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Como salvar o clima da recessão econômica

2/2/2009

 Yvo de Boer, secretário-executivo da Convenção de Mudança Climática das Nações Unidas (UNFCCC), está enfrentando uma tarefa árdua em Poznan. O mundo precisa de um novo tratado sobre o aquecimento global para substituir o Protocolo de Kyoto, mas atualmente muitas nações estão bem mais preocupadas com a crise econômica. As perspectivas de se chegar a um acordo até o ano que vem, em Copenhague, já parecem poucas.

Se as emissões de dióxido de carbono pelos países refletissem na medida da circunferência abdominal de suas populações, o trabalho de Yvo de Boer seria bem mais fácil. A cintura dos indianos que participam da conferência na cidade polonesa de Poznan teria apenas 50 centímetros, enquanto a dos americanos seria de 9,5 metros. Os egípcios teriam um metro de circunferência abdominal e os alemães cinco metros.

Existem diferenças per capita similares quando se trata do consumo de petróleo, gás natural e carvão no mundo e, é claro, da emissão de um importante resíduo da prosperidade: os gases causadores do efeito estufa.

Na Conferência de Mudança Climática das Nações Unidas, que transcorre nesta semana, os corpulentos norte-americanos e alemães teriam dificuldade de chegar aos microfones, espremendo-se pelas portas de entrada. Porém, se o consumo se refletisse de fato no tamanho da cintura, o mundo inteiro poderia ver o que a humanidade terá pela frente. Por volta de meados deste século, as emissões globais de dióxido de carbono terão que ser reduzidas ao correspondente - usando a analogia acima - a uma cintura média de cerca de 85 centímetros. Caso contrário o aquecimento global tornar-se-á uma ameaça realmente perigosa.

A analogia com o tamanho da cintura poderia ser também utilizado para descrever o trabalho de Boer, um cidadão holandês que não está apenas a cargo desta conferência que tem 9.000 participantes, mas também de todo o programa de proteção climática. A tarefa enfrentada por Boer é convencer os tomadores de decisão do mundo a "reduzir a barriga".

Uma cintura de 85 centímetros corresponde ao consumo anual per capita de algumas centenas de litros de petróleo, não apenas para aquecimento, mas para tudo mais: transporte, fabricação de produtos de consumo e alimentação. Para milhões de pessoas pobres do planeta, o acesso a tal quantidade de energia seria a realização de um sonho. Já para as nações ricas, esse número significa a combinação de uma dieta rígida e o ingresso em um programa de boa forma tecnológica.

No seu discurso de abertura da conferência de duas semanas em Poznan, de Boer afirmou que até a próxima conferência climática, em Copenhague, em 2009, será importante que se tenha lançado uma base sólida para um acordo com o objetivo de "modelar e redirecionar novos desenvolvimentos da humanidade". Ele afirmou que, caso isto não ocorra, as conseqüências poderão ser devastadoras: inundações de cidades costeiras, perdas de colheitas e morte de florestas. Segundo o Painel intergovernamental de Mudança Climática da ONU (IPCC), todas estas calamidades poderão tornar-se realidade neste século.

Reservas em relação ao investimento em um futuro verde
Na quinta e na sexta-feira, 150 ministros do Meio Ambiente de todo o mundo irão se juntar às suas delegações na Polônia. Ao mesmo tempo, em Bruxelas, os chefes de Estado e governo da União Européia decidirão quanto a um pacote conjunto de proteção climática - em meio à maior crise econômica do pós-guerra. A crise tornou a missão de Boer mais difícil. Como resultado do desaquecimento econômico global, para onde quer que se volte o holandês está encontrando novas reservas relação ao investimento em um futuro mais verde.

De Boer está até convencido de que um declínio temporário das emissões, provocado pela redução da atividade econômica em uma recessão, é perigoso. Caso a proteção climática seja vista como sinônimo de perda de afluência, as chances de obtenção de um acordo efetivo de proteção climática global diminuirá. E, caso isto aconteça, a minuta do acordo, que tem 83 páginas, e que atualmente é o orgulho e a alegria de Boer, valerá de fato muito pouco.

Em Poznan, a equipe de Boer apresentou uma primeira minuta detalhando como poderia ser um novo tratado de proteção climática global para o período posterior a 2012. O documento consiste principalmente de listas, a maioria delas contraditórias, submetidas pelos norte-americanos, pelos europeus e pelos países em desenvolvimento.

Boer afirma que, embora as posições sejam bem diferentes, o documento contém todos os elementos necessários: metas para a redução de emissões, mecanismos para a disseminação de tecnologias eficientes em todo o mundo e regras elaboradas para reduzir de forma barata as emissões de dióxido de carbono. O desafio agora será combinar as melhores propostas.

De Boer, um homem de feições distintas e com um olhar de falcão, teria bons motivos para manter-se distante do jogo global de pôquer pela conquista de riqueza. Como funcionário da ONU, ele poderia limitar-se a proferir frases vazias e deixar as brigas para os políticos. Na verdade, atualmente Boer está buscando exatamente tal papel. "Sou simplesmente aquele cara que traz o café e os sanduíches para todas as reuniões", insiste ele.

