...A Vale participa do segmento de fertilizantes com minas de potássio em Taquari Vassouras, Sergipe, e também na Argentina e no Canadá...
Promete ser acirrada a disputa pelos ativos da Copebrás, segunda maior fabricante de matérias-primas para a produção de fertilizantes do país. Controlada pela sul-africana Anglo American, a Copebrás foi colocada à venda em 23 de outubro, em decorrência de uma reestruturação anunciada pela multinacional de mineração. No mercado, o negócio é avaliado em pelo menos US$ 1,2 bilhão.
A primeira companhia a manifestar publicamente seu desejo de adquirir as operações que não interessam mais aos sul-africanos foi a brasileira Vale. No dia 3, em Londres, o presidente da empresa, Roger Agnelli, confirmou a disposição de negociar tendo em vista a pretensão da Vale de fortalecer sua frente de fertilizantes.
Mas a Vale não é a única. Maior fabricante de matérias-primas para adubos do país, a Fosfertil também deverá entrar na briga. "Temos interesse em avaliar a Copebrás", disse Vital Jorge Lopes, presidente da companhia, ao Valor. Com ações negociadas em bolsa, como a Vale, a Fosfertil é controlada por uma holding (Fertifos) que tem entre seus maiores acionistas as americanas Bunge e Mosaic e a norueguesa Yara, nesta ordem, que estão entre as maiores do mundo no mercado de adubos.
Para analistas, os grupos que estão na Fosfertil também poderão avaliar individualmente a Copebrás. Outra possibilidade é a participação de fundos de investimentos no processo, sozinhos ou em parceria com empresas do ramo. Ao jornal "A Tribuna", de Santos, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Química da região, Herbert Passos Filho, disse que já foi consultado sobre a Copebrás por um fundo americano.
Para a maior parte das fontes consultadas pelo Valor, a Vale é a favorita na disputa, pela frequência com que reitera sua intenção de crescer no segmento de fertilizantes e por contar com uma situação de caixa mais confortável. Seus resultados nos nove primeiros meses do ano pioraram em relação a igual intervalo de 2008, quando os preços das commodities estavam em franca ascensão, mas ainda assim a musculatura é invejável.
Em balanço enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Vale informou que encerrou o período com receita operacional de R$ 6,893 bilhões, queda de 43,1%, Ebitda ajustado de R$ 3,014 bilhões, 52,7% mais magro, e lucro líquido de R$ 1,677 bilhão, retração de 65,2%. Na semana passada, captou US$ 1 bilhão em bônus com vencimento em 2039 e alongou o perfil de seu endividamento.
A Vale participa do segmento de fertilizantes com minas de potássio em Taquari Vassouras, Sergipe, e também na Argentina e no Canadá. Além disso, adquiriu em 2008 minas de fosfato no Peru. Nitrogênio, fosfato e potássio fornecem os nutrientes básicos para a produção de fertilizantes. O foco da Copebrás está no fosfato, a menos escassa dessas matérias-primas no Brasil, que em situações normais importa cerca de 70% de sua demanda total por adubos.
Essa dependência incomoda o presidente Lula desde seu primeiro mandato, e esse fator político pode pesar a favor da Vale, segundo analistas. Há não muito tempo, houve rumores de que o governo, incomodado com a situação, chegou a pressionar a Vale por investimentos em adubos.
A Copebrás, que em 2008 faturou aproximadamente US$ 600 milhões, explora uma jazida de fosfato em Catalão, Goiás, que já tem capacidade para produzir 1,3 milhão de toneladas de concentrado de fósforo por ano, suficientes para gerar 1 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados. Antes de ser colocada à venda, tinha concluído um estudo de pré-viabilidade para investir US$ 1 bilhão no complexo goiano e elevar essas capacidades anuais para 3 milhões de toneladas de concentrado de fósforo e 2,2 milhões de toneladas de fertilizantes fosfatados.
Com a jazida e o complexo mineroquímico de Catalão e operações em Cubatão, São Paulo, a Copebrás tornou-se, nos últimos anos, o principal negócio do grupo Anglo American no Brasil, pelo menos do ponto de vista do faturamento. Ainda assim, sempre foi alvo da cobiça de concorrentes e de rumores de que de fato seria vendida, principalmente por se tratar do único braço de adubos da múlti.
O fortalecimento da Copebrás no mercado de fertilizantes se deve, em grande medida, à postura de Nelson Pereira dos Reis, ex-presidente da Anglo American no país, que sempre apostou no negócio. Em fevereiro de 2006, na última entrevista concedida ao Valor antes de se aposentar e passar a se envolver em questões ambientais na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Reis admitia que a Copebrás continuava a atrair o interesse de concorrentes.
A jazida explorada pela empresa em Catalão foi durante mais de uma década alvo de disputa com a Fosfertil. A subsidiária da Anglo American conquistou o direito de explorar a chamada área 5, com 27 milhões de toneladas de minério, em 2003. Na mesma rocha a Fosfertil também tem uma jazida e conta com um complexo mineroquímico, daí seu eterno interesse na jazida vizinha e nas sinergias que poderiam ser criadas com a partir da sua aquisição.
Ainda que analistas ressalvem que o momento não é o ideal para a Fosfertil partir para uma compra desse porte, por ter outros dois investimentos vultosos em curso em Minas Gerais, inclusive em uma nova mina de rocha fosfática - o "Projeto Salitre", que prevê um aporte da ordem de R$ 2 bilhões em seu desenvolvimento -, ninguém no mercado duvida da força das múltis que a controlam, por mais que elas tenham acusado a má fase do mercado (demanda e preços em queda) em balanços globais divulgados recentemente.
Nos três primeiros trimestres do ano, a Fosfertil registrou faturamento de R$ 1,905 bilhão, 29,2% menos que no mesmo período de 2008, e prejuízo líquido de R$ 40 milhões, ante lucro de R$ 679 milhões de janeiro a setembro do ano passado. O Ebitda da companhia no período foi negativo em R$ 55,3 milhões.
Especialistas no segmento lembram que a disputa pela Copebrás - que preferiu não conceder entrevista sobre o tema - é particularmente interessante porque as fabricantes de matérias-primas para fertilizantes que atuam no país têm mercado quase garantido, tendo em vista a dependência brasileira de importações. E que as perspectivas para o agronegócio brasileiro nas próximas décadas são excepcionais, por ser o país um dos poucos com área disponível para a expansão da produção agrícola e pecuária mesmo com restrições ambientais.
Fernando Lopes, de São Paulo
Valor Econômico