O Poder Judiciário lida de forma satisfatória no segmento ambiental, os tribunais superiores, STF (Supremo Tribunal Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça) e o TST (Tribunal Superior do Trabalho) estão definindo posicionamentos importantes na área. Por outro lado, o Legislativo e o Executivo deixam a desejar nesse campo. A avaliação é do advogado e jurista Celso Antônio Pacheco Fiorillo que qualifica o Executivo de “ditatorial”.
Formado em direito, pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), Fiorillo é o primeiro professor livre docente em Direito Ambiental no Brasil, com dezenas de obras publicadas, considera a Constituição Federal, a bíblia dos ambientalistas, e é categórico ao afirmar “o país não precisa de um código ambiental, pois 95% do que interessa na área ambiental está na Constituição Federal”.
Com mestrado e doutorado em relações sociais feitos na PUC-SP, atualmente, ele é assessor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e professor efetivo da Escola de Magistratura do Tribunal Regional Federal paulista, da 3ª Região, para o jurista, o direito ambiental deve ser interpretado em prol da pessoa.
Celso Fiorillo já orientou mais de 200 mestres e doutores pelo país, e defende que “para fazer trabalho acadêmico no Brasil tem que pensar como brasileiro” e afastar visão eurocêntrica. Ele explica que sempre orientou no sentido de se fazer pesquisas de utilidade para o país, que “ainda tem muita dificuldade, 40 milhões de pessoas vivem com a quantia do “Fome Zero”, somos extremamente atrasados em saneamento ambiental. Se cada um pensar o seu país, se resolvem coisas importantes para o mundo”. Veja a entrevista que Celso Antônio Pacheco Fiorillo concedeu ao Observatório Eco com exclusividade.
Observatório Eco: Falta no país segurança jurídica na área ambiental para o desenvolvimento sustentável?
Celso Fiorillo: Não, não falta. Tanto o STF (Supremo Tribunal Federal), como o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e mesmo o TST (Tribunal Superior do Trabalho), em matéria de meio ambiente do trabalho, aos poucos, estão definindo uma série de questões na área ambiental e, portanto estabelecendo uma regra que vale para todos. Não concordo que falte segurança jurídica na área porque está melhorando muito.
Observatório Eco: Nesse período em que o senhor se dedica ao direito ambiental, o que melhorou no país?
Celso Fiorillo: Melhorou tudo. Em primeiro lugar, o aparecimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 1988 vem aos poucos consolidando a interpretação de leis vinculadas ao direito ambiental. Há uma série de avanços importantes.
O próprio STF (Supremo Tribunal Federal), nesses anos, vem apontando uma série de caminhos relevantes para definir temas ambientais. Da mesma forma, o TST, os tribunais regionais federais, e tribunais de justiça estão indicando alternativas importantes no plano local.
Observatório Eco: Então, o Judiciário vem lidando de forma satisfatória com as causas ambientais?
Celso Fiorillo: Não só vem lidando de forma satisfatória, como é o único dos poderes que lida de forma satisfatória. Ao contrário do Executivo e do Legislativo que vão muito mal na área ambiental. O Legislativo, a gente vem notando, não legisla. O Executivo vem atuando de uma maneira totalmente arbitrária, até ditatorial. É graças ao poder Judiciário que o país vem conseguindo adotar na área do direito, o que chamamos de desenvolvimento sustentável.
É o Judiciário que vem corrigindo, graças a iniciativa dos advogados, dos ministérios públicos federal e estaduais. Então, numa análise crítica dos poderes constituídos, o Judiciário vem avançando e muito.
Observatório Eco: Com relação à polêmica do Código Florestal, precisa de reforma? O senhor é a favor da reforma?
Celso Fiorillo: O Código Florestal foi editado há muitos anos, dentro de uma realidade que não existe mais no Brasil. Inclusive se você me perguntar se precisamos de código ambiental. A resposta é não. O país não precisa de um código ambiental, pois 95% do que interessa na área ambiental está na Constituição Federal. Assim, qualquer outra regra infraconstitucional, incluindo o código é de pouca importância. É muito barulho por nada.
Observatório Eco: Existe um projeto de lei que quer retirar da Constituição Federal o artigo 225, que trata de Meio Ambiente. Qual sua opinião?
Celso Fiorillo: Esse projeto de lei é lamentável. Inclusive as seccionais da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Ceará, Maranhão, vão se reunir, para tomar uma posição unificada contra esse projeto.
O artigo 225, antes de ser uma questão ambiental, aponta um avanço fundamental para a dignidade da pessoa humana. Integra o patrimônio cultural de todos nós.
Observatório Eco: Há também na Câmara um projeto para mudar a lei de ação civil pública, qual sua opinião?
Celso Fiorillo: É uma idéia interessante, embora não se constitua nenhuma novidade. O novo código de processo coletivo vai reunir, de forma aglutinada, as regras constitucionais e processuais. Não há novidade no projeto, apenas vamos estabelecer um texto uniforme para os processos coletivos.
