Na peça 'A loba de Ray-Ban', Christiane Torloni vive personagem imortalizado por Raul Cortez
30/10/2009
Christiane Torloni conta que escuta a voz de Raul Cortez (1932 - 2006) ao ensaiar o texto de Renato Borghi, "A loba de Ray-Ban". Isto porque a atriz de 52 anos estava no elenco da primeira montagem da obra em 1987, interpretando a mulher do personagem de Raul, o então lobo da história. Passados 22 anos, personagens e gêneros se invertem. Torloni vive Julia Ferraz, correspondente feminina do protagonista. A peça, dirigida por José Possi Neto, o mesmo diretor da célebre montagem da década de 80, entra em cartaz no Teatro Frei Caneca em São Paulo a partir de 7 de novembro.
- Comecei a me emocionar ao decorar o texto. Ouço Raul falando como se estivesse sussurrando no meu ouvido. Foi um grande desafio, pois as vozes do passado continuam em cena. Também me ouço como o personagem de Leonardo Franco [que na montagem atual interpreta o personagem masculino que corresponde ao que foi de Torloni em 1987] - contou a atriz.
A estrutura da peça é a mesma, mas o triângulo amoroso que surge nos bastidores do teatro passa a ser entre um homem e duas mulheres. Antes, o triângulo formava-se quando o personagem de Raul Cortez, um empresário e ator de teatro, se apaixonava por um jovem ator, interpretado no passado por Leonardo Franco na temporada carioca da peça, enquanto vivia um casamento com a personagem de Christiane Torloni. A versão feminina do texto foi escrita por Borghi ao mesmo tempo em que ele criava a versão masculina, a pedidos da atriz Dina Sfat. Infelizmente, Dina adoeceu antes que pudesse encenar o texto, empreitada assumida agora por Torloni.
O novo triâgulo amoroso forma-se quando Julia Ferraz (Christiane Torloni) apaixona-se por uma jovem atriz (Maria Maya). Julia é casada com o personagem de Leonardo Franco. Todos os envolvidos são atores.
- O assunto principal da peça não é o homossexualismo. Este é apenas um dos temas. Mas como é ainda um tabu em pleno século XXI, ele acaba aparecendo na frente. O grande assunto da peça é o relacionamento amoroso, o papel da traição, da paixão e do ciúme. Por isto esta peça é universal, nunca fica datada. Os personagens discutem o tempo inteiro a honestidade de suas relações. Paralelo a isto, existe uma grande paixão que os une: o teatro. Estas relações são governadas pela paixão que eles têm pelo teatro. A peça defende a honestidade, não o homossexualismo - explica José Possi Neto.
O preconceito e o medo vão destruir a relação da grande atriz e empresária com a jovem aspirante aos palcos. Também ganha ênfase a relação de ciúmes e competição em um casamento. São elementos que ajudam o público a se identificar com os personagens, acredita Possi.
- Mas sei também que há um enorme interesse em ver um barraco em cena - completa o diretor, referindo-se ao momento no qual a atriz principal interrompe o espetáculo e assume o clímax de sua crise existencial e afetiva diante do público.
O encenador afirma que não está fazendo uma remontagem de seu espetáculo de 1987.
- É uma nova abordagem. Sinto como se estivesse dirigindo um clássico.
Christiane Torloni define sua personagem como alguém que "transita com liberdade pelo desejo e pela paixão".
- As pessoas às vezes aparentam uma sexualidade que não têm. A peça trata de liberdade sexual - diz a atriz, lembrando do casal de lésbicas (interpretado por ela e Sílvia Pfeiffer) que enfrentou a rejeição do público na novela "Torre de Babel" e acabou saindo trama com uma morte trágica.
Interpretar primeiro a personagem mais jovem da peça e, agora, assumir o posto da loba, é motivo de orgulho para Christiane Torloni.
- Hoje você pode escalar um elenco de 7 a 87 anos. Estou caminhando dentro da nossa cronologia teatral. Isso me dá um orgulho enorme. É uma glória continuar e a loba é um prêmio - diz Torloni, acrescentando que a nova montagem é uma oportunidade para o público se reencontrar com um clássico da dramaturgia brasileira.
Mas a atriz faz um pedido ao público: que não tomem Rivotril antes de vir ao teatro, para que seja possível se emocionar.
- O povo está tomando Rivotril como se fosse floral. As pessoas estão se anestesiando. Por favor, não se anestesiem antes de vir ao teatro. Ninguém mais quer chorar, se emocionar. Vivemos um momento estranho, com essa modalidade do "eu me anestesio no café da manhã para poder viver". O ópio do povo virou o Rivotril, os remédios de tarja preta - conclui.