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Quatro crianças morrem na pediatria do Huse

16/6/2009

A morte da criança Yan Vicente Alves da Silva, de dois anos, e de outras três crianças, durante o final de semana, no Serviço de Pediatria do Hospital de Urgência de Sergipe (Huse), reacendeu a discussão sobre a precariedade no atendimento de urgência pediátrica em Sergipe. A criança morreu no sábado à tarde, depois de os pais terem lutado para conseguir uma vaga de internação para ela. Segundo o pai da criança, o agente penitenciário Iran Alves da Silva, o garoto tinha ficado internado no Hospital da Polícia Militar até o dia 5 de maio, com um quadro de pneumonia. Após ter recebido alta, os médicos recomendaram à família que fosse novamente internado, caso apresentasse algum sintoma.

No último dia 7, Yan voltou a tossir e no dia seguinte foi levado à urgência do Ipes, no HPM, e o médico que o atendeu disse que a criança não tinha pneumonia e apenas receitou aerossol e dois remédios para alergia. “Ele atendeu meu filho superficialmente e disse que não me preocupasse, que era só tomar os remédios”, contou Iran. Três dias depois, percebendo que o menino não tinha melhorado, o pai novamente levou o filho à urgência.

Iran disse que na madrugada da última sexta-feira, o médico que atendeu o garoto disse que ele apresentava um quadro de pneumonia aguda, com o pulmão cheio de secreção. “Ele deu uma guia de internação, só que não havia vaga no HPM e eles disseram também que não ia receber pelo estado de saúde do meu filho. Falei com o pessoal do Serviço Social, mas meu filho ficou das 6h30 até as 18h esperando ser internado e não tinha sequer um respirador, que ele precisava”, desabafou.

O pai denunciou que quando conseguiram que a criança fosse transferida para o Serviço de Pediatria do Hospital de Urgência de Sergipe (Huse), que há uma semana funciona na Maternidade Hildete Falcão Baptista, não tinha ambulância com balão de oxigênio, o que era necessário no caso de Yan. “Só às 19h30 que conseguiram e ele foi transferido, mas quando chegou à Hildete não tinha respirador e os médicos ficavam usando uma aparelho manual. Vi o pessoal da maternidade desesperado, sem saber porque deixaram meu filho chegar aquela situação”, disse.

O pai contou que no sábado pela manhã, quando fizeram a drenagem do pulmão da criança, tiraram quase um litro de água. Só que já era tarde demais e às 16h40 a criança faleceu. No atestado de óbito, a causa morte atestada pelos médicos foi pneumonia extensa no lado direito, derrame pleural e insuficiência respiratória. Yan Vicente era o filho mais velho do agente penitenciário, que também é pai de um bebê de quatro meses. “Queríamos que os dois crescessem juntos, mas agora ele vai crescer sozinho”, disse, bastante emocionado. Iran Alves pretende denunciar o caso ao Ministério Público e processar o Ipes, o Hospital da Polícia Militar e os dois médicos que atenderam seu filho na urgência do instituto.

Serviço sem funcionar

Para o presidente do Sindicato dos Médicos de Sergipe (Sindimed/SE), José Menezes, não se justifica que o Hospital da Polícia Militar tenha um serviço de atendimento de pediatria – inclusive com 12 leitos – e não funcione. “É inconcebível que o Ipes não tenha para onde encaminhar os casos pacientes pediátricos graves, quando a 20 metros de onde está o atendimento, existe um serviço de pediatria do HPM que não funciona”, afirmou.

Atualmente, a urgência do Ipes funciona num anexo do Hospital da Polícia Militar, através do serviço de pronto atendimento (SPA). O paciente é atendido e se o caso for mais grave é encaminhado para a rede credenciada. O problema, segundo José Menezes, é que essa rede não está funcionando a contento. No caso da pediatria, antigamente os casos complicados eram encaminhados para o Hospital de Cirurgia, que não mais faz atendimento.

