O ESTADO DE SÃO PAULO
Apesar dos conselhos extravagantes do presidente Lula (gastar e ignorar a crise econômica), prefeitos de grandes cidades, empossados há dias, prometeram economizar neste início de gestão, gastar o essencial e se prevenir contra a queda da receita tributária decorrente da crise. Antes, alguns governadores já haviam anunciado cortes de gastos em seus orçamentos, também preventivos contra um futuro difícil.
Afinal, o que deu nos nossos políticos? Estão mais responsáveis e conscientes? Por que os habituais discursos de posse, em que prometiam o paraíso, são substituídos pelo compromisso de seriedade na gestão? É verdade que o histórico de governadores e prefeitos leva o eleitor a desconfiar. E, com exceção de Lula, a retórica atual dominante no mundo inteiro é de apreensão com a crise.
Mas é verdade também que nos últimos dez anos a convivência com a escassez de dinheiro ensinou novas práticas e novos conceitos aos políticos brasileiros e os empurrou para uma gestão mais eficiente. Não quer dizer que a corrupção desapareceu, que delitos com o dinheiro público foram varridos. A corrupção existe nas ditaduras e na democracia, na direita e na esquerda. Cabe a regras e leis obrigar políticos a se enquadrarem, a inibirem seu avanço sobre verbas públicas. Sem elas o caminho se abre para a impunidade e os abusos.
Coube ao governo FHC conceber essas regras e leis e sua aplicação representou um divisor entre o antes e o depois em matéria de gestão pública. Do arsenal usado na época, três instrumentos se destacam:
As regras da renegociação de dívidas dos Estados, concluída em 1998;
a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 1997;
e o programa de privatização e saneamento dos bancos estaduais, iniciado em 1997 com o Banerj, que tirou dos governadores o poder de fabricar dinheiro e gastá-lo sem controle em eleições e outras farras políticas.
Os três instrumentos tiveram o mérito de equilibrar as finanças dos Estados e municípios e, mais que isso, criaram uma nova consciência em governadores e prefeitos de que a gestão eficiente é a que atrai dividendos políticos, sucesso com eleitores e vida longa para eles. Se antes o dinheiro era farto porque governadores se abasteciam o quanto queriam nos bancos e nas empresas elétricas, depois o arcabouço de restrições com o pagamento da dívida, com a contratação de pessoal e com novos endividamentos, além da privatização de bancos e distribuidoras elétricas, fez secar o dinheiro e os obrigou a conviver com as sobras. O jeito foi aplicar melhor essas sobras e ganhar chance de reeleição.
Agora que o governo de São Paulo vendeu a Nossa Caixa e o governo de Brasília negocia o seu banco - ambos para o Banco do Brasil (BB) -, vale fazer um balanço sobre o que ocorreu com os bancos estaduais. Desde 1997, 13 foram privatizados, com receita total de R$ 12,49 bilhões (só o Banespa representou 57% disso), 4 foram comprados ou incorporados pelo BB, 10 foram liquidados e 4, saneados, continuando sob controle dos Estados.
Criados nos anos 70 com o propósito de fomentar o desenvolvimento regional, os bancos estaduais logo desviaram seu foco para servir aos interesses políticos de governadores e aliados e financiar campanhas eleitorais. Tinham poder de emitir títulos públicos e captar dinheiro no mercado. Quando o governador precisava, fabricava dinheiro, portanto. E a dívida? Ora, era bancada pelo contribuinte. Só a do Banespa consumiu dezenas de bilhões de reais.
Em 1994, o Plano Real descortinou a verdade dos números: quase todos os bancos estavam falidos e os casos mais graves - Banespa e Banerj - só sobreviviam com socorros diários do Banco Central (BC). Com Gustavo Franco na presidência, o BC criou o Programa de Estatização e Saneamento dos bancos públicos (Proes) e começou a resolver o imbróglio, impondo uma série de restrições e controles aos bancos que continuassem em poder do governo.
Hoje, revela Antonio Gustavo Matos do Vale, diretor de Liquidações e Desestatização do BC, os quatro bancos em poder dos governos (Rio Grande do Sul, Pará, Espírito Santo e Sergipe) têm como correntistas apenas funcionários do governo e se limitam a operar depósitos de salários e empréstimos consignados. Outros créditos não estão autorizados, muito menos a farra do passado de empréstimos a governadores.
Como afirmou certa vez o ex-governador do Rio de Janeiro Marcelo Alencar: “Não tem mais graça ter banco estadual.”
*Suely Caldas, jornalista, é professora da PUC-Rio
E-mail: sucaldas@terra.com.br