No mês passado, o TCU determinou à superintendência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em Sergipe que cobre a devolução da CPMF que vinha pagando desde janeiro de 2008 a três empresas que fazem obras na divisa com a Bahia
De um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vive a queixar-se da extinção da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que deixou de ser paga pelos contribuintes a partir de 1º de janeiro do ano passado, e de tempos em tempos estimula a ideia de restabelecimento do tributo, com outro nome. De outro lado, o mesmo governo presidido por Lula continua a pagar a CPMF, como se nada tivesse mudado - ou seja, como se não tivesse sofrido uma acachapante derrota no Senado, na última tentativa de prorrogar a vigência do tributo. Trata-se de um espantoso caso de negligência administrativa que se espalhou por órgãos federais de todo o País e impõe pesadas perdas aos cofres públicos.
A CPMF paga a mais pelo governo não retorna para os cofres públicos na forma de receita tributária. Engorda os lucros de empresas contratadas para prestar serviços ao governo, que incluem o tributo nas contas que apresentam às autoridades públicas e estas as pagam como se a CPMF ainda existisse. Os efeitos desse descaso administrativo - para dizer o mínimo - sobre as finanças públicas ainda não foram devidamente apurados, mas ele pode ter provocado perdas de centenas de milhões de reais.
Até dezembro de 2007, quando o tributo era cobrado (0,38% em cada movimentação financeira), as empresas fornecedoras do governo podiam incorporar esse valor ao valor dos contratos. Faziam isso por meio do lançamento do valor respectivo no cálculo do item de gastos conhecido como Bonificação e Despesas Indiretas (BDI). Recebiam a parcela correspondente à CPMF, mas recolhiam o tributo no momento em que realizassem as operações bancárias. Mesmo com o fim do tributo, continuaram a apresentar a conta no BDI e a receber o valor respectivo, mas deixaram de recolhê-lo aos cofres públicos. Afinal, o tributo não existia mais.
Segundo o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou, em pelo menos 20 auditorias realizadas em 2008 e 2009, que empresas e órgãos do governo continuaram a pagar a CPMF para os fornecedores, que se apropriaram desse dinheiro. Há indícios, diz o TCU, de que a prática é generalizada na administração pública.
Alguns exemplos sugerem que a conta é muito alta. Na construção da Usina de Candiota III, no Rio Grande do Sul - obra incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a principal peça de propaganda política do governo Lula -, o TCU constatou que R$ 3,38 milhões foram pagos indevidamente. O órgão responsável pelo pagamento, a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE) alegou que não suspendera o pagamento da CPMF por entender que não havia orientação específica do governo para isso. No mês passado, o TCU determinou à superintendência do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) em Sergipe que cobre a devolução da CPMF que vinha pagando desde janeiro de 2008 a três empresas que fazem obras na divisa com a Bahia.
"Cada contrato público tem um responsável por sua execução", lembrou, em declarações ao Globo, o ex-secretário da Receita Federal e um dos criadores da CPMF Everardo Maciel. "O que se vê é algo absurdo e mostra a forma descuidada como são tratados esses assuntos. O gestor pode ter de responder por desídia e negligência."
Depois de publicadas as reportagens, a Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento distribuiu recomendação às cerca de 3 mil unidades gestoras de compras e contratações do governo para que revejam os contratos com fornecedores, para deles expurgar o valor correspondente à CPMF.
O comunicado lembra que cabe ao gestor do contrato "zelar para que eventuais alterações das condições contratuais por fato superveniente (...) não favoreçam indevidamente o contratado e gerem prejuízos à administração". Explica ainda que este "é um conhecimento basilar e notório do direito administrativo", que dispensa orientação superior. A necessidade de repetir essa norma "basilar e notória", porém, mostra que, no setor público, muitos a desconheciam ou, por alguma outra razão, não a cumpriam. Tem razão o tributarista Ives Gandra Martins, para quem a burocracia brasileira está esclerosada e tem procedimentos que se perpetuam. O custo do desleixo recai sobre o contribuinte.
O Estado de São Paulo