não poderia ter a que levaria ao terceiro? A revista Veja que circula esta semana deu boa resposta: "Simples. Dois mandatos é quase uma regra nas democracias. Três só na África e em países como Cuba e Venezuela."
Conforme os jornais de ontem, falando na Guatemala o presidente Lula foi mais enfático ao rejeitar a possibilidade de um terceiro mandato aqui, mas veio com outro argumento em defesa dessa prática na América Latina. Disse ele: "... é muito engraçado que as críticas que fazem aos presidentes da América Latina que querem um terceiro mandato não se fazem aos primeiros-ministros na Europa que ficam 16 ou 18 anos." Esqueceu-se de dizer que isso ocorre em regimes parlamentaristas - nos quais esses ministros não têm mandato fixo -, e não em presidencialistas, e que por outras razões são também diferentes.
Como economista, tenho outro argumento contra a ideia desse tri. A razão é que as prioridades econômicas do País mudam com o tempo e, numa sequência de mandatos, o mesmo governante tende a priorizar coisas que não se combinam com essa mudança. O governo Lula foi particularmente favorecido por uma onda de crescimento da economia internacional que permitiu o ajuste das contas externas do País, o crescimento da economia e um forte aumento da arrecadação de impostos. Sua prioridade foi a expansão de programas sociais e reforço da máquina pública mediante forte aumento do funcionalismo, dos cargos de confiança e dos salários. Essa máquina integrará sua herança maldita, mas se fosse seu próprio herdeiro carregaria consigo sua falta de vocação para os ajustes necessários, e haveria ainda o risco de um agravamento maior. Aliás, fala-se também que o presidente Lula estaria mesmo de olho é na possibilidade de voltar em 2014, o que seria também uma indicação da ausência de vocação para o que precisa ser feito até lá.
Com a crise a prioridade deve ser a economia, fortalecendo-a, e para tal o governo deveria aumentar sua própria poupança, contendo essas e outras despesas de custeio. Isso com o objetivo de elevar os investimentos públicos de que o País tanto carece - como no caso da infraestrutura -, indispensáveis para aumentar a competitividade do Brasil num cenário externo agora bem mais difícil.
Só no seu segundo mandato o governo Lula acordou, ainda que sonolento, para a necessidade de ampliar esses investimentos. Mas o que veio? Entrou em cena a ministra Dilma Rousseff com seu Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, e foi o próprio presidente Lula que a chamou de "mãe do PAC". Ora, tomando isso ao pé da letra, o PAC seria, então, um filho da ministra. Como nasceu há pouco, é ainda um bebê. Aí estamos de acordo, pois o PAC é mesmo um bebê: pequeno e ainda engatinha.
De fato, quanto à dimensão e força, está muitíssimo longe não só das antigas e crônicas necessidades nacionais de investimentos públicos, e mais distante ainda em face do novo cenário criado com a crise econômica.
Sem o fantasma de um terceiro mandato para o atual presidente, o País terá melhores condições de escolher outro mais atualizado e afinado com as prioridades que o momento econômico impõe.
Roberto Macedo, economista (USP e Harvard), professor associado à Faap, é vice-presidente da Associação Comercial de São Paulo
PUBLICADO NO JORNAL - O ESTADO DE SÃO PAULO