UNE critica 'lógica machista' da Uniban por expulsão de aluna
8/11/2009
A Diretoria de Mulheres da União Nacional dos Estudantes (UNE) afirmou que a Universidade Bandeirante (Uniban) agiu dentro de uma "lógica machista" ao decidir expulsar a estudante de Turismo Geisy Villa Nova Arruda. A UNE também prepara um protesto para esta segunda-feira. Em nota oficial de repúdio à expulsão da estudante, a entidade afirma que Geisy foi vítima de um ato de violência sexista e que a universidade está responsabilizando a aluna por um crime cometido contra ela.
Geisy foi pivô de uma confusão de grande repercussão ocorrida no campus da universidade em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, no dia 22 de outubro, quando teve de sair escoltada pela Polícia Militar do prédio da sua faculdade devido às agressões verbais que estava recebendo dos colegas pelo vestido que usava. Imagens das agressões foram gravadas por universitários e postadas no site YouTube no mesmo dia. Desde o ocorrido, a estudante não voltou mais à universidade.
Neste domingo, em um comunicado publicado em jornais do Estado de São Paulo, a Uniban informou ter decidido expulsar Geisy "em razão do flagrante desrespeito aos princípios éticos da dignidade acadêmica e à moralidade". "Foi constatada atitude provocativa da aluna, que buscou chamar a atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar", diz a nota da Uniban. A instituição considerou ainda que a atitude dos outros alunos foi uma "reação coletiva de defesa do ambiente escolar". O caso gerou repercussão internacional, com uma reportagem publicada na edição online do jornal britânico The Daily Telegraph.
Apesar de também suspender, temporariamente, das atividades acadêmicas os demais alunos envolvidos e devidamente identificados no incidente, a universidade ressaltou o apoio a seus "60 mil alunos injustamente aviltados" pela cobertura midiática sobre o caso.
A líder da Diretoria de Mulheres da UNE, Fabíola Paulino, informou que a organização está preparando uma ação na Uniban nesta segunda-feira em repúdio à decisão da universidade. "O caso foi tratado de forma equivocada, a menina sofreu uma violência, ela foi agredida verbalmente, mas está sendo considerada culpada pela maneira como a imprensa e a universidade estão tratando o caso", afirmou Fabíola.
"A maneira como estão tratando o caso é um reflexo da sociedade opressora e machista em que vivemos. A universidade está reproduzindo este sistema", disse. "A comissão de sindicância da universidade não levou em conta estas questões, continuou agindo dentro desta lógica machista".
O presidente da UNE, Augusto Chagas, por sua vez, considerou "descabida" a decisão da Uniban e afirmou que a atitude criminaliza a vítima. "É como nos casos em que se responsabiliza a vítima de um assalto por estar segurando a carteira, ou se diz que uma mulher é culpada quando sofre um assédio ou abuso por causa da sua roupa. Isso nos parece lamentável", afirmou.
A UNE, segundo ele, vai chamar a atenção de outras instituições para que recebam a aluna, se for o caso, inclusive oferecendo bolsas de estudo a ela. "Não podemos permitir que ela interrompa sua trajetória escolar por causa disso", completou Chagas.
Ele demonstrou ainda preocupação com a possibilidade de o caso gerar reações negativas quanto à organização coletiva de estudantes. Segundo o presidente da UNE, a falta de espaço de mobilização dos alunos para assuntos importantes da vida acadêmica é um dos fatores que propiciam esse tipo de interação não saudável.
Em nota oficial de repúdio à decisão da Uniban, divulgada na tarde deste domingo, a UNE condena veementemente o episódio, afirmando que "o Brasil assistiu cenas de selvageria" em mais uma demonstração "de um dos crimes mais combatidos na sociedade, a violência sexista", em referência às cenas gravadas por estudantes das agressões verbais sofridas pela aluna, e depois continua, dizendo que "essa história absurda teve um desfecho ainda mais esdrúxulo". "A Universidade, espaço de diálogo onde deveriam ser construídas relações sociais livres de opressões e preconceitos, termina por reproduzir lamentavelmente as contradições da sociedade, dando sinais de que vive na era das cavernas", afirma a entidade estudantil.
Com informações da Agência Brasil.
Confira abaixo a nota da UNE na íntegra:
Diretoria de Mulheres da UNE divulga nova nota sobre o caso de machismo da UNIBAN:
Episódio de violência sexista acaba em mais uma demonstração de machismo
No dia 22 de outubro, o Brasil assistiu cenas de selvageria. Uma estudante de turismo da Universidade Bandeirante (São Paulo) foi vítima de um dos crimes mais combatidos na sociedade, a violência sexista, que é aquela cometida contra as mulheres pelo fato de serem tratadas como objetos, sob uma relação de poder desigual na qual estão subordinadas aos homens. Nesse episódio, a estudante foi perseguida e agredida pelos colegas, hipoteticamente pelo tamanho de vestido que usava, e só pôde deixar o campus escoltada pela polícia. Alguns dos alunos que a insultaram gritavam que queriam estuprá-la. Desde quando há justificativa para o estupro ou toleramos esse tipo de violência?
Pasmem, essa história absurda teve um desfecho ainda mais esdrúxulo. A Universidade, espaço de diálogo onde deveriam ser construídas relações sociais livres de opressões e preconceitos, termina por reproduzir lamentavelmente as contradições da sociedade, dando sinais de que vive na era das cavernas.
Além de não punir os estudantes envolvidos na violência sexista, responsabiliza a aluna pelo crime cometido contra ela e a expulsa da universidade de forma arbitrária, como se dissessem que, para manter a ordem, as mulheres devem continuar no lugar que estão, secundárias à história e marginalizadas do espaço do conhecimento.
É naturalizado, fruto de uma construção cultural, e não biológica, que os homens não podem controlar seus instintos sexuais e as mulheres devem se resguardar em roupas que não ponham seus corpos à mostra. Os homens podem até andar sem camisa, mas as mulheres devem seguir regras de conduta e comportamento ideais, a partir de um padrão estético que a condiciona a viver sob as rédeas da sociedade, que por sua vez é controlada pelos homens.
Esse desfecho, somado às diversas abordagens destorcidas do fato na mídia, demonstram a situação de opressão que todas nós, mulheres, vivemos em nosso cotidiano. Situação em que mulheres e tudo o que está relacionado a elas são desvalorizados e depreciados. A mulher é vista como uma mercadoria - ora utilizada para vender algum produto, ora tolhida de autonomia e direitos, ora violentada, estigmatizada e depreciada. É essa concepção que acaba por produzir e reproduzir o machismo, violência e sexismo, próprios do patriarcado. Tal concepção permitiu o desrespeito a estudante.
Nós, mulheres estudantes brasileiras, em contraposição a essa situação, estamos constantemente em luta até que todas as mulheres sejam livres do machismo, da violência, do desrespeito e da opressão que nos cerca.
Repudiamos o ato de violência dos alunos contra a estudante de turismo, repudiamos a reação da mídia que insiste em mistificar o fato e não colocar a violência de cunho sexista no centro do debate e denunciamos a atitude da universidade de punir a estudante ao invés daqueles que provocaram tal situação.
Exigimos que a matrícula da estudante seja mantida, que a Universidade se retrate publicamente e que todos os agressores sejam julgados e condenados não somente pela instituição, a Uniban, mas também pela Justiça brasileira.