“Agora os médicos estavam encaminhando para os hospitais Primavera e Renascença, só que esses estão sempre com escala incompleta. Há uma semana, a urgência pediátrica do Hospital de Urgência foi transferida para a Maternidade Hildete Falcão, que está funcionando precariamente, a exemplo dos hospitais municipais Nestor Piva e Fernando Franco”, disse.

De acordo com o diretor presidente do Ipes, Vinícius Barbosa, o Serviço de Pronto Atendimento dispõe de dois pediatras por plantão, que funciona 24 horas. No caso do Yan Vicente, ele disse que o garoto precisava de internamento, mas o HPM não teve condições de receber, pois estava com seus leitos lotados. “Nesses casos, o procedimento correto é encaminhar para a pediatria do Huse, pois não temos outro hospital credenciado com serviço para receber”, informou Vinícius Barbosa.

O presidente do Sindimed ressaltou que o Ipes precisa urgentemente de um hospital para dar retaguarda aos seus serviços. Ele disse que o governo já tem em mãos um diagnóstico do estudo elaborado pela comissão designada pelo governador Marcelo Déda que recomenda que o HPM seja entregue ao Ipes para que funcione como hospital do servidor.

José Menezes informou que por ano, o governo do Estado gasta R$ 13,2 milhões para manter funcionando o Hospital da Polícia Militar, que tem 334 funcionários. “Hoje o Hospital está nas mãos dos militares apenas para manter os cargos de comando, com suas gratificações que são incorporadas aos salários. Se tirarem isso, eles perdem o interesse”, afirmou Menezes.

Problemas previstos

Segundo a direção do Sindicato dos Médicos de Sergipe (Sindimed), os problemas que estão começando a aparecer no atendimento na Maternidade Hildete Falcão Baptista já tinham sido denunciados por eles antes mesmo da transferência do Serviço de Pediatria do Huse. Entre eles foram listados a pouca quantidade de pediatras para um Estado que está desassistido do serviço; o fato de a capital não dispor de outro serviço de pediatria funcionando plenamente; e o aumento do fluxo de pacientes vindos do interior, justamente por a pediatria ter sido abandonada pelos gestores públicos.

Outro problema grave citado pelos sindicalistas, baseados em depoimentos de profissionais que trabalham na Hildete, é o fato de pacientes graves que estão lá e que não têm condições de serem transferidos para o Hospital de Urgência para ser avaliados por especialistas. Foi o caso de uma criança que faleceu no domingo. Ela precisava ser avaliada por um especialista no Huse.
Às 7h foi feita a solicitação de transferência, só que o seu caso era grave e ela não tinha condições de ser transferida. Às 22 horas ela veio a óbito sem ter sido atendida pelo especialista.
Os médicos entendem que casos assim vão continuar enquanto o serviço clínico de urgência de um hospital de alta complexidade estiver funcionando em um local e o corpo clínico especializado do hospital em outro.

No entanto, segundo o diretor geral do Huse, Márcio Barreto, nenhum dos óbitos ocorridos no último final de semana no Serviço de Pediatria está relacionado à falta de atendimento de especialista, exames ou cuidados. “O que temos são casos gravíssimos que chegam ao serviço e muitas vezes, mesmo com o atendimento, não temos como salvá-los”, disse.

O médico rebateu as críticas de que o serviço vem funcionando de forma precária e afirmou que a única deficiência que o serviço vinha apresentando na Hildete Falcão já foi sanada, que é a interconsulta, quando o paciente precisa de avaliação do médico especialista do Huse e ele, ao invés de atendê-lo lá se desloca até a maternidade. Sobre a quantidade de óbitos no final de semana, (4 casos), Márcio Barreto disse que esse número não aumentou em relação ao que acontecia quando a pediatria funcionava no Huse, já que a média de lá eram 17 mortes de crianças por mês. “O fato de ter passado o atendimento pediátrico para a Maternidade Hildete Falcão não aumentou o número de óbitos. Pelo contrário, hoje as crianças são melhor atendidas do que eram antes, pois temos um espaço maior e com mais conforto”, garantiu.

Jornal da Cidade - Texto: Edjane Oliveira