De fiscais das contas, eles passam a investigados por desvio de verbas
Jailton de Carvalho
Oprivilégio de ocuparem cargos vitalícios, com altos salários e mordomias, não tem impedido que conselheiros de tribunais de contas dos estados troquem de lado e, em vez de combater, passem a se envolver com desvios de verbas públicas. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que conselheiros de pelo menos 12 tribunais de contas foram ou estão sendo alvo de investigações em operações de combate à corrupção da Polícia Federal e do Ministério Público Federal nos últimos cinco anos. Os métodos de atuação variam de acordo com a desenvoltura de cada conselheiro, mas as acusações giram em torno de uma prática apenas: cobrança de propina para aprovação de contas irregulares de prefeituras.
Esses tribunais são os principais órgãos de controle das contas de estados e municípios. São fiscais que devem zelar pela correta aplicação de cada centavo de verba pública. Mas a inversão de valores está na ordem do dia. Nas recentes investigações da polícia já foram fisgados conselheiros dos tribunais de contas do Rio de Janeiro, de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Paraíba, Amazonas, Sergipe e Maranhão. Governadores e parlamentares não gostam de tratar do assunto. Afinal, cabe aos tribunais aprovar ou não a engenharia financeira dos governos estaduais e das prefeituras.
Mas os relatos, muitos ainda não tornados públicos, sobre corrupção nos tribunais de contas têm deixado autoridades e especialistas espantados. Em alguns casos, conselheiros estariam deixando a condição de autoridade sujeita a pressão externa para, numa demostração de força e autoconfiança, cobrar pagamento periódico de propina para não atrapalhar o cronograma de determinadas obras fiscalizadas pelos tribunais. O não pagamento implicaria em interdição das obras, demora no repasse de recursos públicos e prejuízo às empresas que estão executando os serviços.
- São necessários procedimentos modernizadores nos tribunais de contas para que se adequem aos novos tempos em termos de fiscalização - afirma Marinus Eduardo, um dos procuradores do Ministério Público do Tribunal de Contas da União.
Procurador defende controle externo
O procurador, mesmo comedido nas palavras, entende que, para frear a corrupção em tribunais de contas, seria importante até mesmo a criação de um órgão de controle externo nos moldes do Conselho Nacional de Justiça, instituído para fiscalizar o Judiciário. Hoje, os tribunais de contas não sofrem fiscalização de espécie alguma. São órgãos auxiliares das assembleias estaduais, mas os conselheiros apenas podem ser investigados e, se for o caso, punidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não existem mecanismos de controle interno dos conselheiros.
- Quem tem a possibilidade de decidir tem a possibilidade de vender a decisão. A ocasião faz o ladrão - alerta o diretor da Transparência Brasil, Cláudio Abramo, que também defende a fiscalização sobre os tribunais de contas.
Uma das primeiras informações sobre o envolvimento de conselheiros de tribunais de contas com desvios de verbas públicas surgiu na Operação Gafanhoto, lançada pela PF em 2004. Ao investigar a contratação sistemática de servidores fantasmas pelo governo estadual, entre outras fraudes, os policiais descobriram indícios de que o esquema tinha tentáculos dentro do Tribunal de Contas local. Como as acusações recaíam sobre o governador e quase toda a Assembleia Legislativa, os problemas do tribunal acabaram sendo relegados a segundo plano no noticiário sobre o assunto. Fraude em tribunais de contas parecia, à época, um crime menor.
No entanto, desde então, a polícia não parou de se deparar com irregularidades cometidas pelos fiscais do dinheiro público. No caso mais recente, a Operação Pasárgada, a Polícia Federal abriu investigação contra seis conselheiros, três do Tribunal de Contas de Minas e três do Tribunal de Contas do Rio. Cinco deles já foram indiciados por corrupção e formação de quadrilha, entre outros crimes. Fazem parte dessa lista os conselheiros do Rio José Gomes Graciosa e José Leite Nader, indiciados por formação de quadrilha e corrupção, entre outros crimes.
Investigação é levada para o STJ
O delegado Mário Alexandre, coordenador da Pasárgada, está agora tentando interrogar Jonas Lopes, o terceiro conselheiro do Tribunal de Contas do Rio. A polícia esbarrou nos conselheiros casualmente. A partir de uma modesta investigação sobre fraudes de prefeitos do interior de Minas Gerais, a PF descobriu que o esquema tinha apoio em altas esferas da administração pública. Primeiro surgiram nomes de magistrados e, depois, apareceram indícios contra conselheiros que estariam aprovando contas irregulares de prefeitos de Minas e do Rio.
Como os conselheiros têm foro especial, a investigação teve que ser transferida da Justiça Federal para o Superior Tribunal de Justiça.
- É uma investigação muito complexa, e que envolve pessoas influentes. É preciso muito cuidado porque, senão, pode não dar em nada - afirma o subprocurador-geral da República, Carlos Eduardo Vasconcelos, um dos responsáveis pela investigação.
O presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), o ex-deputado Victor Faccioni, reconhece a existência de indícios de corrupção contra conselheiros. A Atricon até tem um levantamento sobre os conselheiros que estão sendo processados no Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora prefira não divulgar o documento. Segundo Faccioni, os desvios de conduta existem em todos os setores públicos e não apenas nos tribunais de contas.
- Isso (corrupção) acontece onde existem pessoas. No Brasil, tem acontecido episódios assim com magistrados, com membros do Ministério Público, com a polícia e também no setor privado - afirma Faccioni.
O presidente afirma ainda que a Atricon quer o esclarecimento de todas as acusações. Mas alega que os conselheiros não podem ser afastados dos cargos enquanto não houver condenações definitivas contra eles.
O GLOBO