Cleide Carvalho, O Globo
SÃO PAULO - A terceira maior cidade da Bahia, Juazeiro, está em estado de emergência por falta de água potável. Nas escolas, não há água para oferecer às crianças e as torneiras da maioria das casas estão vazias. A ironia não é do destino. O município de 220 mil habitantes fica às margens do Rio São Francisco, o Velho Chico, cuja obra de transposição promete mudar o curso das águas para abastecer rincões distantes até 400 km do leito atual.
Falta água em Juazeiro porque chove em Minas Gerais. Com os temporais a água do Velho Chico, assoreado por conta de ocupações e desmatamento nas margens, chega lá enlameada e exige mais tempo de tratamento. Ao mesmo tempo, o calor na cidade é de fritar ovo no asfalto: 40 a 42 graus neste verão.
- Aqui não tem inverno, só tem verão. Faz calor o ano todo, cada vez mais. E o assoreamento do São Francisco faz com que a água chegue cada vez mais turva, misturada com barro.
Mas o motivo mesmo da escassez de água é, admite a Prefeitura de Juazeiro, a estação de tratamento de água da cidade, de 30 anos atrás. Há três décadas não se faz investimento para ampliar a capacidade de tornar potável a água que sai do Velho Chico. A população cresce, a infra-estrutura não.
- O abastecimento de água entrou em colapso por falta de investimento - diz Carlos Luciano de Brito Santana, procurador geral do município.
Neste verão, por conta do calor, o consumo de água cresceu mais de 30%. Mas não foi só isso. Foi pior. Começaram há cerca de seis meses as obras de saneamento básico na cidade, financiadas com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A cada rua aberta para oferecer esgoto à população, o consórcio contratado para fazer a obra furava um cano, fazendo cessar a água na torneira, conta o procurador.
- Só há 15 dias descobrimos que o consórcio Coesa não tinha o mapa da rede de abastecimento de água. Talvez por falta de comunicação com a gestão anterior - diz ele.
Ao decretar estado de emergência, Juazeiro pode contratar sem licitação 5 estações moveis de tratamento d'água, ao custo de R$ 2,5 milhões, com recursos próprios do Serviço de Abastecimento de Água e Esgoto, autarquia municipal.
- É um paliativo - admite Santana.
A obra de uma estação de tratamento fixa, capaz de suportar o crescimento da cidade por pelo menos mais 10 anos, deve custar cerca de R$ 19 milhões. A cidade pede recursos dos governos estadual e federal para poder bancar o investimento. Quando ela ficar pronta, as estações móveis vão cair em desuso. A ideia da Prefeitura é enviar para a zona rural da cidade, onde cisternas armazenam a água de chuva para abastecer a população.
Em Juazeiro, falta água em distritos rurais como Carnaíba e Massaroca, a 20 km do curso do rio. Caminhões-pipa, sob comando da Defesa Civil e do Exército, levam água para cerca de 20% a 30% da população da cidade.
O São Francisco nasce na Serra da Canastra, em Minas Gerais, atravessa o estado da Bahia, fazendo a divisa ao norte com Pernambuco, e serve como divisa natural aos estados de Sergipe e Alagoas. Por fim, desagua no Oceano Atlântico.
No total, são 2.830 km de extensão. Na altura de Juazeiro e Petrolina (PE) - cada cidade de um lado do rio - é navegável.
Em Juazeiro, diz o procurador, o povo é contrario à transposição do Velho Chico.
- Antes de transpor é preciso recuperar o Rio São Francisco. Dizem que o trabalho está sendo feito, mas não existe esse trabalho, não é palpável, ninguém vê - resume Santana.