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O deputado, que possuía vasta cultura humanística, foi, talvez, o maior polemista do seu tempo

27/3/2009

Caderno Cultura e Arte

O deputado, que possuía vasta cultura humanística, foi, talvez, o maior polemista do seu tempo
Sílvio Romero - O principal problema do Brasil é econômico
 
O principal problema do Brasil é o problema econômico declarava Sílvio Romero (1851-1914). Nascido no Sergipe, ele foi deputado federal e membro de inúmeras associações culturais no Brasil e no exterior. Possuindo vasta cultura humanística, foi, talvez, o maior polemista do seu tempo.


 O tema deste discurso, pronunciado na Câmara Federal no dia 20 de agosto de 1901, era a questão da participação do Brasil no Congresso Panamericano, que dependia da aprovação de crédito especial por parte da Câmara.

"As causas do mal, da crise econômica que nos aflige, não são de hoje. São, ao contrário, uma dádiva de toda a nossa história, de toda a nossa evolução política e social." Ao final do longo discurso, Silvio Romero faz uma análise dos problemas brasileiros, concluindo que o principal deles era o econômico. Suas palavras sobre o assunto, passados 105 anos do discurso, não perderam relevância e até atualidade.

No discurso, Romero faz uma crítica dura ao Congresso de então (República Velha) por ignorar os problemas sociais e conclama o povo a tornar-se mais independente do Estado, a não esperar tudo dos poderes públicos.


O discurso

“E aqui, Sr. Presidente, toco o ponto final do que tinha a dizer. De minhas próprias palavras se conclui que um dos dois grandes problemas do Brasil moderno é o problema econômico, que está sem solução: este é o grande mal, o terrível mal de que estamos todos a sofrer e todos a gritar, justamente nas mesmíssimas condições do provérbio: 'casa de pouco pão, todos a gritar e ninguém com razão'; eu diria melhor o final: 'casa de pouco pão, todos a gritar e todos com razão', porque nada existe mais capaz de tudo justificar do que barriga vazia...

Este sim é o grande mal do Brasil de hoje e por isso disse em princípio que desconhecê-lo seria como andar pelas ruas e não ver as casas.

E o que mais admira é que se fala nele por toda a parte, em todos os tons e em todas as linguagens, e só aqui, só no Congresso Nacional, no meio dos representantes do povo, é que não se fala nele; é como se não existisse e estivéssemos no melhor dos mundos possíveis.

Quer-me parecer, Sr. Presidente, que já o Governo e o Congresso deveriam ter encarado de frente esta questão no seu tríplice aspecto: aumento da produção em geral, meios garantidores de nosso principal produto de exportação – o café, sábia repressão aos manejos inconfessáveis dos Minotauros dos novos tempos – o câmbio. (...)


Mas a par e acima das medidas legislativas e governamentais, cumpre ensinar ao povo a sã doutrina de não dever ele tudo esperar do poder – o sol, a chuva, a abundância e o bem estar; de si mesmo, de sua própria energia, de seu espírito de iniciativa, de seu valor associativo, de seu engenho prático, de sua coragem, é que ele tem de tirar o melhor do que necessita.

Não deve o povo pedir tudo aos governantes, restando-lhe apenas o consolo de falar mal deles, quando não o servem, exatamente pelo mesmo processo das velhas beatas que tudo rogam a Santo Antônio, quando o pobre santo, as mais das vezes, não as pode servir.

Entre outras verdades devemos mostrar-lhe que as causas do mal, da crise econômica que nos aflige, não são de hoje. (...) São, ao contrário, uma dádiva de toda a nossa história, de toda a nossa evolução política e social. Para que a nação toda o compreenda, basta que se lhe recorde haver sido toda a sua fortuna, pública e particular, oriunda do duplo privilégio iníquo da escravidão e dos latifúndios territoriais.(....)

O Brasil, senhores, já tem atravessado em sua história, em seu caminhar, para os altos destinos, que lhe reserva o futuro, tempos muito mais críticos, passos muito mais terríveis do que esse em que hoje se encontra. Para não falar de outros períodos angustiosos, basta que vos lembreis de quais eram as nossas condições, nesse, para nós tão característico, século XVII. O país fora invadido; sua capital reduzida e posta a saque; as dilatadas regiões de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe, quase todas conquistadas, submetidas a jugo estranho. Tudo era para desanimar, e os grandes, os poderosos, os governos desanimaram. (....)

Muitos desanimaram; mas alguém não desanimou, e esse alguém foi o povo. (...) Desde aí começou a formar esta consciência brasileira, essa confiança nos mesmos destinos e nos mesmos ideais, que nos salvou então e nos tem salvo outras vezes e nos salvará ainda agora.

Confiança em si mesmo, ouvidos cerrados às maldições; confiança nas instituições, que são a culminação de sua própria história – da parte do povo e da parte do poder – justiça, perseverança, coragem e tino prático para ver onde está o mal e o debelar, e estaremos salvos.”


Francisco Ferraz

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