Desembargador pediu retorno imediato dos médicos da rede municipal aos seus postos de trabalho. Justiça ainda classificou a paralisação como abusiva
O desembargador de plantão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJ/SE), Cezário Siqueira Neto, determinou neste domingo o retorno imediato dos médicos da rede pública municipal, em greve há 22 dias. A decisão acatou a liminar apresentada no sábado pela Prefeitura Municipal de Aracaju (PMA) pedindo a suspensão imediata e a decretação de abusividade da paralisação. Em caso de descumprimento, o Sindicato dos Médicos de Sergipe (Sindimed) terá que pagar uma multa diária no valor de R$ 5 mil.
O argumento central usado pela PMA foi de que, antes mesmos de se esgotar o processo de negociação, a categoria aderiu à greve e ainda sem comunicar a decisão com as 72 horas de antecedência previstas em lei. A Procuradoria Geral do Município (PGM) também argumentou que o grande número de reivindicações e a desproporcionalidade das pretensões sindicais em relação a aumento salarial e carga horária inviabilizaram o processo de negociação.
Outra questão levantada é que, se fossem atendidas todas as reivindicações sindicais das categorias que integram os quadros da Prefeitura de Aracaju, o poder público municipal iria comprometer 62% da receita corrente líquida com a folha de pagamento e descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Causa maior preocupação a perspectiva de proliferação do mosquito da dengue no período chuvoso que se avizinha, quando deve aumentar a procura às unidades de saúde.
A paralisação dos médicos completa neste domingo 22 dias e inviabilizou a realização de mais de quatro mil consultas na rede municipal. Mesmo com as Unidades de Saúde da Família (USF) e os hospitais da Zona Norte, Nestor Piva, e da Zona Sul, Fernando Franco, funcionando durante o horário normal, a população tem sofrido com a situação. A principal reivindicação da categoria é o salário médio passe de 4,5 mil por 40 horas semanais para R$ 8.239 por apenas 20 horas semanais.
Negociação
(Foto: Arquivo Infonet)
Após analisar as finanças municipais e os impactos decorrentes da crise econômica internacional, a Prefeitura de Aracaju concedeu aos servidores reajuste salarial de 1%, que somado ao aumento de 12% do salário mínimo resultou em um reajuste médio de 4,5%. Esse foi o percentual máximo que o município pôde conceder, uma vez que no primeiro trimestre deste ano, em relação ao mesmo período de 2008, houve drásticas reduções no recebimento de royalties (-36%) e no repasse federal referente ao Fundo de Participação dos Municípios (-20%).
"No último caso, a perda em termos absolutos foi de R$ 7,2 milhões. Caso o cenário atual seja mantido, a receita proveniente do FPM - responsável por 40% das verbas do município - poderá ser reduzida em até R$ 30 milhões [...]. Pode-se até alegar que não foi conseguido tudo aquilo que a categoria queria, mas foi acordado aquilo que era o possível para o momento", alegou o procurador.
Além do reajuste linear de 1%, foram atendidas 12 das reivindicações dos 14 sindicatos durante as negociações Dentre os benefícios oferecidos pela PMA, estão a progressão para possuidor de mandato sindical como se estivesse em efetivo serviço; prorrogação da licença saúde por mais de setenta dias em casos específicos a serem regulamentados; aumento do auxílio alimentação para R$ 10,00; continuidade da quebra do teto na titulação e adicional noturno; e pagamento de insalubridade em cima de R$ 465,00
Confira abaixo o conteúdo integral da decisão judicial:
Cuidam os autos de ação declaratória de ilegalidade de greve com pedido de tutela antecipada promovida pelo Município de Aracaju em face do Sindicato dos Médicos de Sergipe, alegando que após algumas tratativas entre as partes no sentido de resolver a questão do reajuste salarial da classe médica, o Sindicato achou por bem suspender as negociações, deflagrando uma greve com a paralisação das atividades da categoria no dia 03 de março do corrente ano.
