Regularização do abastecimento nas áreas urbanas do semiárido vai exigir R$ 9,2 bi
Agência Nacional de Águas adverte que a transposição das águas do São Francisco não vai resolver todos os problemas do semiárido
EDUARDO SCOLESE
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Quase três em cada quatro municípios do semiárido estão sob risco de desabastecimento de água em suas zonas urbanas. Para resolver isso até 2025 será necessário investir pelo menos R$ 9,2 bilhões, perto do dobro do orçamento previsto para a obra de transposição de parte das águas do rio São Francisco.
Essa fotografia das sedes dos municípios (que exclui as zonas rurais) aparece na atualização do Atlas Nordeste, da ANA (Agência Nacional de Águas), e reabre o debate sobre quais políticas públicas são necessárias para solucionar a falta de acesso à água, além dos investimentos bilionários com a revitalização (R$ 1,5 bilhão) e a transposição do rio (R$ 5,5 bilhões).
Esses dados, obtidos pela Folha, serão publicados ainda neste ano num novo atlas. Técnicos da agência estudaram 1.892 municípios e identificaram uma realidade crítica em 1.378 deles (73% do total).
O foco do estudo é o semiárido, região castigada por seguidas estiagens que abrange Estados do Nordeste e o norte de Minas Gerais. Quando fala em risco de desabastecimento, a ANA aponta que essas cidades, caso não se mexam agora com projetos e investimentos, terão um quadro crítico de abastecimento d"água até 2025.
Problemas
Há dois problemas: falta de oferta de água (mananciais distantes ou com estoque reduzido) e falta de infraestrutura para transportar a água (instalação de adutoras e estações de tratamento). Na prática, o risco é o de que a água dos mananciais não chegue em quantidade suficiente às zonas urbanas.
Para o diretor-presidente da ANA, José Machado, a situação é "preocupante". Ele alerta que a transposição, por si só, não resolverá todos os problemas do semiárido. "Esse é um grande desafio que precisa ser enfrentado. Existem obras complementares à transposição que precisam ser feitas nos Estados, pois, sem isso, sem um sistema de gestão, corremos o risco de não fazer o uso eficiente dessa água [da transposição]".
Em relação à edição de 2006, o novo Atlas tem como novidade a avaliação dos municípios com menos de 5.000 habitantes, excluídos daquele levantamento, quando a média das localidades urbanas sob risco crítico também ficou em 73%.
"Esses dados são importantes nessa disputa sobre o destino das águas nordestinas. Qual é o destino que você dá pra essas águas? Falta uma decisão política para investir no abastecimento humano em primeiro lugar", diz Roberto Malvezzi, pesquisador da CPT (Comissão Pastoral da Terra), entidade contrária à transposição, obra que levará água por meio de dois canais para abastecer reservatórios de quatro Estados (CE, RN, PB e PE).
Nem todos os municípios serão atendidos pela obra. Por isso, para os isolados, que hoje dependem de cisternas, carros-pipa e poços, são necessárias as chamadas "transposições internas", que ligam um reservatório a outro por meio de adutoras. "Não adianta ter abundância de água se você não sabe lidar com ela", diz o diretor-presidente da agência de águas.
Segundo a versão 2009 do atlas, ainda em fase de ajustes e que apenas relata a realidade do abastecimento de água (sem o saneamento), os mais altos percentuais de localidades urbanas com risco de desabastecimento estão no Piauí (88%), no Maranhão (83%) e em Alagoas (81%). Em relação ao investimento necessário sugerido pela ANA (projetos, obras, materiais e equipamentos), lideram Pernambuco (R$ 2,6 bilhões) e Bahia (R$ 2,2 bilhões).
Folha de São Paulo
Governo quer criar órgão para gerir uso de água
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Ministério da Integração Nacional vai propor ao Planalto a criação de uma espécie de ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) da transposição do rio São Francisco.
Esse operador será comandado por um conselho gestor, com a maioria de integrantes do governo federal, mas com cadeiras fixas para os Estados receptores das águas do rio (Ceará, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte).
O operador não tem nome definido. Nos estudos sobre a sua criação foi sugerido ANS (Águas do Nordeste Setentrional). Ele será responsável por acompanhar, fiscalizar e administrar o uso dessas águas.
Vinculada ao operador haverá uma empresa responsável pela operação e manutenção dos canais da transposição, como abertura e fechamento de comportas. Pode ser um órgão a ser criado pelo governo ou por uma empresa privada escolhida por meio de um processo de concessão.
O custo de manutenção tanto do operador como dessa empresa virá do pagamento dos quatro Estados receptores pelas águas liberadas nos canais. Os Estados terão autonomia para distribuir essa água, como nas sedes dos municípios, zonas rurais e projetos de irrigação, mas terão de pagar por cada metro cúbico liberado.
"A criação do operador é a decisão mais adequada para se preparar para esse mercado de águas", afirma Francisco Sarmento, secretário de Recursos Hídricos da Paraíba. "É a forma de os Estados participarem na definição do uso e do preço da água, além da operação do canal", diz João Bosco de Almeida, secretário de Recursos Hídricos de Pernambuco.
A ANA (Agência Nacional de Águas) tem monitorado a preparação desses Estados por conta da contagem regressiva para a chegada das águas (um canal previsto para 2010 e outro para 2012). Cada um deles terá de criar e equipar um órgão com capacidade física e técnica para pensar na cobrança e na distribuição dessa água.
O operador surgiu após terem sido descartados, para esse papel, a Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) e o Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas). "É papel do Executivo operar uma estrutura dessa. Um operador federal dinâmico, eficaz e enxuto", diz José Luiz de Souza, coordenador do Comitê Gestor do projeto da transposição. (ES)
Folha de São Paulo