Fernando Teixeira e Laura Ignacio, de Brasília e de São Paulo
Foi aprovada ontem no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) uma resolução que poderá massificar a prestação de serviços jurídicos gratuitos - a chamada advocacia "pro bono". A nova norma determina que todos os tribunais do país deverão manter cadastros de advogados dispostos a trabalhar de graça e prevê a realização de convênios com faculdades de direito para a criação de postos de atendimento ao público. O objetivo inicial da medida era o de auxiliar no mutirão proposto pelo CNJ para revisão de processos de detentos que cumprem pena em excesso, mas a resolução extrapolou o propósito original: pelo texto, os advogados voluntários poderão atuar em qualquer ramo do direito - como nas áreas cível, família, administrativo ou mesmo trabalhista.
Segundo o conselheiro do CNJ responsável pela redação da norma, Antônio Humberto, a resolução tem como objetivo atender dois tipos de advogados: profissionais já estabelecidos de grandes escritórios, que querem prestar serviço voluntário à população carente por razões ideológicas, e advogados recém-formados e ainda sem clientes interessados em trabalhar de graça para ganhar experiência e conseguir atividades remuneradas mais tarde. A resolução também prevê que o tempo de advocacia pro bono poderá ser contabilizado como tempo de experiência em concursos públicos.
A disseminação da advocacia pro bono é um tema de divergências históricas com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A atividade só foi reconhecida pela seccional paulista da entidade em 2002, depois de muita insistência das grandes bancas interessadas em fazer trabalhos de responsabilidade social. Ainda hoje a OAB federal trabalha por um projeto de lei que regulamente a atividade - a grande preocupação é a atividade pro bono servir para a captação de clientes, retirando trabalho de advogados no mercado.
O conselheiro Antônio Humberto, entretanto, diz que as preocupações da OAB são infundadas. Segundo ele, o público-alvo da medida é a população carente, hoje em dia excluída do mercado e sem acesso à Justiça. A disseminação da advocacia pro bono poderá até ampliar esse mercado, diz, ao atrair para disputas judiciais parte da população até então distante dos tribunais por mero desconhecimento. Ele afirma que a resolução também está totalmente de acordo com o Estatuto da Advocacia, e será pouco provável que, caso insatisfeita, a OAB possa coibir a atuação dos advogados sob a nova resolução do CNJ.
O presidente do conselho federal da OAB, Cezar Britto, afirmou que a entidade é favorável à atuação voluntária dos advogados para resolver os problemas que o país enfrenta na área prisional, mas que não cabe ao CNJ tratar da advocacia pro bono. "Isso é uma tarefa da OAB, que tem feito sua parte no tocante à assistência gratuita", afirmou. Segundo ele, a OAB irá debater o tema e acompanhar de perto os futuros convênios firmados sob as regras do CNJ.
Para tentar acabar com a polêmica sobre o pro bono, a seccional paulista da OAB regulamentou o tema em 2002, estabelecendo que ela deve ficar restrita a pessoas jurídicas sem fins lucrativos. A seccional oficializou ainda que os advogados e escritórios que desempenham atividades pro bono devem cumprir quarentena de dois anos, a contar da última prestação de serviços desse tipo, para atuar mediante honorários para empresas, pessoas físicas ou entidades coligadas beneficiadas.
Embora acredite que a resolução do CNJ seja uma "contribuição válida", o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro, conselheiro federal da OAB, afirma que o único perigo é a burocratização do pro bono, o que acabaria por desestimular a prática. Há cerca de sete anos, a banca Siqueira Castro Advogados, da qual é titular, tem um sócio que só se ocupa de serviços pro bono e a prática é um dos critérios de promoção. Hoje, segundo Siqueira Castro, a banca tem cerca de 50 instituições cadastradas.
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