Número de matrículas em cursos preparatórios cresceu 40% em janeiro, com a retração do emprego no setor privado
Boa parte dos novos alunos é formada por trabalhadores demitidos ou que querem conquistar a estabilidade oferecida pelo setor público
A informação de que um setor registra demanda até 40% maior neste início de ano e prevê crescer 20% até dezembro pode parecer notícia velha. Os números, porém, são atuais e se referem ao mercado de cursinhos preparatórios para concursos públicos, onde a crise, ao que parece, é uma marola que vem para trazer mais alunos.
Na rede carioca Academia do Concurso Público, com 70 mil alunos, os 40% a mais em matrículas representam o dobro do crescimento em relação a janeiro do ano passado. Já na rede de escolas IFG, de São Paulo, que atende outros 72 mil alunos, as matrículas tiveram início antes do Natal. "Dezembro e janeiro eram meses fracos, mas, desta vez, o movimento foi impressionante", diz Júlio César Gomes, diretor operacional da rede IFG. "Nosso negócio cresce com a crise", afirma.
O crescimento, acreditam dirigentes das escolas, é reflexo do aprofundamento da crise econômica, de um lado, e das indicações do governo de que pretende aumentar o ritmo de contratações no setor público neste ano. Na proposta de Orçamento enviada ao Congresso em outubro, o Executivo informava a intenção de abrir 50 mil vagas no ano.
"O governo vem indicando que vai contratar mais gente, e isso é um alento para quem perdeu o emprego com a crise e para quem está com medo da demissão", afirma Fábio Gonçalves, diretor da Academia do Concurso e da Anpac (Associação Nacional de Proteção ao Concurso Público).
Órfãos de emprego
O interesse por cursinhos também cresce em Minas Gerais, um dos Estados que mais registraram demissões desde o início da crise. "As pessoas chegam aqui com ar de desamparadas, por terem perdido a Vale como grande mãe", diz Carolina Jener, coordenadora do escritório da rede Praetorium em Itabira. Na cidade, houve mais de 2.000 demissões na Vale e em suas prestadoras de serviços, segundo os sindicatos, deixando trabalhadores à deriva.
Em Belo Horizonte, o percentual de quem procura emprego de nível médio teve um crescimento de até 25% no curso A.Carvalho. "São os demitidos nas fábricas e na indústria metalmecânica que querem cargos na Polícia Militar e na área fiscal", afirma André Carvalho, diretor da rede.
Para profissionais de nível superior, a área fiscal é uma das que mais atraem, por ser aberta a pessoas com qualquer formação. Com salário inicial de R$ 8.000, o concurso para auditor fiscal da Receita é um dos mais esperados e já recebeu autorização do governo para ser realizado neste ano.
A economista Maria Cláudia Viana, 36, trabalhava há pouco tempo na área de análise de crédito de um banco. Em outubro, foi demitida com outros colegas. Decidiu, então, aproveitar o tempo livre e a rescisão recebida para levar a sério um projeto ao qual não se dedicava tanto quanto queria. Vai ampliar de 6 para 30 o número de horas de estudo por semana para disputar uma vaga na Receita Federal, matriculando-se em várias disciplinas. "Não quero passar pela sensação de perder o emprego pela terceira vez na vida", disse.
A administradora Cíntia de Moura, 24, era vendedora em uma loja feminina, mas sonhava em trabalhar em uma multinacional. Recentemente, seu namorado foi aprovado num concurso público. O empurrão que faltava para mudar os seus planos veio com a crise. Há dois meses, pediu demissão para estudar em tempo integral. "As perspectivas não são boas no setor privado. Quero estabilidade", afirma.
FOLHA DE SÃO PAULO
SAMANTHA LIMA
DA SUCURSAL DO RIO