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Aracaju,
 
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Crack vira epidemia e lota clínicas psiquiátricas

4/5/2009

Caderno Sua Saúde

Texto: Antonio Carlos Garcia

O crack já se transformou em uma epidemia em Aracaju. Esse é o entendimento dos psiquiatras, José Hamilton Maciel e Maria Helena Ávila Lima. Hoje, na Clínica São Marcelo, entre os 150 pacientes internados, há um dependente químico que, pelo envolvimento com traficantes, levou um tiro que lhe condenou a passar o resto dos dias numa cadeira de rodas. Hoje, ele faz tratamento para se livrar da droga. Em qualquer ponto do Estado, o crack faz novas vítimas. A grande maioria dos pacientes das duas unidades do Caps de São Cristóvão, na região metropolitana de Aracaju, é consumidor de crack e está em tratamento.

Segundo Hamilton Maciel, há uma procura significativa das famílias por auxílio médico, porque o desespero em que ficam é muito grande por causa da droga. “Temos históricos de pacientes que já venderam até apartamentos. Um paciente trocou uma geladeira que custava R$ 1,2 mil por três pedras de crack. Outro vendeu tudo que tinha em casa por R$ 150 para ter 15 pedras”, disse Hamilton, repassando informações que tem do seu dia a dia profissional. “Já tivemos inúmeros pacientes aqui’, diz.

A médica Maria Helena Ávila Lima, presidente da Associação de Psiquiatria de Sergipe, diz que a busca do prazer leva às pessoas ao crack. Isso porque, a droga age na mente em 10 segundos e 10 minutos depois passa o efeito, e o usuário fica deprimido. A desigualdade social leva alguns para essa busca rápida, imediatista. “O tratamento tem que ser feito por uma equipe multidisciplinar”, explicou, por se tratar de muitas questões ao mesmo tempo. “Falta apoio, vive num contexto social com dificuldades e busca o prazer imediato”, reforça.

O crack, não só torna o usuário dependente, como também desestrutura a família, levando-as aos consultórios. Embora o crack, por sua ação devastadora, preocupe autoridades médicas e policiais [cada uma, claro, dentro de suas ações específicas], a psiquiatra Maria Helena Ávila, também chama a atenção do alcoolismo, que degrada moralmente o dependente, desestrutura a família e o leva à rua como um mendigo. “Em cada esquina há um ‘inchadinho’, diz a médica, usando o termo que os alcoólatras se tratam.

Os usuários de crack têm um tempo de vida curto, caso não procurem ajuda. Vivem cinco ou seis anos e 30% deles morrem nos dois primeiros anos de uso. Os demais estão nos presídios, porque cometem crime para poder ter acesso à droga. Quando estão em tratamento, muitas vezes se apegam à religiosidade para deixar a dependência química. Para os médicos, a religião é uma aliada. É como se protegesse a pessoa. Mas nem sempre aquele que se mostra religioso e anda com a Bíblia nas mãos recitando capítulos e versículos dos dogmas ali escritos, apenas substitui uma dependência.

A psiquiatra e psicanalista Sheila Bastos, diz que a droga é um alívio imediato que as pessoas têm nas mãos. “A droga é o alívio rápido e que depende da minha vontade” afirmou. Ela lembra que a sociedade cria estereótipos, como a magreza para o padrão de beleza para satisfazer um ideal.

Um prazer que pode levar à morte

O crack, uma das drogas mais devastadoras do mundo moderno, leva as pessoas rapidamente à sensação de prazer e depois a deprimem e até matam. Junto com isso, a vida estressante, o acúmulo de problemas, as cobranças do dia a dia e a busca pela perfeição podem desencadear nas pessoas o que os médicos chamam de doença do século: a depressão. Por conta desses fatores, 60% a 70% das pessoas que procuram os consultórios particulares, em Aracaju, podem estar com depressão ou transtorno de pânico. Por ser uma doença de diagnóstico complexo, a Coordenação de Atendimento Psicossocial (Caps) não tem número exato sobre o total de pessoas acometidas com esse mal no Estado. Mas a assessora técnica, Sony Regina Petris disse que nos ambulatórios em 55, dos 75 municípios sergipanos, 66 pessoas apresentaram depressão. Outras 36 estão internadas.

