Crimes contra a imprensa: STJ analisa processos sobre mortes de jornalistas
8/11/2009
Um assassinato é sempre trágico, mas quando a vítima morre em razão do seu trabalho jornalístico, o crime é, também, contra a liberdade de expressão. O último caso de um jornalista assassinado no Brasil por razões relacionadas à profissão ocorreu em 2007, de acordo com a organização não-governamental internacional Repórteres Sem Fronteiras. Este e outras dezenas de processos contra supostos pistoleiros e mandantes de execuções de profissionais da imprensa percorrem a Justiça brasileira atrás de respostas a episódios que ameaçam a livre divulgação de informações no país.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), processos judiciais referentes a, pelo menos, seis assassinatos de profissionais da imprensa estão em julgamento. As vítimas são Luiz Barbon Filho, morto em 2007, na cidade de Porto Ferreira (SP); Samuel Roman, morto em Coronel Sapucaia (MS), em 2004; Nicanor Linhares Batista, morto em Limoeiro do Norte (CE), em 2003; Domingos Sávio Brandão Júnior, morto em Cuiabá (MT), em 2002; Arcanjo Antônio Lopes do Nascimento, o Tim Lopes, executado em uma favela do Rio de Janeiro (RJ), em 2002, e Jorge Vieira da Costa, morto em 2001, na cidade de Timon (MA).
A ONG Repórteres Sem Fronteiras já soma, em 2009, as mortes de 33 jornalistas em todo o mundo. O Brasil foi classificado pela ONG em 71º lugar no ranking da liberdade de imprensa, em que figuram 175 países. A colocação é abaixo de países com histórias recentes de guerras e ocupações militares, como a Bósnia-Herzegovina, o Líbano e o Haiti. Uma classificação ruim, mas ainda melhor do que a de 2008, quando o Brasil ocupava a 82ª posição no mesmo ranking.
Policiais acusados
Assassinado em maio de 2007, em Porto Ferreira, região de Ribeirão Preto (SP), Luiz Barbon Filho fez inimigos denunciando ilegalidades praticadas por policiais militares e políticos da cidade. Ele trabalhava no Jornal do Porto (semanário) e no diário JC Regional. O jornalista foi assassinado a tiros por dois homens armados, que estavam numa moto em frente a um bar, no centro da cidade.
Cinco policiais militares foram denunciados pelo Ministério Público. Um deles, que teria traçado o plano e convidado os outros para cometer o crime, ingressou no STJ com pedido de habeas corpus (HC 137083) e um recurso em habeas corpus (RHC 26268). Outro policial acusado também ingressou com habeas corpus no STJ (HC 129912) depois que o Tribunal de Justiça de São Paulo lhe negou a liberdade.
O relator de todos os processos é o desembargador convocado Celso Limongi, da Sexta Turma. Os acusados estão presos sob o argumento de necessidade de garantia da ordem pública, tendo em vista a função de policiais dos réus e as supostas ameaças a testemunhas. Eles querem responder ao processo em liberdade.
Empresário executado
Ainda pendente de análise final no STJ, um agravo (Ag 1150474) pretende levar a Brasília a discussão sobre o julgamento de João Arcanjo Ribeiro pelo Tribunal do Júri. Conhecido como “Comendador”, por liderar o crime organizado no Mato Grosso, ele foi pronunciado pela morte do empresário Domingos Sávio Brandão Lima Júnior, então proprietário do jornal Folha do Estado, de Cuiabá (MT), ocorrido há sete anos.
A relatora do processo, ministra Laurita Vaz, considerou o agravo intempestivo (apresentado fora de prazo). A defesa quer que a questão seja decidida pela Quinta Turma, conjuntamente. Caso os ministros acolham a tese da defesa, o recurso especial ainda deverá ser analisado pelo STJ.
Em setembro 2002, Sávio Brandão foi atingido por sete tiros em frente à atual sede da Folha do Estado, jornal que havia fundado. As investigações da polícia levaram, posteriormente, às prisões de quatro pessoas que, a mando de Arcanjo, teriam armado e executado o assassinato do empresário. O motivo teriam sido reportagens publicadas pelo jornal, contrariando interesses de Arcanjo. Em 2003, ele foi preso no Uruguai. Extraditado, atualmente cumpre pena por outros crimes.
Repercussão nacional
Um dos casos de violência contra jornalistas que mais repercutiu no Brasil e no mundo foi o assassinato de Arcanjo Antônio Lopes do Nascimento, conhecido como Tim Lopes. Ele trabalhava como produtor de matérias investigativas da Rede Globo de Televisão.
Tim Lopes foi morto em 3 de junho de 2002, numa favela do Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro (RJ), quando apurava denúncias sobre tráfico e uso de drogas e prostituição nos bailes funk da comunidade local, à época, sob o comando de Elias Pereira da Silva, conhecido como Elias Maluco. Ele e outras cinco pessoas foram condenados pelo crime, todos a penas de mais de 20 anos.