Aduz que dita greve causa prejuízos incomensuráveis à população, vez que: "a greve em questão oficialmente já dura 30 (trinta) longos dias e, oficiosamente, dura mais de 40 (quarenta) dias, nos quais a população em geral, inclusive crianças, gestantes e idosos, e até mesmo aqueles usuários em situação de risco ( portadores de moléstias graves, gestantes de risco, usuários de medicamentos controlados, diabéticos, hipertensos etc), vêm sofrendo sérias dificuldades para a obtenção de atendimento e, no mais das vezes pura e simplesmente não o obtêm" (trecho da petição reproduzido).
Juntou documentos e pediu a concessão da antecipação da tutela no sentido de declarar a greve ilegal, determinando a suspensão do movimento, sob pena de multa diária de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
É o breve relato. Passo a decidir.
O presente feito veio-me concluso em virtude de estar designado para o plantão jurisdicional de 2º grau neste dia, restando conhecido em função da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no MI nº 708/DF, ora transcrita:
" (...) Diante dessa conjuntura, é imprescindível que este Plenário densifique as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da Justiça Federal, ou ainda, abranger mais de uma unidade da federação, entendo que a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2o, I, 'a', da Lei no 7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da Justiça Federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também, por aplicação analógica, do art. 6o, da Lei no 7.701/1988). Ou seja, nesse último caso, as greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais..." (trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes, grifado)
Reconhecida, pois, a competência do Tribunal de Justiça para apreciação da demanda.
A questão trazida à baila diz respeito ao direito de greve previsto na Constituição Federal, cujo artigo 37, VII, garante o exercício nos termos e nos limites definidos em lei específica.
Ocorre que a dita lei específica ainda não foi editada pelo Congresso Nacional, causando celeuma na doutrina e jurisprudência no sentido de concretizar o direito de greve diante da lacuna legal.
Daí porque o Supremo Tribunal Federal, após muita discussão e até troca de entendimento ao longo do tempo, se posicionou nos mandados de Injunção 670/ES e 708/DF, da Relatoria do Ministro Gilmar Mendes, determinando a aplicação, aos servidores públicos, a disciplina contida na Lei 7.783/99, que regula o direito de greve dos empregados em geral na hipótese dos denominados "serviços essenciais".
Dito isto, cabe a análise do caso concreto à luz da lei 7.783/99, no que lhe for aplicável, haja vista se tratar de serviço essencial e indispensável à população - saúde, assegurada constitucionalmente.
É de se ressaltar que a questão em voga é de difícil solução, haja vista o tipo de serviço prestado pela categoria em greve. Sabe-se que a saúde pública é direito assegurado pela Constituição Federal e, não obstante isso, é de conhecimento de todos o descaso existente em todos os Entes da Federação. É o que se extrai dos jornais todos os dias - pessoas que necessitam de serviços médico-hospitalares tendo que se submeter a uma verdadeira "romaria" para serem atendidas.
Vê-se, portanto, que se por um lado tem o direito do profissional em ser bem remunerado, por outro tem a responsabilidade do Poder Público em prestar o serviço de saúde com eficiência. Aliás, diga-se, que a categoria dos Médicos também tem esse dever - de presteza e eficiência no desempenho de sua função.
Feitas essas observações, e partindo da premissa que o Supremo Tribunal Federal reconheceu como legítimo o direito à greve do servidor público, aplicando as disposições da Lei 7.783/89, só há espaço para declarar a ilegalidade de uma greve em sede de antecipação de tutela se, realmente, houver prova da verossimilhança das alegações, a teor do disposto no artigo 273 do Código de Processo Civil. Vejamos.
O primeiro requisito imposto pela lei é o contido no artigo 3º, que assim dispõe:
"Frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho".
Os documentos apresentados mostram a existência de negociações entre as partes, tendo, inclusive, o ofício encartado no doc.4, datado de 19 de fevereiro de 2009, da lavra do Secretário Municipal de Governo, informado que seria marcada nova data no mês de março para finalização da negociação com as categorias profissionais.
É de se ressaltar, ainda, que nesse mesmo ofício, o Secretário consignou que os reajustes fixados retroagiriam à data-base de fevereiro, conforme compromisso firmado pela comissão de negociação salarial nas discussões iniciais.
