STJ usa mecanismo da 'modulação' em processo de licitação
Fernando Teixeira, de Brasília
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu pela primeira vez uma decisão em que admite o mecanismo da modulação, com o qual limitou os efeitos de uma norma editada pelo governo federal. Com a medida, o tribunal declarou a legalidade de uma determinação, de julho de 2007, da Controladoria Geral da União (CGU) que impediu a execução de contratos firmados com a empresa gautama. A corte, no entanto, entendeu que a determinação não se aplica aos contratos anteriores a julho de 2007. A declaração de inidoniedade feita pela CGU vinha sendo contestada pela gautama, que solicitou ao STJ a "modulação" dos efeitos da decisão para preservar contratos já firmados. O caso foi apreciado em 2008, e o entendimento foi reiterado pelos ministros em um novo julgamento realizado na semana passada.
Apesar de não ser uma modulação típica, como as que vêm sendo aplicadas reiteradamente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o caso foi a primeira demonstração de que o STJ admite a limitação dos efeitos temporais de suas decisões. O mecanismo da modulação, ou a restrição dos efeitos de uma decisão, visa evitar efeitos indesejáveis de uma decisão judicial - como a anulação de situações jurídicas consolidadas, com prejuízos econômicos ou sociais. A situação mais comum no Supremo é declarar a não-retroatividade de suas decisões contra para leis declaradas inconstitucionais, para preservar atos realizados sob sua vigência. No STJ, a hipótese só foi analisada uma vez, para limitar o impacto de uma mudança de jurisprudência da corte, no caso da disputa do crédito-prêmio IPI.
Os efeitos não retroativos do ato da CGU foram evocados pela gautama em uma reclamação julgada pela primeira seção na última semana. A empresa perdeu por razões processuais, mas vários ministros reafirmaram a validade da modulação dos efeitos proferidos no mandado de segurança julgado em março de 2008. Na ocasião, o relator do caso, José Delgado, ministro já aposentado, acatou pedido da gautama para declarar que o ato da CGU não poderia ter efeitos retroativos: "Deve ser esclarecido que, em nenhum instante o ato administrativo impugnado propõe-se a ter efeito retroativos. Por silenciar a respeito, ele só atinge as relações jurídicas futuras", afirmou Delgado. O problema é que a declaração do relator não foi reproduzida na ementa do acórdão proferido pela primeira seção, deixando dúvidas sobre sua aplicação.
Ao evocar o precedente de Delgado no julgamento realizado semana passada, a gautama obteve o apoio da ministra Eliana Calmon, para quem o ato da CGU não poderia ter efeitos para o passado. O ministro Herman Benjamin também salientou que a decisão proferida no mandado de segurança relatado por Delgado declarava a não-retroatividade dos seus efeitos. Nenhum dos demais ministros contestou a existência da modulação, com exceção de Teori Zavascki. Para ele, o que foi declarado no caso de relatoria de José Delgado não foi uma modulação, mas o entendimento de que a aplicação do ato da CGU não seria automática. Para o ministro, a declaração do governo federal seria uma sugestão, mas não se prestaria a rescindir contratos de outros entes da federação.
No caso concreto, a gautama contestou um ato do governo do Distrito Federal de setembro de 2007, que rescindiu um contrato firmado com a empresa em 2001. Pela alegação da empresa, a decisão do governo local foi tomada exclusivamente com base no ato editado pela CGU, o que infligiria a declaração de não-retroativida proferida pelo STJ. Como a decisão do governo do Distrito Federal foi mantida pelo tribunal local, a empresa entrou com uma reclamação alegando descumprimento da determinação do STJ. O relator do caso, Benedito Gonçalves valeu-se de argumentos processuais para negar o pedido da empresa, no que foi acompanhado pelos demais ministros, com exceção de Eliana Calmon, que evocou a aplicação da não retroatividade ao caso.
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