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ESTADÃO - Medicamentos caros eram os alvos

19/9/2009

...Já se identificaram ramificações no Rio, Bahia, Santa Catarina, Ceará, Minas, Paraná, Maranhão, Goiás, Sergipe...

Caixa de MabThera, por exemplo, custa R$ 6,5 mil; os de venda restrita a hospitais também eram visados

Elvis Pereira e Marcelo Godoy

Os remédios preferidos dos criminosos eram os de alto custo e cuja venda era restrita a hospitais. Havia medicamentos para câncer, hipertensão, dor crônica e doenças psiquiátricas. Uma caixa de MabThera, por exemplo, custa R$ 6,5 mil. Uma de Glivec sai por R$ 10 mil. Uma carga avaliada em R$ 6,7 milhões dos dois remédios, usados no tratamento do câncer, foi roubada no dia 25 de março da Farmácia Estadual da Vila Mariana, na Rua Domingos de Morais, na zona sul de São Paulo. Esse roubo e o desvio de remédios do Hospital do Servidor Público do Estado permitiram à polícia desmantelar a organização criminosa.

Depois da prisão, os vigias do hospital que desviaram os remédios contaram para quem haviam entregado a carga. Os dados foram cruzados com outra informação: a localização, no dia 18 de agosto, de três caixas de MabThera desviadas de São Paulo. Elas estavam em Poços de Caldas (MG). A polícia e a Vigilância Sanitária descobriram que uma das caixas havia sido roubada da Farmácia Judicial da Vila Mariana e outras duas do Instituto do Câncer.

O hospital mineiro alegou que comprara os medicamentos de uma distribuidora de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, que atendeu 68 hospitais e clínicas de diversos Estados. Essa, por sua vez, denunciou que seu fornecedor era Dahir Fernandes Filho, de 52 anos. O dono da distribuidora apresentou nota fiscal da compra do MabThera emitida pelo Armazém Central de Medicamentos Ltda., uma empresa com sede na Rua Carvalho de Mendonça, na Vila Belmiro, em Santos.

Os investigadores foram até o local e constataram que ali não havia nenhuma empresa de remédios. As atenções dos policiais se voltaram para outras empresas, com sede do ABC e uma em Sorocaba. Dahir foi identificado e posto sob vigilância. "Temos provas de que ele receptava os remédios e os revendia", disse o delegado Dejar Gomes, diretor do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC).

Ele teve a prisão decretada pela Justiça assim como três de seus filhos, que ajudariam o pai a atender distribuidoras e hospitais de todo o País. Segundo a polícia, Dahir negociava com os clientes por meio de duas empresas abertas em nome das filhas dele, fora da capital. Giovana Mantovani Fernandes, de 29 anos, gerenciava as movimentações financeiras da quadrilha. Ela é acusada de falsificar notas fiscais para legalizar os remédios desviados dos hospitais públicos.

INTEGRANTES

A segunda empresa estava registrada no nome de Giuliana Mantovani Fernandes. Ao irmão delas, Stefano, cabia a tarefa de cuidar do depósito dos medicamentos, na Rua Nazaré, em São Caetano do Sul, no ABC paulista, um dos locais revistados ontem pela polícia.

O companheiro de Giovana, Rodrigo Eduardo de Paula, teria roubado remédios, além de aliciar interessados em cometer esse tipo de crime. Antes da Operação Medula, ele chegou a ser flagrado pela polícia, no último dia 11, na Vila Prudente, na zona leste da capital paulista, com 35 caixas de medicamentos de venda proibida. Porém foi liberado.

Dahir, seus três filhos e o genro Anderson dos Santos Datill foram presos pelos homens do DPPC sob as acusações de formação de quadrilha, receptação e venda de remédios de origem incerta. O último integrante dessa quadrilha foi identificado como Geraldo Almeida Bispo, acusado de guardar remédios desviados em sua casa. Ele está foragido, assim como outro suposto aliciador de ladrões e de funcionários de hospitais. Policiais da 2ª Delegacia Seccional, na zona sul de São Paulo, detiveram os outros dois acusados na Operação Medula - são dois empresários cujos nomes não foram revelados.