Observatório Eco: Algumas discussões afirmam que nesse projeto a tutela do meio ambiente está sendo tratada juntamente com outros direitos, como saúde, consumidor. A tutela do meio ambiente merecia uma lei própria, para a tramitação de causas relacionadas ao tema na Justiça.
Celso Fiorillo: Na verdade o projeto não traz novidades. A maioria da população ainda tem uma visão de bem ambiental, única e exclusivamente na perspectiva, que doutrinariamente chamamos de meio ambiente natural.
Desde 1988, os bens ambientais são divididos entre patrimônio genético, meio ambiente cultural, artificial, do trabalho e natural. A lei apenas estabelece de forma didática, aquilo que já sabemos desde 88.
Observatório Eco: Para o público, a imagem do Ministério Público está sempre associada a defesa do Meio Ambiente. Por outro lado, o advogado está ligado ao poluidor. Como lidar com essa imagem da advocacia?
Celso Fiorillo: É uma imagem maniqueísta, do bem e do mal. Parece filme de Guerra nas Estrelas, tem o lado negro da força e o lado do bem. O que ocorre é que naturalmente o Ministério Público é institucionalmente organizado para fazer a defesa dos direitos difusos e coletivos.
Há gente muito bem abalizada e treinada para tanto, naturalmente, atuando como legitimados ativos na defesa do meio ambiente. E claro, felizmente, na democracia, em toda e qualquer ação há o contraditório e a ampla defesa. E quem vai defender os empreendedores tecnicamente são os advogados. É um processo natural democrático.
Até porque se não fossem os empreendedores não haveria possibilidade de transformar os bens ambientais em produtos e serviços. E isso é desenvolvimento sustentável. Os bens ambientais são de uso comum da população, então a regra é estabelecer um diálogo entre os empreendedores e a sociedade como usar democraticamente e de maneira sustentável todos esses bens ambientais.
Observatório Eco: Três conselhos para a nova geração, que vai atuar na área ambiental seja como um advogado, promotor, ou mesmo gestor ambiental?
Celso Fiorillo: Antes de querer discutir temas de altas complexidades para salvar as futuras gerações, acho que todo estudante tem que arrumar o seu quarto, se organizar em casa, ter uma postura civilizada com os colegas. Não adianta falar de grandes questões, se não tiver uma postura de equilíbrio na própria vida.
O segundo conselho é estudar sempre, eternamente, o direito ambiental é dinâmico, atua fortemente em todos os pontos de vista de sociedade. Então precisa estudar para ver como o mundo caminha.
O terceiro aspecto é ser tolerante. O direito ambiental não se interpreta de maneira unilateral. Sempre tem o outro lado da moeda. E felizmente, na democracia, existe um poder constituído que é o poder judiciário, que em última análise, na democracia, vai dar a palavra final.
Observatório Eco: Para os alunos que desejam fazer a tese de mestrado e doutorado na área ambiental, qual o melhor caminho?
Celso Fiorillo: Em termos de defesa de teses, o mais importante é pensar o Brasil. Não tem cabimento raciocinar o direito ambiental com uma visão eurocêntrica, como alguns acham bonito e interessante. A realidade brasileira nada tem a Europa. Claro há uma série de pontos que a Humanidade deseja como um todo.
Mas para fazer trabalho acadêmico no Brasil, tem que pensar como brasileiro. Já orientei 200 mestres e doutores no país, e sempre procurei incentivar que se façam trabalhos de utilidade para o país. O Brasil ainda tem muita dificuldade, 40 milhões de pessoas vivem com a quantia do “Fome Zero”, somos extremamente atrasados em saneamento ambiental. Se cada um pensar o seu país, se resolvem coisas importantes para o mundo.
Observatório Eco: Amazônia, uso sustentável e conservação. Como conciliar esses dois princípios?
Celso Fiorillo: Respeitando a população, de 25 milhões de habitantes, que mora lá. Há muitos anos atuando na área e visitando o local em média 3 vezes por ano, percebo que existe uma visão européia, americana com relação à Amazônia, de um enorme zoológico. E na verdade, o que temos que observar é a dificuldade enorme das pessoas que moram na região norte da Amazônia legal.
Manaus, por exemplo, tem sérios problemas de infra-estrutura, a população que habita outras áreas tem sérios problemas de sobrevivência. O desenvolvimento sustentável na Amazônia é respeitar os direitos e interesses das pessoas que lá estão. Portanto, ouvir os colegas de lá, o judiciário, os promotores.
Observatório Eco: O que o senhor aprendeu de mais importante em direito ambiental?
Celso Fiorillo: Aprendi que o mais importante em direito ambiental é a dignidade da pessoa humana. Portanto, pensar direito ambiental no Brasil é entender esse conjunto de leis, regras e interações de toda ordem voltadas à necessidade da pessoa humana.
O grande avanço brasileiro é compreender que os temas na área ambiental, seja meio ambiente natural, cidades ou patrimônio cultural têm um grande personagem que se chama pessoa humana. E é para essa pessoa humana que se deve interpretar o direito ambiental.
Fonte: Observatório Eco
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