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STF julga hoje se exercício da profissão de jornalista depende de formação acadêmica. Ação do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) propõe o fim da Lei de Imprensa

2/4/2009

Duas decisões históricas no Supremo

Mário Coelho

A maneira como a imprensa se relaciona com a sociedade pode sofrer mudanças radicais a partir de hoje. O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia às 14h o julgamento de um recurso que acaba com a exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista. Em seguida, os ministros analisam uma contestação do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) à Lei de Imprensa atual.

O primeiro item da pauta do Supremo é o do Recurso Extraordinário (RE) 511961, interposto pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo (Sertesp) e pelo Ministério Público Federal (MPF). O processo começou em 2002, quando a 16ª Vara Civil da Justiça Federal em São Paulo concedeu uma liminar contrária a obrigatoriedade da formação acadêmica para obtenção do registro profissional de jornalista.


Quatro anos depois, em julgamento de liminar ocorrido no mês de novembro de 2006, a mais alta corte do país garantiu o exercício da atividade jornalística aos que já atuavam na profissão independentemente de registro no Ministério do Trabalho ou de diploma de curso superior na área. 

O presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, é o relator desse recurso. Em outubro do ano passado, o Congresso em Foco mostrou que a corte caminha para derrubar as regras atuais, mais especificamente o artigo 4° do Decreto-lei 972/69. Seis dos 11 ministros que formam o Supremo, em decisões ou publicamente, já se colocaram contra a obrigatoriedade do diploma (leia mais).

Disputa jurídica
 
A primeira decisão, tomada pela juíza substituta Carla Rister em 2002, foi baseada na “falta de amparo na Constituição Federal”. Para a magistrada, a “formação cultural sólida e diversificada", exigida para o profissional de jornalismo, "não se adquire apenas com a freqüência a uma faculdade, mas pelo hábito de leitura e pelo próprio exercício da prática profissional". 

Oito meses depois, a juíza Alda Bastos, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, determinou que o diploma voltasse a ser obrigatório. A decisão foi novamente contestada em diversos tribunais, até que em outubro de 2005, o TRF reafirmou a obrigatoriedade do diploma para o registro profissional. No ano seguinte, a discussão chegou ao STF por conta de recurso extraordinário proposto pelo MPF e pelo Sertesp.

A obrigatoriedade do diploma põe em lados opostos organizações que reúnem os profissionais e as empresas de comunicação. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, diz que defender a necessidade de formação acadêmica é uma “posição histórica” da entidade. “Desde 1918, quando fizemos o primeiro congresso de jornalistas do país, defendemos essa posição”, afirmou. Ele lembra, inclusive, que uma das conclusões do encontro foi a formação de uma grade curricular para as faculdades de jornalismo. 

Já a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), que reúne os maiores periódicos brasileiros, acredita que o diploma é uma barreira contra a liberdade de expressão. O Congresso em Foco buscou a entidade, mas não obteve resposta. 

Em artigo publicado no jornal O Globo de ontem (31), e no site da ANJ, a presidente da associação, Judith Brito, afirmou que “essa norma [obrigatoriedade da formação acadêmica], imposta por uma Junta Militar em 1969, no auge do autoritarismo, também agride a liberdade de expressão, já que reserva a um determinado grupo o exercício de uma profissão que tem como matéria-prima a divulgação de informações”.

“Além de cercear a liberdade de expressão, a obrigatoriedade do diploma empobrece o jornalismo, impedindo que talentos de outras origens possam exercer a nobre atividade de informar a sociedade. Tanto é assim que são pouquíssimos os países do mundo, sobretudo no mundo democrático, que têm norma similar, por sua evidente característica corporativista e contrária aos interesses gerais da sociedade”, escreveu.

O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murillo de Andrade, aponta que as empresas de comunicação exercem uma “grande pressão” sobre o STF para ocorrer a desregulamentação da profissão. Ele acredita que, caso o Supremo derrube a exigência, a profissão passará a ser “um amontoado de pessoas”. “Com uma multidão, é muito fácil abaixar salário, desobedecer jornada de trabalho e tornar mais precárias as condições de trabalho dos profissionais.”

“Estamos lutando pelo direito do cidadão ser bem informado. Será um retrocesso do Supremo, um duro golpe, caso vença essa tese”, disse Andrade. Um dos problemas, se a norma atual cair, é que não haverá qualquer tipo de exigência para exercer a profissão. “Corremos o risco de processados pela Justiça, de traficantes de drogas, irem ao Ministério do Trabalho no dia seguinte e pedirem seu registro de jornalista”, alertou.

Andrade acrescenta que um profissional formado e qualificado tem condições maiores de exercer um bom trabalho. “A regulamentação é muito mais do que o diploma. É um certificado social que aquele profissional tem um mínimo de condição de exercer a profissão”, completou. Na tentativa de pressionar os ministros, a Fenaj organizou uma manifestação em frente à sede do tribunal, que vai começar uma hora antes da sessão. Ontem, em todo o país, sindicatos mobilizaram estudantes e profissionais em atos públicos.

Lei de Imprensa

Logo após julgarem a necessidade do diploma, os ministros do STF devem analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130. Na peça jurídica, o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) contesta a Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), que já teve 22 dispositivos suspensos, de um total de 77 artigos, por decisão liminar concedida pelo Plenário do STF em fevereiro do ano passado. O relator da ação é o ministro Carlos Ayres Britto.

Na época, a corte autorizou os juízes de todo o país a usar, quando cabíveis, regras dos Códigos Penal e Civil para julgar processos sobre os dispositivos da lei que foram suspensos. Além disso, todos os julgamentos baseados na Lei de Imprensa foram suspensos. Para o ministro relator, há dispositivos na lei que têm "um viés autoritário".

Teixeira afirmou na ação que a lei é o produto de um Estado autoritário, “que restringiu violentamente as liberdades civis em geral”. Na ação, o parlamentar recorda as ações judiciais em massa de fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) contra jornalistas. Para ele, esses casos são exemplos de tentativas de inibição de atividade de jornalista.

Entre as principais modificações decididas por Ayres Britto, estão a suspensão dos crimes de calúnia, injúria e difamação da Lei de Imprensa, assim como as penas aplicadas. “A atual Lei de Imprensa (...) não parece mesmo serviente do padrão de democracia e de imprensa que ressaiu das pranchetas da nossa Assembléia Constituinte de 1987/1988”, disse o ministro da decisão do ano passado.

“Nós defendemos que os artigos inconstitucionais sejam retirados. E esperamos que, depois, o Congresso pague uma dívida conosco e regulamente uma legislação democrática para a imprensa”, opinou o presidente da Fenaj. “Ela [a Lei de Imprensa] colide com a Constituição Federal, que estabeleceu a plenitude da liberdade de imprensa”, afirmou Azêdo, da ABI. “Os artigos dela criminalizam a função do jornalista.”

Nessa discussão, jornalistas e empresários dividem posições em comum. No artigo, a presidente da ANJ classifica a legislação como antidemocrática, “que tem o objetivo de limitar a difusão de informações e opiniões, impondo um ambiente obscurantista para a sociedade”. “Essa Lei de Imprensa é tão absurdamente fora do contexto democrático brasileiro que mal vinha sendo aplicada pelo Poder Judiciário. Mas é preciso jogá-la de vez na lata de lixo da história.”


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