No depósito de São Caetano houve a apreensão de diversos medicamentos, todos considerados impróprios por terem sido armazenados incorretamente. "Isso deve agravar ainda mais a situação dos acusados", afirmou o corregedor da Secretaria de Estado da Saúde, Alexandre Zakir.

Os policiais estiveram ainda na Rua Rio de Janeiro e na Rua Machado de Assis, em São Caetano do Sul, onde apreenderam remédios. Ao todo, a mercadoria encontrada pelos policiais encheu uma sala do DPPC. "Só de anticoncepcionais nós encontramos mais de mil cartelas", afirmou o delegado Sérgio Norcia, do DPPC.

MINISTÉRIO DA SAÚDE

Os homens do departamento estiveram ainda em Sorocaba e em Mogi-Guaçu, no interior de São Paulo, atrás dos remédios roubados do Estado. "Nós encontramos ainda com a quadrilha medicamentos desviados do Ministério da Saúde, todos produtos que só poderiam ser comercializados com os hospitais", afirmou o delegado.

As investigações da polícia sobre a atuação do bando devem continuar para se tentar descobrir a origem dos remédios encontrados ontem. Eles não faziam parte dos lotes levados da Farmácia estadual, do Hospital Mário Covas, do Instituto do Câncer e do Hospital do Servidor.


O ESQUEMA

Como funcionava

As quadrilhas atuavam em quatro linhas, com integrantes
operacionais, aliciadores, intermediários e distribuidores

Integrantes operacionais

Cometiam os roubos e furtos. Eram desde funcionários
terceirizados a servidores dos hospitais públicos. Os alvos
eram principalmente remédios de alto custo, como os para
tratamento de câncer, hipertensão e doenças psiquiátricas

Aliciadores

Faziam o elo entre os intermediários e os integrantes operacionais. Recrutavam pessoas para desviar, furtar ou roubar os remédios dos hospitais. Os arregimentados eram principalmente pessoas com acesso aos locais, como vigilantes dos hospitais

Intermediários

Eram os responsáveis por receber os medicamentos furtados ou
roubados dos hospitais públicos. Para vendê-los, utilizavam
empresas de fachada, com as quais emitiam notas fiscais
quentes. Além disso, modificavam as caixas dos remédios

Distribuidores

Compravam os remédios e os revendiam para hospitais privados e clínicas de 20 Estados e do Distrito Federal. Segundo a polícia, há suspeitas de que as pessoas envolvidas sabiam que os produtos eram de procedência duvidosa. A compra e venda era feita pelos preços de mercado

Hospitais e clínicas

Compravam os medicamentos dos distribuidores. A polícia vai investigar se essas unidades sabiam que os remédios eram roubados. São ao menos 89. Somente a distribuidora de Santo Amaro atendeu 68 unidades

As vítimas

De todos os lesados foram levados remédios caros, como o MabThera, recomendado para o tratamento de câncer (cada frasco custa R$ 6,5 mil), de acordo com a polícia. Até agora, os investigadores chegaram a desvios no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, na Farmácia Judicial da Vila Mariana, em São Paulo, no Instituto do Câncer Octavio Frias de Oliveira, em São Paulo, e no Hospital Mário Covas, em Santo André, no ABC paulista

Onde as quadrilhas agiam

Já se identificaram ramificações no Rio, Bahia, Santa Catarina, Ceará, Minas, Paraná, Maranhão, Goiás, Sergipe, Distrito Federal, Espírito Santo, Rondônia, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Amapá, Amazonas, Pará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Apenas no Estado de São Paulo, as investigações atingiram a capital, Campinas, Jundiaí, Mogi-Guaçu, Ribeirão Preto, São Bernardo do Campo, Bauru, Osasco, Salto e Araras.

 

FONTE: O ESTADO DE SÃO PAULO - Elvis Pereira e Marcelo Godoy