Tal descrição do seu trabalho só seria exata se ele tivesse sido elevado acima das massas de burocratas devido às suas boas maneiras e ao seu círculo de relações ainda melhores. Mas Boer está nesta posição porque o ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, viu nele, que à época era um funcionário público que trabalhava no Ministério do Meio Ambiente holandês, um homem de determinação absoluta, consternado com os perigos enfrentados pelo clima e capaz de manter-se calmo até mesmo nas situações mais confusas. Ele também exibia qualidades que desde então mostraram ser uma arma secreta: franqueza, auto-ironia e até mesmo vulnerabilidade.

Na verdade, Boer é aquele tipo de pessoa que, embora traga milhares de cordéis nas mãos durante as negociações, tem um talento especial para puxar apenas uns poucos desses cordéis. Ele mira diretamente nos motivos ocultos e apelos de consciência, porque vê a si próprio como um representante oficial do mundo da consciência.

Boer traz para a mesa um nível de autoridade que surpreende até mesmo os veteranos das negociações climáticas. "Ele é um diplomata perfeito e, ao mesmo tempo, o oposto de um diplomata", afirma Jennifer Morgan, da instituição de pesquisa ambiental E3G.

Foi em parte devido a Boer que a mega-conferência em Bali no ano passado foi encerrada com um plano de ação e não com um desastre. Ele chegou a ameaçar os ministros que participaram do evento com prisão domiciliar. "Ninguém sai daqui", decretou Boer, "a menos que se prepare uma resposta política às conclusões científicas".

Foi só no último dia da conferência de Bali que Boer perdeu a compostura. Ele caiu em prantos na tribuna depois que um delegado chinês acusou-o de ter marcado duas reuniões importantes para o mesmo momento. Depois disso a autoridade chinesa desapareceu do cenário, enquanto Boer foi elogiado por ter resistido à pressão.

Atando todos os cordéis
No caminho do plenário para a sala de conferências Boer há mostruários de receitas patenteadas para a solução do problema climático, desde a eletricidade "verde" ao seqüestro subterrâneo de dióxido de carbono. Poucos passos após a mostra de soluções para salvar o planeta, o ambiente torna-se subitamente frio e branco sob as luzes brancas de neon. No local em que Boer e os seus estrategistas reúnem-se, não é fácil resolver problemas por meio de simples retórica.

"Neste processo, precisamos harmonizar os interesses dos países que são os principais produtores de petróleo com os das ilhas ameaçadas do Pacífico, os das nações afluentes com os daqueles que aspiram ingressar neste clube", diz ele.

Os milhares de cordéis que Boer traz na mão ficaram agora terrivelmente emaranhados como resultado da crise econômica e financeira.

Os países ricos precisam investir trilhões de dólares para estabilizar as bases das suas economias. O preço do petróleo despencou, eliminando o incentivo para que se invista em tecnologias energéticas mais eficientes.

É exatamente por isso que Boer não está desistindo. "Não creio que ninguém será estúpido a ponto de concentrar-se no curto prazo e ignorar a questão de longo prazo", disse ele recentemente, referindo-se, presumivelmente, aos chefes de Estado.

Boer acredita que a mesma perda de confiança entre os bancos e quem toma dinheiro emprestado acabará também ocorrendo na relação entre os países industrializados e os em desenvolvimento. Para ele, o ponto de partida em todas as negociações sobre o clima é a admissão de culpa histórica por parte dos países ricos antes que nações como a Índia e a China concordem em tomar providências.

Mas Boer também aplica pressão quando está na China. Segundo ele, os países em desenvolvimento não podem deixar que tudo fique a cargo do resto do mundo. Ele disse isto com tanta ênfase que o governo em Nova Déli reclamou.

Em Poznan, Boer, armado de pragmatismo holandês, está tentando meramente conseguir o que for possível de um governo estadunidense em final de mandato. Isso inclui um fundo de ajuste internacional que permitirá que os países pobres paguem por medidas preventivas como a construção de diques contra enchentes.

De Boer pode considerar um sucesso o fato de a proteção climática estar agora no topo das agendas dos poderosos, bem além de Poznan. As maiores nações da União Européia estão insistindo em um pacote efetivo de proteção climática, o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, está apresentando a idéia de transformar Detroit em uma fábrica global de carros "verdes" e o Brasil está criando um novo e rigoroso programa de proteção às florestas. No final de 2009, na grande conferência climática em Copenhague, será o momento para que Boer amarre todos os cordéis que traz nas mãos.

Será que ele teme a possibilidade de fracassar?

"Tenho medo de que nos transformemos em uma segunda Organização Mundial do Comércio, que continua atuando sem obter qualquer resultado", disse ele na semana passada. "Se isso acontecer, estaremos em apuros".

Mas na última terça-feira Boer parecia menos otimista quanto à possibilidade de que o novo tratado seja concluído até o final do ano que vem. Durante uma entrevista coletiva à imprensa em Poznan ele afirmou que está sendo difícil conseguir que os países industrializados e os em desenvolvimento cheguem a um acordo quanto à divisão dos custos da redução de emissões. "Em 2009, não veremos um acordo de longo prazo e totalmente elaborado em Copenhague. Isso não será factível".

 Christian Schwägerl

DEAR SPIEGEL


Tradução: UOL 
 

 

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