Sony Petris, reforça a estimativa dos médicos de que os consultórios particulares estão cheios de pacientes depressivos. Justamente por isso, o Caps está elaborando uma cartilha para distribuir junto à população alertando-os sobre as causas deste mal. Para que as pessoas possam entender melhor, um dos exemplos a serem citados é o da tristeza, sentimento natural entre pessoas e que pode ocorrer por qualquer motivo, com o fim de um romance ou a morte de alguém querido. A tristeza se torna preocupante quando persiste por meses. A incapacidade para lidar com os problemas, levando as pessoas a acharem mesmo que são incapazes também é um transtorno. Essas foi uma das causas que acometeu a dona de casa Maria [leia box], levando-a à depressão e depois o seu marido, Carlos. “Foi um conjunto de coisas que nos levaram a isso”, disseram.

O casal sergipano compõe o universo de 17 milhões de pessoas no Brasil que têm a doença. E se encaixam, ainda, no levantamento feito pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), de um total de 74.418 trabalhadores afastados das atividades profissionais em 2007, em decorrência da depressão. Hoje, Carlos está desempregado e Maria começou a trabalhar novamente por estar com a doença sob controle, a base de remédios e com acompanhamento médico. Aliás, buscar tratamento especializado é fundamental para cuidar de uma doença que pelas estimativas da OMS será, em 2020, a segunda maior causa de incapacidade e perda da qualidade de vida.

Mas em Sergipe, a busca pelo tratamento esbarra num problema: o número muito baixo de profissionais do Estado. “São apenas 50”, diz a presidente da Associação Sergipana de Psiquiatria, Maria Helena Ávila Lima, ao ressaltar que neste número estão os associados e não associados da entidade. Os profissionais se dividem entre a iniciativa privada e a pública. Nos 30 Caps do Estado, os médicos atendem, em média, 10 pessoas por dia. “Mas nem todas estão com depressão. E esse é um quadro que só vai ser diagnosticado após uma investigação minuciosa”, observa Sony Petris.

Lotados

Atualmente, na Clínica São Marcelo, 150 pessoas estão internadas, sendo que 20% delas têm depressão e o restante tem outros transtornos, segundo o psiquiatra José Hamilton Maciel Silva Filho, responsável pela unidade. Nos consultórios particulares há fila de espera. Um deles consultado pelo JORNAL DA CIDADE o atendimento foi agendado para o final de maio.

A psiquiatra e psicanalista, Sheila Bastos, não se queixa de trabalho. Atualmente, 80% dos seus pacientes são depressivos e ansiosos. “A modernidade nos dá um número crescente de pacientes”, disse a médica, ao acrescentar que a rapidez do mundo atual tem valor, mas não significa qualidade. Essa rapidez, a situação de stress em que se vive e uma série de fatores biopsicossociais causam doenças da mente, tanto quanto nos outros órgãos do corpo.

Casal depressivo

“Tudo começou em abril de 2004. E aí se seguiram oito meses em que fiquei totalmente fora de órbita”. O desabafo é de Maria (nome fictício), uma dona de casa de 47 anos, mãe de três filhos, residente em Aracaju, ao se referir à depressão que a deixou no limbo. Em sua casa, ela não foi a única a ficar doente. Vendo a mulher naquele estado, Carlos, 54, também ficou depressivo. Mesmo sem condições, Carlos ia trabalhar, mas isolava-se nos fundos da loja. Não queria ver ninguém e coube ao casal de filhos maiores cuidarem dos negócios.

Encarcerada em si própria, assim como o marido, Maria não queria ver ninguém. Faltava-lhe coragem até de ir até a janela. Sentia medo de tudo. Entrou em paranóia imaginando que o simples ato de comer uma pipoca poderia levar-lhe a morte. “Eu achava que ia engasgar com uma pipoca e morrer”, contou Maria. Em alguns momentos, prendia as mãos entre as pernas como se elas [as mãos] tivessem vida própria e pudessem agir descontroladamente. Maria perdeu mais de 10 quilos. E a pessoa alegre, comunicativa, dona de um belo sorriso e olhos inquietos, fechou-se como uma ostra, ficou cadavérica. Não ria mais, emudeceu e tinha olhar perdido fixo em nada.

Ela procurou dois médicos, mas a princípio, não gostou de nenhum deles. Nestes não percebeu que estava melhorando e os deixou. No terceiro profissional, indicado por pessoas amigas, felizmente acertou. A melhora foi acontecendo gradativamente, mas no dia 24 de outubro de 2004, Maria disse que aconteceu um milagre. Segundo ela, quem a curou foi Deus. “Fiquei completamente bem e pedi para retirar a medicação. Fiquei sem tomar remédios por dois anos, até que um novo problema me derrubou outra vez”, contou.

Carlos assistia a tudo isso perplexo e não aguentou. Além de cuidar da mulher, dos três filhos e da empresa, tinha sob sua responsabilidade três pessoas idosas [seus pais e uma tia] totalmente dependentes. E em agosto de 2004, ele também capitulou. Assim como Maria, ele também não gostou da primeira médica que procurou. Hoje, ele faz tratamento com a mesma psiquiatra que atende sua mulher. O tratamento foi longo. Até melhorar, todas as manhãs, Carlos sentia um frio incontrolável. Isolava-se no quarto escuro, cobria-se com um edredom da cabeça aos pés e não queria ver ninguém. Lá fora, o sol brilhava e, às vezes, o calor chegava aos 40 graus. Carlos abandonou-se, não cuidava de si próprio. Também não comia, a barba estava por fazer e ficou irreconhecível.

Com os medicamentos, conseguiu melhorar, mesmo vendo a Maria depressiva. Ele lembra do dia 24 de outubro de 2004 – um domingo ensolarado –, quando Maria disse que estava curada por Deus. “Estávamos todos aqui em casa, inclusive a mãe dela, um amigo e a irmã dela. Eu achei que Maria ia morrer naquele dia diante do seu estado. Eu, ainda depressivo, mas um pouco melhor, decidi dar a ela um remédio que eu estava tomando. Maria dormiu e quando acordou disse que estava curada e que foi um milagre”, contou.

Depois disso, Carlos teve uma recaída. E foi muito ruim porque ele estava sozinho no Rio de Janeiro, onde tinha ido participar de um evento profissional. Ela havia deixado de tomar os remédios porque se sentia bem e achava que os suplementos alimentares que usava eram suficientes. Não deu outra. Em pleno Rio, Carlos começou a ficar depressivo. A viagem de volta para Aracaju foi um suplício. Parecia que não iria terminar nunca. Do Rio até Salvador, de avião, a viagem pareceu mais longa que a costumeira. De Salvador a Aracaju, desta vez de ônibus, nem se fala. Quando chegou em casa, Carlos, que aguentava-se em pé de um jeito que ele não sabe explicar, desabou na cama e apagou.

Hoje, o casal continua cuidando dos três idosos da família, acabou o negócio e busca outras oportunidades no mercado de trabalho. Carlos é economista, e Maria administradora de empresas. Hoje ele cuida dos três idosos e Maria, que ajudava o marido nos negócios, leciona.

Ela tornou-se adventista, garante que “Deus operou um milagre”, mas continua tomando os remédios. Posturas religiosas à parte, ambos deixam um recado para aqueles que têm ou acham que têm depressão: “procurem um médico, um profissional”. Mas Maria, segurando a Bíblia e seus alfarrábios cheios de anotações das frases bíblicas indicando capítulos e versículos, arremata: “busquem Deus primeiro, confiem em Deus primeiro. Depois, no médico”. E um dia depois dessa entrevista, ela liga para o repórter e pede: “coloque que a pessoa deve primeiro procurar a Deus e depois o médico”.

Fonte: Jornal da Cidade

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