O extenso e denso voto do ministro Carlos Ayres Britto, lido esta semana no Supremo Tribunal Federal, é um verdadeiro atestado de óbito do diploma legal concebido há 42 anos. Ayres Britto é relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ajuizada pelo PDT, cujo objetivo é sepultar de vez a Lei de Imprensa – uma anacronia nascida em 1967, durante a ditadura militar. Infelizmente, o fim do regime de exceção, em 1985, não significou o fim do entulho autoritário. A Lei de Imprensa, ainda em vigor, constitui um dos exemplos desse entulho. Conforme escreveu esta semana o jornalista Mauro Santayana, colunista do Jornal do Brasil, a lei limitou a liberdade profissional, intelectual e política de cidadãos, exigindo dos novos jornalistas licença universitária. Isso não é tudo, porém. Há uma vasta horta de pontos a rever, referentes, por exemplo, à liberdade de expressão, direitos de resposta e, acima de tudo, sua compatibilidade ou não com a Constituição federal de 1988.
Mesmo que a maioria do Supremo – na conclusão do julgamento, prevista para o dia 22 – prefira "aproveitar" dispositivos dessa lei que teriam sido "recepcionados" pela Constituição vigente há mais de duas décadas, como os artigos regulamentadores do direito de resposta, o Supremo não deixará de revigorar a interpretação do artigo 220 de nossa Lei Maior. Como muitos sabem, este mandamento constitucional, inspirado na célebre Primeira Emenda à Constituição americana, proclama que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição". E arremata: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social", assegurado o direito de resposta e resguardado o sigilo da fonte. É um preceito fundamental complementar das cláusulas pétreas do artigo 5º, entre as quais a que declara a liberdade de manifestação do pensamento e a que proíbe censura ou licença prévias.
O ministro Ayres Britto, no atestado de óbito da Lei de Imprensa, deu também ênfase especial à sua severidade na esfera penal. Segundo ele, "a lei não pode distinguir entre pessoas comuns e jornalistas para desfavorecer penalmente estes últimos, senão caminhando a contrapasso de uma Constituição que se caracteriza, justamente, pelo desembaraço e até mesmo pela plenificação da liberdade de agir e de fazer dos atores de imprensa e dos órgãos de comunicação social".
Vale ainda destacar que no seu voto, já acompanhado por Eros Grau, o ministro-relator fez uma clara crítica à banalização da "interpretação conforme a Constituição", da qual muito se tem servido o STF. Para Ayres Britto, quando a colisão entre a lei ordinária e a Lei Maior "se dá em quase toda a cadeia redacional (como ocorre no caso da Lei de Imprensa), o que toma corpo não é simplesmente uma antinomia material de entre dispositivos de igual hierarquia", mas sim "uma realidade marcada por diplomas normativos ferozmente antagônicos em sua integralidade". Ou seja, "a refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de ‘interpretação conforme a Constituição’ tem limites". Não pode forçar a "descontaminação da parte do diploma legal interpretado", sob pena de incursão descabida do intérprete em seara legislativa.
Que os demais ministros façam coro às palavras do relator.