Cleomar Brandi lança seu primeiro livro, 'Os Segredos da Loba’
24/9/2009
Cleomar e sua cria: 700 crônicas reunidas
“Frase assustadora, convidativa e gostosa. Ela estava se sentido uma mulher capaz, resolvida e desafiante, como se estivesse num embate. Era noite festiva, talvez ela quisesse uivar”. A frase à qual o jornalista e cronista Cleomar Brandi refere-se – ‘estou na fase da loba, me sinto plena de mim’ -, cochichada ‘no seu pé’ de ouvido por uma mulher madura, foi o estopim impulsionador de uma crônica de sucesso sobre o universo feminino e a que motivou a escolha do título do seu primeiro livro, ‘Os Segredos da Loba’, a ser lançado hoje, dia 24, às 18h, na Sociedade Cultura Semear-Petrobras. A obra de Brandi reúne 71 crônicas - algumas já publicadas, outras inéditas - escolhidas a dedo pelo autor que deixou na gaveta mais de 700 delas, escritas ao longo dos seus 32 anos de profissão.
“Passei na arupemba uma vez, passei a segunda para a farinha ficar bem fina, e separei tudo que eu achei que merecia ser publicado, que o leitor gostasse de ler e de reler”, informa Cleomar Brandi, traduzindo seu critério de seleção das crônicas que juntas formam o livro de 166 páginas. A palavra tem um significado ímpar na vida deste Cleomar. Ela foi seu alicerce quando esteve por oito anos numa cama, recuperando-se de uma paralisia que o vitimou aos 17 anos e que lhe resultou na amputação das pernas – uma delas recentemente. “Nestes anos eu bebi tudo o que pude da literatura. Li Tolstoi, Stendhal, Baudelaire, Homero e Goethe. Para mim, foi produtivo”, revela. Está explicado, então, de onde vem a bagagem lingüística e imagética que perpassa e doura as crônicas dele. Na juventude e já recuperado, Cleomar fez um supletivo do Ensino Médio e entrou para a Faculdade de Pedagogia. Ele já exercia ali a profissão que já lhe rendia reconhecimento na coluna Rádio e TV do jornal ‘A Tarde’, na Bahia – sua terra natal –, onde escreveu a primeira crônica na época da ditadura militar. Nunca mais parou.
TRANSPIRA TEXTO E EXALA VIDA
Graças à intimidade com a palavra e a rigidez que impõe sobre ela, Cleomar Brandi abre ‘Os Segredos da Loba’ com uma crônica chamada exatamente ‘A Palavra’, na qual ele brinca e a caracteriza, por exemplo, como uma navalha afiada e com dois cortes, de águia e de toupeira, de elegância e malandragem. Palavra ele usa no ‘literário’ e na atividade de comunicação. “O jornalismo pra mim é tudo. É a minha grande fonte. Pra mim é um prazer estar bem informado. Eu não consigo estar em um sábado, domingo ou feriado e me desligar de tudo. O jornalista quando sai da redação tem que arrastar o rabo. Se eu for tomar um banho de mar, por exemplo, e não levar uma caneta, sinto-me pelado”, diz Cleomar, classificando sua postura profissional com um humor inigualável – aliás, como tudo que ele faz.
A boa malandragem é o que exprime o olhar do baiano Cleomar Brandi, que vê em um simples gesto de uma mulher bonita ao movimentar o cabelo, deixando à mostra um pedaço da nuca, ao atravessar a rua, um embrião que pode transformar-se em um belo texto. “A crônica é a observação do cotidiano. Nasce de toda informação disponível. De uma situação irreverente ou de um movimento que alguém faz”, pontua Cleomar Brandi, com modéstia. Em ‘Os segredos da Loba’ ele canta temáticas para todos os gostos, com um refinamento poético que lhe é inerente. Há crônica retratando as desigualdades sociais, como em ‘Estatuto da Fome’; a cidadania, como em ‘O malabarista esquecido’; a busca pela justiça, a desesperança do sertanejo, a seca, como em ‘Goela Seca’; a política, a formosura feminina e até a figura dos chatos. Com estes, ele é mordaz e implacável. “Classificá-los é um trabalho muito fácil, porque tem muito chato no mundo. Tem o chato virtual e o religioso, por exemplo. Todo mundo quando ler vai dizer que conhece um cara desse jeito”, diz o cronista em meio a boas risadas.
