Categoria protesta contra declaração do presidente em relação ao trabalho dos senadores em CPIs
Lula azeda humor dos pizzaiolos
CORREIO BRAZILIENSE - Mirella D’Elia
Não desceram goela abaixo dos pizzaiolos de Brasília as palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que comparou a categoria à dos senadores. Acostumados a trabalhar atrás do balcão para produzir saborosas iguarias, eles não digeriram bem o fato de terem sido mencionados pelo chefe da nação não por suas qualificações gastronômicas, mas pelo sentido pejorativo da expressão (1)— que se cristalizou no Congresso Nacional como sinônimo de impunidade. Na última quarta-feira, ao ser perguntado se a CPI da Petrobras acabaria em pizza, Lula respondeu: “Eles (os senadores) são bons pizzaiolos”. O Correio percorreu pizzarias da cidade e ouviu uma dura reação às palavras do presidente.
Acostumado a cozinhar para políticos, empresários e magistrados, Antonio Bento Batista Neto, 38 anos, subiu o tom. “Faz tanto tempo que o Lula é político que ele esqueceu a realidade do assalariado”, alfinetou chef Bento, funcionário da Baco Napoletano, na Asa Sul, com quase 20 anos de experiência.
Para Francisco André dos Santos, que trabalha na Dona Lenha do Sudoeste, Lula foi irônico. Aos 27 anos, oito deles no ramo, ele saiu em defesa da classe. “Pizza é coisa séria. Se colocar mais sal na massa, não presta”, disse. E fez um desafio: “Se os senadores fizerem o trabalho deles com a dedicação que faço, o resultado vai ser muito bom”.
A insatisfação não se resumiu à capital. Pizzaiolos de todo o país ligaram para a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh) registrando a indignação. A confederação divulgou nota de repúdio. “Ainda que se creia que tal declaração se deu de forma impensada, não pode, quem quer que seja, lançar para o centro de um debate, nenhuma qualificação que diga respeito ao ofício de um trabalhador, especialmente se houver o risco de se conceder o efeito depreciativo generalizado”, citou a Contratuh. “O que está acontecendo no Senado é um problema interno. Eles que resolvam”, reclamou Moacyr Tesch, presidente da entidade.
Alheios ao desagrado dos profissionais, estudantes aproveitaram a deixa de Lula para levar pizzas ao Congresso e protestar contra o presidente do Senado. Cada um deles vestia camiseta com uma letra pintada. Juntas, formavam “Fora Sarney”. Os manifestantes batizaram a performance de “ato secreto”.
Twitter
Adeptos do microblog Twitter, parlamentares usaram a tecnologia para se referir ao tema. “Não concordo com as declarações de Lula sobre os pizzaiolos. O senado tem é ‘grands chefs’”, declarou o senador Delcídio Amaral (PT-MS). “O destempero verbal do presidente é um caso típico de TPCPI: tensão pré-CPI”, postou o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN).
Já o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) apresentou voto de censura. O requerimento, assinado por 11 parlamentares, ainda passará pelo crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de seguir para o plenário – o que não vai acontecer tão cedo por causa do recesso. O próprio autor admitiu que não haverá efeito prático. Mas não recuou. “O impacto é moral e histórico. Daqui a 50 anos os historiadores vão saber que o presidente fez essa besteira e que os senadores reagiram”, disse.
1 - PALESTRA ITÁLIA
Não faltam explicações na internet para a expressão “acabar em pizza”. Há quem diga que a origem foi no esporte. Na década de 1950, dirigentes do Palestra Itália, hoje Palmeiras, teriam se desentendido e, horas depois, feito as pazes com rodadas de pizza. Nos corredores do Congresso, o termo ficou conhecido a partir da década de 1990, com a profusão de CPIs – muitas sem resultados práticos.