Sensíveis às revelações e à proposta editorial do Congresso em Foco, parlamentares de diversos partidos querem aproveitar a crise atual para rever o modo de fazer política no Brasil
Eumano Silva, Sylvio Costa e Fábio Góis
As revelações dos gastos do Senado e da Câmara com passagens aéreas, feitas por este site, e a imensa repercussão que essas informações tiveram na sociedade estão levando parlamentares de diversos partidos, do governo e da oposição, a se movimentar para incluir na agenda do Congresso uma revisão profunda do modo de fazer política no Brasil.
“Temos de enfrentar este processo de controvérsia, que envolve a discussão dos custos do Congresso e a definição do que se pode e do que não se pode fazer em política, inclusive nas campanhas eleitorais”, afirma o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR).
A declaração do deputado paranaense aponta na direção da reforma política, discutida há anos pelos congressistas, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de transparência das contas do Legislativo. A mudança na conduta de deputados e senadores foi abordada no editorial “O Congresso que queremos” , publicado pelo Congresso em Foco na última segunda-feira (27).
No texto, o site convida os brasileiros, liderados por entidades representativas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a fazer uma campanha de fortalecimento do Parlamento. O convite foi bem aceito. Diversos leitores enviaram mensagem eletrônica ao Congresso em Foco ressaltando a necessidade de o Legislativo aproveitar a atual crise para discutir novas formas, mais éticas e transparentes, de fazer política no Brasil.
Dentro do Congresso, o movimento ganha força com o envolvimento de muitos parlamentares que, como Fruet, querem acertar os rumos da política brasileira. Nos últimos dias, o site publicou vários depoimentos de deputados e senadores sobre o editorial. José Carlos Aleluia (DEM-BA), Maurício Rands (PT-PE) e Chico Alencar (Psol-RJ), por exemplo, apoiaram a iniciativa do site de buscar caminhos para a melhora do Legislativo.
O núcleo pensante do Congresso, de caráter suprapartidário, faz hoje grande esforço para convencer os congressistas do chamado baixo clero – nome dado à maioria de parlamentares com práticas concentradas no assistencialismo e no atendimento de demandas locais – de que a pior atitude que o Parlamento pode hoje tomar é hostilizar a imprensa. E, principalmente, a mídia que hoje se destaca na revelação de aspectos desconhecidos do funcionamento legislativo e na canalização da insatisfação dos brasileiros com os rumos da política nacional: a internet em geral e, em especial, o Congresso em Foco.
Os critérios editoriais deste site na cobertura da farra das passagens aéreas ficaram mais explícitos no último sábado (2), quando publicamos um artigo do deputado Dr. Rosinha (PT-PR), em que o paranaense critica o espaço e o enfoque dados pelos veículos de comunicação ao assunto (leia mais). Mostramos, com os devidos esclarecimentos, como as reportagens aqui publicadas deflagraram uma discussão que resultará numa economia anual estimada em R$ 20 milhões aos cofres públicos.
Na semana passada, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), criou uma comissão, formada por integrantes da Mesa e diretores, para propor mudanças administrativas destinadas a responder à onda de denúncias. Presidida pelo primeiro secretário Rafael Guerra (PSDB-MG), a comissão tem 30 dias para apresentar um projeto destinado a criar novas regras para o funcionamento da Casa.
As primeiras divergências sobre as propostas de mudança apareceram logo nos primeiros dias. Michel Temer defende a incorporação de parte da verba indenizatória ao salário dos deputados. Os deputados passariam a ganhar R$ 24,5 mil, mas teriam de arcar com as despesas de transporte e alimentação hoje ressarcidas pela Câmara.
Para evitar efeito cascata nas assembléias estaduais e câmaras municipais, Temer quer aprovar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que desvincularia os salários de deputados estaduais e vereadores dos vencimentos dos deputados federais.
Rafael Guerra é contra a proposta de Temer. Em entrevista ao Congresso em Foco, o primeiro secretário demonstrou preocupação com a repercussão negativa que o caso das passagens teve na população. “Acho que esse negócio de salário, nessa altura, não deve incorporar nada. Esse assunto morreu. Temos que acompanhar a tendência das ruas”, Guerra.
Senado
Michel Temer gosta de contar a história de que, assim que surgiram as primeiras denúncias sobre passagens, conversou com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), sobre a necessidade de as Mesas Diretoras mudarem as regras sobre as cotas dos parlamentares. No mesmo dia, Sarney reuniu a Mesa Diretora e adotou algumas medidas para rebater as denúncias. Os líderes na Câmara ainda levaram uma semana para adotar restritivas ao uso das passagens.
Embora tenha largado na frente, o Senado ainda deve muitas explicações. Até agora, pouco foi divulgado sobre as cotas de passagens dos senadores, e as investigações sobre os ex-diretores Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi avançam na direção de senadores ligados ao comando administrativo nas últimas décadas.
Os desvios de conduta apontados pelas reportagens e pelo editorial do site levaram o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, a trabalhar por uma virada de página do Legislativo. “O Congresso vive um momento de purgação, um momento necessário, porque houve um corte entre uma época e outra”, afirma Virgílio. “O objetivo, para mim, é tomar as providências para as correções devidas. E mais: para a adequação do Congresso aos novos tempos”, continuou.
“Entendo o trabalho do site Congresso em Foco como meritório, porque levantou pontos que precisavam ser discutidos mesmo”, concluiu o senador tucano.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) também acredita que os abalos sofridos agora pelo Legislativo devem servir como estímulo para grandes mudanças. “Quem legisla atualmente é o Executivo, o Congresso perdeu o seu valor. Então ficamos aqui vendo como vamos matar o tempo porque a gente não vota”, resume o parlamentar gaúcho, um dos mais experientes do Parlamento.
Fonte: Portal IG