Há, ainda, outro ofício (doc.05), encaminhado pelo Secretário de Governo, datado do dia 03 de março do corrente ano, marcando uma reunião para negociação salarial.
Assim, em que pese a ausência de prova eficaz quanto ao conteúdo das negociações, é inegável que estas vinham ocorrendo, talvez não da forma ideal e adequada tanto para a classe dos médicos, quanto para a população, a maior prejudicada com todo o impasse.
Ora, a greve foi deflagrada em 03 de março, ou seja, logo posteriormente ao recebimento do ofício constante do doc. 5, cujo teor constava uma reunião a ser designada naquele mês.
O Município de Aracaju alegou, ainda, que não houve a comunicação da deflagração da greve no prazo de 72 horas estabelecido pela lei. No entanto, dito argumento não tem o condão de influenciar esta decisão. É que estando ausente o primeiro requisito estabelecido na lei - esgotamento das negociações -, não se mostra verossímil a legalidade da greve, independente de estar presente o segundo requisito (comunicação).
Aliás, diga-se, que aqui é decisão concedida inaudita altera pars, ou seja, em sede de cognição sumária, apenas analisando a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora.
O fumus boni iuris se faz presente na medida em que o Município provou a existência da fase negocial; o periculum in mora, por sua vez, se evidencia no fato que os serviços prestados pela Categoria em Greve é de natureza essencial à população, já tão massacrada com as políticas públicas praticadas pela imensa maioria dos Entes Públicos em quaisquer das esferas da Federação.
Ainda, falando em antecipação dos efeitos da tutela, não há como negar que o perigo de dano se mostra patente. Havendo a garantia da retroatividade dos efeitos da negociação salarial à data-base da Categoria, não há o perigo de dano inverso. De forma contrária, se faz presente o perigo de dano caso não concedida a tutela, uma vez que a população ficará privada dos serviços médicos.
É de se ressaltar que não havendo continuidade e eficiência das negociações, especialmente por parte do Município, assim como o surgimento de fato novo, mediante os argumentos e prova da parte contrária, pode haver modificação da decisão, até porque esta tem cunho provisório, afastando a irreversibilidade da decisão.
À título de reflexão, trago a lição do Ministro Marco Aurélio, analisando a SS nº2.061, verbis:
"Assentado o caráter de direito natural da greve, há de se impedir práticas que acabem por negá-lo. É de se concluir que, na supressão, embora temporária, da fonte do sustento do trabalhador e daqueles que dele dependem, tem-se feroz radicalização, com resultados previsíveis, porquanto, a partir da força, inviabiliza-se qualquer movimento, surgindo o paradoxo: de um lado, a Constituição republicana e democrática de 1988 assegura o direito à paralisação dos serviços como derradeiro recurso contra o arbítrio, a exploração do homem pelo homem, a exploração do homem pelo Estado; de outro, o detentor do poder o exacerba, desequilibrando, em nefasto procedimento, a frágil equação apanhada pela greve. (. . .) Põe-se por terra todo o esforço empreendido em prol da melhor solução para o impasse, quando o certo seria compreender o movimento em suas causas e, na mesa de negociações, suplantar a contenda, cumprindo às partes rever posições extremas assumidas unilateralmente. Em suma, a greve alcança a relação jurídica tal como vinha sendo mantida, mesmo porque, em verdadeiro desdobramento, o exercício de um direito constitucional não pode resultar em prejuízo, justamente, do beneficiário, daquele a quem visa a socorrer em oportunidade de ímpar aflição."
Pelo exposto, ausente o requisito do artigo 3º da lei 7.783/89, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para declarar, no momento, ilegal a greve, ao tempo que determino o retorno dos Médicos às suas atividades funcionais, sob pena de multa diária imposta ao SINDIMED, no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sem prejuízo das sanções administrativas.
Comunique-se ao SINDIMED. Após, ao Relator Originário.
Aracaju, 05 de abril de 2009
Desembargador Cezário Siqueira Neto
RELATOR
Fonte: AAN apud INFONET