Mais de 100 parlamentares participaram de encontros e seminários internacionais nos últimos dois anos. O resultado de tantas viagens, porém, não se reflete nos projetos e debates na Câmara
Izabelle Torres
Da equipe do Correio
Alemanha, China, França, Estados Unidos, Suíça, Japão… A lista de lugares do globo terrestre que mais parece uma volta ao mundo foi o destino de dezenas de deputados federais que gastaram mais de R$ 820 mil nos últimos dois anos. As polêmicas e caras viagens em missões oficiais feitas pelos parlamentares na última legislatura guardam curiosidades e despertam indignação. Segundo as próprias normas da Câmara, esses tipos de roteiro devem ter caráter de utilidade pública e, mais importante, precisam representar uma parte da atuação parlamentar. Sob esses argumentos é que mais de 100 políticos conseguiram, com a ajuda do dinheiro público, participar de fóruns de debates internacionais, seminários sobre os mais diversos temas e até presenciar durante cinco dias os jogos olímpicos em Pequim. Levantamento feito pelo Correio mostra que somente em pagamentos de diárias foram gastos no ano passado cerca de R$ 402,5 mil, rateados para 66 deputados.
O grupo seleto, entretanto, fez com que as viagens surtissem pouco efeito, pelo menos no que se refere à atuação parlamentar. Justificativas genéricas sobre a importância da maior parte das viagens mostram que apesar dos investimentos, o que se vê no exterior raramente se transforma em um projeto que possa, algum dia, adquirir caráter de utilidade pública. É o caso, por exemplo, da viagem do deputado Fernando Ferro (PT-PE) a Londres para discutir violência urbana nos estádios de futebol. O parlamentar não apresentou projeto algum referente ao tema. Colbert Martins (PMDB-BA) fez o mesmo. Passou cinco dias na França discutindo crimes cibernéticos e não possui propostas sobre o assunto.
Superficialidade
Os relatórios apresentados pelos viajantes são um assunto à parte. Em vez de conter detalhes sobre a importância e a utilidade das viagens, reproduzem o conteúdo das programações oficiais, sem sequer se darem ao trabalho de apresentar argumentos que tentem demonstrar alguma importância nacional para a viagem. A descrição dos deputados Albano Franco (PSDB-SE) e Fabio Ramalho (PV-MG) sobre a viagem à China durante os jogos olímpicos, por exemplo, apenas reproduz o quadro de medalhas do Brasil e ressalta a qualidade dos atletas chineses. Para que tirassem essas conclusões, a Câmara gastou mais de R$ 12 mil a fim de bancar a viagem da dupla. Outra dezena de deputados solicitou diárias para participar do evento, mas foi barrada pelo presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Há também os parlamentares que não entregam relatórios. Apesar do prazo de 15 dias que possuem para detalhar a utilidade do deslocamento, alguns políticos sequer se dão ao trabalho de apresentá-los à Presidência da Casa. Dalva Figueiredo (PT-AP), por exemplo, nada relatou sobre a viagem de quatro dias em julho de 2007 para Venezuela. Barbosa Neto (PDT-PR), por sua vez, deve o relatório há mais tempo: nunca justificou à Câmara o que fez durante 11 dias na França, em 2005.
Parte das viagens realizadas pelos deputados nos últimos dois anos foi decorrência da real atuação parlamentar. Dr. Rosinha (PT-PR), por exemplo, é o campeão no acúmulo de milhas em 2008, mas justifica as viagens porque preside o parlamento do Mercosul. A participação no parlamento é o argumento utilizado também pelos outros líderes em número de viagens: Geraldo Thadeu (PPS-MG), José Paulo Toffano (PV-SP), Claudio Diaz (PSDB-RS), Germano Bonow (DEM-RS) e George Hilton (PP-MG). Os demais deputados viajantes são integrantes de diversas comissões. A maior parte dos 66 que viajaram em 2008 é do PT, partido do presidente da Casa. Entre os tucanos, 24 deputados viajaram ano passado. No PMDB foram 23. O Correio procurou os deputados-viajantes, mas não recebeu retorno.
A insatisfação de alguns e o contentamento de outros com o número de viagens autorizadas pelo presidente da Casa, Arlindo Chinaglia, parecem não preocupá-lo. Criticado pelo rigor com que indeferiu muitos pedidos feitos pelos parlamentares, o petista argumenta com números. Segundo sua assessoria, o gasto de cerca de R$ 820 mil com diárias internacionais é 15% menor do que o foi utilizado durante a legislatura anterior. De acordo com o gabinete, apenas em diárias foram economizados pouco mais de R$ 3 milhões nos últimos dois anos. A redução dos gastos faz parte da postura de Chinaglia, que afirma somente autorizar missões oficiais quando o interesse coletivo e social ficar evidente.
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE