"...O trabalho mostrou, diferentemente do que se imagina, que elas não são meninas em situação de miséria absoluta, a ponto de trocar sexo por comida", diz o coordenador do estudo e psicólogo da Universidade Federal de Sergipe Elder Cerqueira-Santos"...
Celular é o produto mais cobiçado; boa parte também admite que emprega dinheiro na compra de drogas
Pesquisa pioneira no País sobre o perfil de crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual mostra que 65% usam o dinheiro recebido em troca de sexo para comprar objetos como celular, tênis ou blusa da moda. Três em cada dez assumiram vender o corpo para sustentar o vício das drogas. O valor médio recebido pelas relações é de R$ 37, mas há relatos de programas que custaram R$ 10.
Os resultados foram apresentados ontem pelo Instituto WCF-Brasil (Childhood), entidade internacional que atua no combate à exploração infantil. Foram acompanhados por psicólogos especializados em violência 66 meninas e 3 meninos de 10 a 17 anos, atendidos por instituições especializadas.
"O trabalho mostrou, diferentemente do que se imagina, que elas não são meninas em situação de miséria absoluta, a ponto de trocar sexo por comida", diz o coordenador do estudo e psicólogo da Universidade Federal de Sergipe Elder Cerqueira-Santos. "O que mais apareceu como motivação foram bens de consumo." Essa situação foi encontrada nos oito Estados pesquisados (Pará, Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauí, Bahia, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul).
"Vivemos hoje uma situação de marketing infantil violento", avalia a coordenadora da Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente, Fernanda Lavarello. "Todos são atingidos por esse fenômeno; quem tem ou não condições financeiras de comprar. O que muda é a estratégia para consumir."
A frase "sem um celular você não é ninguém", dita por uma das garotas, resume um dos principais problemas provocados pela troca de sexo por bens de consumo. Os especialistas avaliam que nem a sociedade nem as meninas notam que ocupam o papel de vítimas na exploração. "Fizemos uma pesquisa com caminhoneiros brasileiros e os que admitiram (37%) já terem sido clientes de menores de idade mantiveram esse discurso", ressalta Anna Flora Werneck, coordenadora de projetos da Childhood. "Não acham essas meninas coitadinhas - e sim responsáveis por aquela situação", completou o psicólogo Cerqueira-Santos.
Outro dado que compõe o quadro da exploração, e também contribui para que as garotas sejam responsabilizadas, é o uso de substâncias químicas. Os índices de uso entre as garotas acompanhadas pelos pesquisadores foram mais altos do que os padrões de consumo da população na mesma faixa etária. Entre as exploradas, 88% relataram usar álcool e 36% maconha - em meninas de mesma idade, o porcentual é de 4%, segundo a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Vulneráveis pela dependência química e culpadas por vender o corpo, as meninas fomentam o ciclo de abuso infantil que está espalhado por 1.819 pontos de risco, já mapeados pela Polícia Rodoviária Federal, apenas nas estradas brasileiras.
Fernanda Aranda - O Estado de São Paulo