Tanto insistiu o deputado Jackson Barreto (PMDB-SE), que conseguiu as assinaturas necessárias para reapresentar a proposta de emenda constitucional que permite ao presidente Lula e aos atuais governadores e prefeitos disputar um terceiro mandato consecutivo. Além de descarado oportunismo, pois a proposição tenta pegar carona na popularidade presidencial, trata-se também de um atentado contra um dos princípios basilares da democracia, que é a alternância no poder.
É inequívoca a relação entre a intenção do deputado sergipano de alterar a Constituição e o momento favorável do chefe da nação. Já tendo cumprido mais da metade do seu segundo mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conta com a avaliação positiva de mais de 80% dos brasileiros e seu governo tem quase 70% de aprovação. A popularidade presidencial sobreviveu a mais de uma crise política e se mantém sólida mesmo agora, em meio à turbulência econômica internacional. Neste contexto e considerando-se o quadro político-eleitoral do país, não é de admirar que parlamentares da base do governo proponham seguidamente uma mudança constitucional que permita o terceiro mandato para o presidente e para os demais chefes de Executivo.
Tais propostas, reconheça-se, seguem uma tendência preocupante na América Latina: Venezuela, Equador e Bolívia alteraram suas Constituições para permitir a continuidade de seus governantes. O venezuelano Hugo Chávez chegou ao extremo de obter, por meio de um polêmico referendo, o direito de se candidatar indefinidamente. E agora o colombiano Álvaro Uribe tenta artifício semelhante para se reeleger. No Brasil, porém, o presidente Lula continua dizendo que mudar as regras no meio do jogo seria “brincar com a democracia” e que ele não está disposto a fazer isso. Ainda assim, alguns de seus correligionários não se dão por vencidos.
O mais desconcertante deste debate no caso brasileiro foi a pesquisa divulgada na semana passada pelo Instituto Datafolha, que mostrou uma divisão do eleitorado em relação à alteração constitucional. Diante da questão formulada sobre se a lei deve mudar para permitir que Lula dispute o terceiro mandato, 49% dos entrevistados responderam que deve ficar como está e 47% aprovaram a mudança. Mas a questão é mais complexa. Seria um risco para a democracia considerar apenas o momento emocional do eleitorado. Neste caso, cabe também consultar a História.
E a história das civilizações mostra uma verdade insofismável. Sempre que uma nação desconsidera a alternância no poder como instrumento de preservação da democracia, os governantes tendem a se perpetuar e a perseguir seus adversários políticos. A primeira vítima desta e de qualquer flexibilização democrática costuma ser a liberdade. O poder corrompe inexoravelmente aqueles que se julgam os únicos com competência para exercê-lo. Por isso, o melhor para os brasileiros é acreditar que o presidente está falando sério quando rejeita as manobras de seus aliados para reconduzi-lo a mais um mandato. Além de essas investidas se constituírem em desrespeito à ministra Dilma Rousseff, indicada pelo próprio presidente para suceder-lhe, atentam também contra a própria democracia, que os brasileiros lutaram tanto para reconquistar.
O país certamente tem lideranças políticas capazes de substituir o presidente mais popular da história sem que isso represente atraso no seu desenvolvimento nem mudança de rumo na sua trajetória democrática. Por isso, o terceiro mandato presidencial é neste momento uma pauta incômoda e inadequada.
TERCEIRO MANDATO
Sempre que uma nação desconsidera a alternância no poder como instrumento de preservação da democracia, os governantes tendem a se perpetuar e a perseguir seus adversários políticos. A primeira vítima desta e de qualquer flexibilização democrática costuma ser a liberdade.
FONTE: ZERO HORA