No STJ, atualmente, um habeas corpus de um dos condenados, Cláudio Orlando do Nascimento, pede a revisão da decisão que lhe negou o benefício de sair temporariamente da prisão para visitar o lar. Em agosto de 2008, o juízo da Vara de Execuções Penais do Rio de Janeiro concedeu a Nascimento progressão ao regime semi-aberto.
Ele cumpre pena de 40 anos e cinco meses de reclusão, sendo 17 anos pelo homicídio de Tim Lopes. O juiz de execução negou o pedido de saída do preso, levando em conta que ele completará prazo para o livramento condicional em 2024. De acordo com o juiz, o benefício serviria como estímulo para fuga. O relator do habeas corpus é o desembargador convocado Celso Limongi, da Sexta Turma.
Radialista assassinado
Outro recurso que deve ser julgado pelo STJ trata da morte do radialista Jorge Vieira da Costa, ocorrida em 30 de março de 2001, em Timon (MA). O jornalista denunciava irregularidades cometidas na região em seu programa diário na Rádio Tropical, baseada na cidade vizinha de Teresina, no estado do Piauí, mas também ouvida no Maranhão, segundo relatório da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Jorge Vieira da Costa foi atingido por três tiros quando saía do seu carro. Morreu sete dias depois.
O Ministério Público do estado denunciou sete pessoas por envolvimento com o crime: a então primeira-dama e o secretário de administração do município foram acusados de autoria intelectual. Três acusados foram presos preventivamente.
A defesa de seis dos acusados ingressou com habeas corpus pedindo o trancamento da ação penal. O Tribunal estadual atendeu ao pedido quanto à ex-primeira-dama, ao ex-secretário municipal e a uma servidora municipal e governanta da residência do então prefeito. Quanto aos outros três, o Tribunal local manteve a ação, mas determinou a soltura de todos.
Desta decisão, o MP maranhense recorreu ao STJ e aguarda julgamento. O órgão quer o prosseguimento da ação contra todos os acusados, bem como a decretação da prisão de todos os denunciados. O relator é o ministro Og Fernandes (Resp 562727).
Autoridades investigadas
Tramitando em segredo de justiça, uma ação penal junto à Corte Especial do STJ trata do envolvimento de um desembargador federal na morte de um radialista cearense. O órgão já recebeu a denúncia do Ministério Público Federal contra o magistrado.
O radialista Nicanor Linhares Batista foi assassinado a tiros por pistoleiros, no dia 30 de junho de 2003, dentro da rádio de sua propriedade, no interior do Ceará. Segundo o Ministério Público, há fortes e fundadas suspeitas de que os mandantes teriam sido o desembargador e sua mulher, na época, prefeita da cidade em que ocorreu o crime. Entre os indícios de autoria, estaria a forte inimizade entre o casal e o radialista, o que seria de conhecimento público, devido às freqüentes críticas do radialista à administração da então prefeita.
A ação contra os outros envolvidos corre na Justiça estadual do Ceará. O STJ chegou a julgar, este ano, uma reclamação em que a ex-prefeita pedia a manutenção da competência do STJ para o seu julgamento, por serem ela e o marido co-réus. O pedido foi negado, mantendo-se a competência no Tribunal do Júri para os réus sem foro privilegiado. No entanto, o STJ considerou nulo o aditamento da denúncia por aquele Tribunal à época em que ainda estavam em vigor determinações da Corte Especial com relação aos acusados, como quebra de sigilos telefônicos (Rcl 2125).
Inimigo político
O radialista Samuel Román foi assassinado na cidade de Coronel Sapucaia (MS), na fronteira com o Paraguai. O crime ocorreu em abril de 2004. Eurico Mariano, então prefeito da cidade, foi condenado por ter contratado os pistoleiros que executaram Román por R$ 10 mil. Além de Mariano, outras nove pessoas tiveram participação na execução. O radialista seria inimigo político de Mariano. Em seu programa de rádio, ele denunciava supostas irregularidades na prefeitura.
Mariano cumpre pena de 17 anos e nove meses, imposta pelo Tribunal do Júri. Ele apelou da sentença e pediu a anulação do julgamento, alegando que sua condenação seria contrária às provas. No entanto o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul manteve a decisão. Sua defesa pretende levar a discussão ao STJ, mas o recurso especial não foi admitido pelo Tribunal local.
Foi, então, que a defesa recorreu ao STJ por meio de um agravo de instrumento em que pretende ver reconhecida a admissão do recurso especial (Ag 1077064). O ministro Nilson Naves é o relator e já recebeu parecer do Ministério Público Federal no sentido de negar a pretensão. Ainda não há data para o julgamento.