Crítico da transposição das águas do rio São Francisco, o bispo de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, 63, disse que o projeto é um "tsunami" e que as obras de revitalização do rio promovidas pelo governo federal são "marolinhas" -termo que o presidente Lula usou para se referir aos reflexos da crise econômica global no Brasil. Cappio fez duas greves de fome contra a transposição, em 2005 e 2007. Nos últimos dias, quando uma comitiva presidencial visitou a região -passando também por Barra-, o bispo não estava na cidade. Mas organizou à distância um protesto no dia da visita de Lula.
FOLHA - O sr. acha que a visita do presidente a Barra foi provocação, para mostrar que as obras estão em andamento apesar das críticas?
DOM LUIZ FLÁVIO CAPPIO - Quero usar as próprias palavras do presidente, quando ele falou que a crise econômica era uma marolinha para o Brasil. O projeto de transposição segue como um tsunami violento. Está lá o Exército desmatando tudo, passando por cima de vilas e aldeias, de roças e de gado, para garantir o trabalho. E as obras de revitalização, que são essenciais para a vida do rio São Francisco, são marolinhas, coisas insignificantes.
FOLHA - A Presidência convidou o sr. para ir ao evento?
CAPPIO - Se me ligaram, eu não sei porque não estava aqui. E, mesmo que eu fosse convidado, eu não iria porque não participaria de uma mentira.
FOLHA - Por que "mentira"?
CAPPIO- O que o presidente veio fazer em Barra foi apenas um marketing de mídia para mostrar para o Brasil e para o mundo algo que não existe, uma farsa, uma mentira. O projeto de revitalização não acontece. Foi mais uma de suas grandes mentiras sobre esse projeto. Foi apenas um show.
FOLHA - Apesar de não estar no município, o sr. organizou um protesto. Por que os sinos da igreja tocaram o dobre fúnebre?
CAPPIO - Foi a única maneira de homenagear aquele que está matando o rio em nome da ganância.
FOLHA - O presidente Lula?
CAPPIO - Sim. Durante a minha vida toda fiz tudo para colocar Lula na Presidência. Mas, infelizmente, uma vez que ele se tornou presidente, ele passou a governar o Brasil pensando nas grandes elites, como esse projeto de transposição que garante apenas a segurança hídrica de grandes projetos de irrigação. Se o projeto realmente levasse água a quem precisa, eu seria o primeiro a apoiá-lo.
FOLHA - O andamento do projeto representa uma vitória do governo?
CAPPIO - É vitória não da democracia, mas de uma postura ditatorial do presidente. A sociedade civil brasileira quis discutir o projeto, mas ele jamais aceitou. Ele impõe a transposição à revelia da sociedade.
FOLHA - O projeto de revitalização é suficiente para recuperar o rio?
CAPPIO - É muito pouco, não atinge o essencial. Esses projetos de saneamento básico são importantes, mas não significam uma revitalização do rio. O que deveria ser feito é garantir a revitalização de todas as nascentes dos afluentes do rio, das lagoas, das regiões que geram vida ao rio. A maioria delas está morta. E não apenas em 300 km, mas em toda sua extensão. Quem fala sobre esses números não conhece realmente o rio.
FOLHA - Dilma Rousseff afirmou que os críticos não conhecem o rio.
CAPPIO - Que conhecimento que a Dilma tem do rio São Francisco? O que ela sabe é de ouvir falar. Chega de mentir para o povo. Nós tivemos aqui na Barra um show. Foi um show de política em véspera de eleição. Tenho pena de pessoas que se deixam enganar com aquilo.
MATHEUS MAGENTA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR