Cidade fluminense tem R$ 150 milhões, mas teme favelas. Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco disputam 2 centrais
ANGRA DOS REIS. A economia venceu o temor nuclear. De olho nos cifrões gerados com a instalação das centrais de energia, cidades e estados disputam a localização das novas usinas, que serão construídas nos próximos anos, marcando a retomada do programa nuclear brasileiro.
Angra 3 está com obras a pleno vapor, o que já aquece a economia local. Além dela, serão construídas duas novas centrais no Nordeste — e a disputa entre Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco para receber esses investimentos é intensa.
O governo federal também planeja outras duas centrais na Região Sudeste e sinaliza que, até 2030, poderão ser acrescidas mais quatro usinas no país: no total, seriam de quatro a oito usinas novas em 21 anos.
O objetivo das cidades e estados é atrair investimentos diretos de R$ 7 bilhões, cerca de seis mil empregos e uma capacidade de aumentar a riqueza local — e os impostos — na casa do bilhão de reais, que chegam às cidades com cada central. O maior risco da disputa, além da velada “ameaça atômica” que não sai do imaginário popular, é a favelização dessas áreas, como ocorreu com Angra dos Reis nos anos 1970.
Em Angra, população cresceu 50% em quatro anos A própria cidade do litoral sul do estado acredita que aprendeu com os erros do passado e adota medidas preventivas para evitar uma massa migratória, o que poderia anular os ganhos econômicos que já começam a surgir com a retomada das obras de Angra 3, paradas desde 1986.
A construção de Angra 3 ainda está nos alicerces, mas a prefeitura de Angra comemora: receberá R$ 150 milhões como contrapartida da Eletronuclear, graças a um acordo fechado no fim de setembro. O dinheiro, que representa um terço do orçamento anual da prefeitura, será recebido em seis parcelas anuais e será destinado a meio ambiente, saúde, educação e saneamento. Mas esse é apenas o primeiro sinal econômico da nova central. Nove mil empregos, aumento do comércio local em 10% e novos negócios deverão vir para a cidade junto com os reatores nucleares.
— Acreditamos que poderemos ter até nove mil funcionários no pico da obra. A população aceita a nova usina com a esperança da empregabilidade — afirma Carlos Alexandre Soares, secretário do governo de Angra dos Reis.
A cidade, que já soma 160 mil habitantes, tenta, porém, evitar uma nova corrente migratória.
Na construção das duas primeiras usinas, Angra viu sua população crescer 50% em quatro anos. Agora, quer utilizar a mão de obra local para a construção da nova usina.
Uma das principais medidas, segundo a prefeitura, é a proibição de alojamentos para trabalhadores nos canteiros de obras. A Eletronuclear e a Andrade Gutierrez prometem treinamento de pessoal, mas as próprias autoridades admitem que os moradores da região só deverão ocupar entre 70% e 80% das vagas, justo as de menor qualificação — e salários.
— O sindicato e a prefeitura estão cadastrando os trabalhadores, mas vemos que nas casas das pessoas do Nordeste cada vez aparecem mais novos moradores, que também se apresentam e que às vezes conseguem emprego antes da gente — afirmou Mariano Balbino da Silveira, capixaba que veio para a cidade na construção de Angra 1 e constituiu família na comunidade do Frade, umas das três áreas da cidade inchadas com a atividade nuclear.
Atualmente 850 funcionários já estão nos canteiros de obras preparatórios do terreno de Angra 3, segundo Donato Borges da Silva Filho, presidente do Sindicato da Construção Pesada de Angra dos Reis e Paraty. Esse número chegará a 1.500 em janeiro — o início oficial da construção da usina será 1ode dezembro, em cerimônia que contará com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Apesar disso, ele reclama dos baixos salários: um pedreiro recebe R$ 870 por mês, acima do piso local (R$ 856) mas abaixo do piso carioca (R$ 1.100).
Mas muitos estão alegres, como o angrense Benedito Baneto, que aos 66 anos voltou ao trabalho para construir sua terceira central nuclear. Angra 3 tem um significado especial para Baneto: a nova usina fica no terreno de sua casa na infância, quando vivia da roça naquele trecho costeiro: — Estou tentando colocar meu filho de 23 anos na obra.
As imobiliárias locais também começam a sentir o aquecimento dos negócios. O corretor Robson Carlos Nepomuceno viu seu número médio de contratos novos de aluguel saltar de 35 a 40 por mês para 70. Ele prevê que, no pico das obras, alguns preços podem quadruplicar. Essiomar Gomes, presidente da federação de comércio local, estima que o movimento deverá crescer em 10% graças às obras: — Principalmente nos setores de alimentos e material de construção.
Henrique Gomes Batista Enviado especial
O Globo
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