O TSE mantém a cassação do governador da Paraíba e analisa
outros sete casos. É um passo para banir a compra de votos
Ronaldo Soares
Fotos Alan Marques e Lula Marques/Folha Imagem
O Tribunal Superior Eleitoral confirmou, na semana passada, a cassação do governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB). Ele teve de dar lugar a José Maranhão (PMDB), o segundo colocado na eleição de 2006, depois que o TSE derrubou o recurso que o mantinha no cargo desde o fim do ano passado, quando o tucano teve o mandato cassado. Cunha Lima foi acusado de ter garantido os votos para sua reeleição, em 2006, por meio de um programa de renda mínima que distribuiu 35 000 cheques durante a campanha. A farra custou 3,5 milhões de reais aos cofres públicos. Entre os beneficiados – que receberam de 100 a 36 500 reais – havia até gente do alto escalão do governo. O ex-governador da Paraíba é o terceiro cassado desde 1999, quando a lei eleitoral estabeleceu a perda de mandato como punição para os casos de corrupção eleitoral. Antes dele, haviam sido afastados os governadores Mão Santa (Piauí, em 2001) e Flamarion Portela (Roraima, em 2004). O próximo da lista é Jackson Lago (PDT), do Maranhão, acusado de irregularidades como distribuição de centenas de kits de salvamento e cestas básicas a pescadores e criação de vários convênios com propósitos eleitoreiros. Há outros seis governadores com a cabeça a prêmio. Se todos forem cassados, no fim do ano quase um terço dos governadores do país terá perdido o mandato.
A lista dos casos que estão para ser julgados pelo TSE junta homens públicos de vários partidos e de trajetórias pessoais distintas (veja quadro abaixo). Fazem parte dela governadores que realizam boa gestão, como era, aliás, o caso do próprio Cunha Lima. O que os une são práticas eleitorais corriqueiras no Brasil, um país onde a maior parte dos políticos ainda aposta no atraso para garantir seu quinhão de votos. Senão, vejamos. O peemedebista Marcelo Miranda (Tocantins) é acusado, entre outras coisas, de uma manobra que aumentou o salário de quase 2 300 ocupantes de cargos comissionados, usados como cabos eleitorais. O peemedebista Luiz Henrique (Santa Catarina), de fazer propaganda irregular para promoção pessoal. O tucano José de Anchieta Júnior (Roraima) responderá por bandalhas que vão da contratação irregular de 4 000 estagiários à distribuição de tratores.
A cassação do mandato de um governante eleito mexe com a expressão mais sagrada de uma democracia, que é a manifestação da vontade popular pelo voto. Mudar o resultado das urnas soa a golpe. Não na avaliação do jurista Célio Borja, ex-ministro da Justiça. Segundo ele, o respeito à vontade popular está garantido pela Constituição, e as leis eleitorais são redigidas em consonância com essa garantia. "Quando a Justiça Eleitoral invalida uma eleição, ela está considerando que a vontade do povo foi fraudada." O professor Renato Ventura Ribeiro, da Faculdade de Direito da USP, explica que as decisões da Justiça Eleitoral não atropelam a vontade popular, pois levam em conta a possibilidade de a conduta ilícita ter alterado o resultado da eleição. Ele cita o próprio caso da Paraíba, onde a disputa foi decidida por pequena margem de votos – a vantagem de Cunha Lima foi de apenas 3 pontos percentuais. "Talvez os 35 000 cheques tenham alterado a vontade do eleitor, o que interfere na legitimidade da eleição. É isso que a Justiça Eleitoral leva em consideração para cassar ou não um mandato", diz Ribeiro, autor do livro Lei Eleitoral Comentada.
Em pouco mais de uma década, houve avanços na moralização do processo político-eleitoral. Em 1996, o país adotou a urna eletrônica, o que acabou com a fraude nas apurações. No ano seguinte, estabeleceu-se uma lei eleitoral permanente, que criou uma série de medidas para coibir o uso da máquina pública. Em 1999, entrou em vigor a punição à compra de votos. Em 2006, implantou-se uma minirreforma eleitoral, que criou regras para disciplinar propaganda, financiamento e prestação de contas de campanha. A partir dela foram vetados showmícios e o uso de outdoors, além de proibida a distribuição de camisetas, chaveiros, bonés e brindes. Essa lei surgiu em decorrência do escândalo do mensalão, quando ficou clara a necessidade de maior rigor no combate ao caixa dois nas eleições. Sem falar que, ao longo desse período, o uso cada vez maior da internet para divulgar dados dos candidatos – como prestação de contas e declaração de bens – deu mais transparência ao processo.
São progressos inegáveis, porém ainda não suficientes para livrar o país dos vícios da política. Há distorções de todo tipo. A demora nos processos cria situações estapafúrdias. A decisão que acaba de sair sobre Cunha Lima, por exemplo, o torna inelegível por três anos, a contar da data do ilícito, ou seja, a partir de 2006. O que significa que ele poderá voltar a se candidatar no ano que vem. Mão Santa candidatou-se a senador um ano depois de perder o mandato de governador. E ainda manteve a pensão a que tem direito como ex-governador. É claro que a decisão de cassar um mandato não pode ser tomada de afogadilho. Até porque, na maioria das vezes, a acusação que dá origem ao processo parte de quem perdeu a eleição. Sem a garantia de amplo direito de defesa e uma análise criteriosa de cada caso, na prática se estaria criando uma espécie de terceiro turno eleitoral. Mas não há justificativa para a situação atual, na qual haverá julgamentos quase no final do mandato dos acusados, tornando inócua a punição.
Também ajudaria muito se candidatos com ficha suja fossem proibidos de concorrer, o que chegou a ser cogitado na eleição do ano passado mas não teve o aval do Supremo Tribunal Federal. O corregedor do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Roberto Wider, que defendeu a barração dos fichas-sujas, diz que essa evolução depende da vontade dos partidos. "Na Europa, pessoas com problemas na Justiça que querem concorrer a cargos eletivos nem têm sua candidatura aceita", afirma. Enquanto esse dia não chega, o país volta e meia depara com o cenário que a reviravolta na Paraíba revelou. O senador José Maranhão, que assumiu o lugar de Cunha Lima, responde a oito processos no TSE. E Roberto Cavalcanti (PRB), substituto de Maranhão no Senado? Esse caprichou: é acusado de corrupção ativa, estelionato, formação de quadrilha, uso de documentos falsos e crimes contra a paz pública. Ainda falta muito, mesmo.
NA MIRA DO TSE
A lista dos casos que estão para ser julgados é heterogênea. Fazem parte dela governadores do PT, do PMDB, do PDT e do PSDB. São políticos de trajetória pessoal distinta, acusados de práticas antigas na tradição política, como abuso de poder econômico, compra de votos e uso da máquina e do dinheiro público. Os processos atingem quase um terço dos governadores eleitos em 2006.
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ENCRENCADOS Cunha Lima (à dir.) e Lago (à esq.): os primeiros de uma lista de oito na mira do TSE