FIGURA RARA
Além de excelente cronista, Cleomar Brandi é muito querido pelos seus amigos, sejam do jornalismo ou de qualquer outra área, e estes não poupam na qualificação que fazem dele – e são companheiros que há muito tempo cobravam do jornalista a publicação de um livro que pudesse imortalizar sua obra de prosa. “Ele não podia passar por esta vida sem deixar um registro na história. Um livro sempre é uma coisa mais significativa do que simplesmente a publicação em periódicos. Reunir as crônicas em uma obra completa dá uma noção mais exata do que pensa o autor”, diz Marcos Cardoso, jornalista que conhece Cleomar desde 1986. É Marcos quem escreve o texto de apresentação de ‘Os Segredos da Loba’. Lá, ele diz que o amigo é ‘um bem público, um patrimônio que deve ser preservado e cultuado’. “Um monumento vivo e andante”.
Marcos Cardoso não exagerou. Cleomar Brandi impressiona por sua história de garra e vitória em meio à sua condição do que hoje se chama de portador de necessidades especiais – situação que ele sequer fatura. É um sujeito normal. “Ele transmite, acima de tudo, vontade de viver. É ativo, quer estar nos lugares com as pessoas. Transmite vida. Mesmo com todos os problemas físicos, não se rende. É atuante e muito mais ativo do que a maioria das pessoas que conheço”, qualifica Cardoso.
Cleomar transpira texto e exala vida em seu estilo boêmio, como bem o identifica Jozailto Lima, diretor de Jornalismo do CINFORM, que o conheceu desde as mesas dos bares às redações de jornais, lugares fáceis de encontrar a figurinha carimbada deste beatnik. “Cleomar é modelo e paradigma. Ele é um grande exemplo da arte de viver. E quem dá exemplo nesta arte, jamais poderá falhar na arte de escrever. E ele não falha: divinamente é um anjo torto que nunca se entregou às sombras, embora jamais deixasse de ser um gauche na ribalta”, descreve Jozailto Lima, pegando carona na palavra francesa gauche, muito utilizada por Carlos Drummond de Andrade, que representa o sujeito ‘torto’, ‘esquerdo’, não enquadrado por nada e nem ninguém, exatamente como é Cleomar.
O também jornalista Gilson Sousa é outro que não tem dificuldade de apontar grandes virtudes no autor de ‘Os Segredos da Loba’. Para Gilson, Brandi é um cavaleiro templário que atravessa o tempo e vai além da história comum enquanto pessoa e escritor. “Ele tem poder, sua palavra tem força”, afirma. Para Gilson Sousa, o livro de Brandi é um caldeirão de coisas interessantes que fará com que o leitor se sinta contemplado.
Esta força da prosa bradiniana é especialmente ressaltada pelo jornalista e poeta Jozailto. “Cleomar tem uma prosa extremamente lúdica, fundamente lírica. Uma prosa erudita e moleca. Seríissimamente moleca. Embora paradoxal, uma prosa maciamente cartesiana. Com aquele ar messiânico dele, de acolher a tudo e a todos sem deixar se perder nas fronteiras entre o crítico e o generoso, Cleomar é modelo. Modelo e paradigma. Ah, se todos escrevessem como ele, o que era clássico jamais viraria pó. O texto de Cleomar Brandi fala por si só. E fala, em alto e bom tom e sem arrogância, que é ótimo, que é ativo, que é sacanamente desejável pelo leitor médio pra cima. Pelo leitor sensível”, diz o jornalista.
Mas Jozailto Lima pontua com outro aspecto e diz não acreditar que ‘Os Segredos da Loba’ seja algo que capte e encerre a importância total e uns certos enigmas de Cleomar. “Para isto, está faltando alguém de coragem que se debruce sobre ele, sua história, sua persona e aquela sua impagável cadeira e faça nascer uma bela biografia. Acho bom se apressar, enquanto Dona Cleonice, a sua mãe erudita e companheira, está aí e de quem se pode tirar bons e imprescindíveis informes”, instiga Jozailto.
O leitor sergipano que sabe apreciar um bom texto, cheio de jogos sutis, de canduras, de comprometimento com a existência – e nisto parece que Cleomar usa a escrita como um escafandro pra cutucar as profundezas da vida, inclusive e sobretudo a dele, que vive sempre à beira do precipício – está mesmo na expectativa do lançamento deste ‘Os Segredos da Loba’. Assim como o autor. “Quando eu o recebi, a primeira coisa que fiz foi dar um cheiro nele. Não era a mulher amada, mas foi muito esperado”, compara Cleomar, sem perder o tom da brincadeira.