...até fevereiro de 2010, a Eletronuclear deve divulgar uma lista de 20 áreas candidatas em quatro estados: Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco...
A construção de duas usinas no Nordeste, um investimento de 8 bilhões de dólares, vira objeto de uma inusitada disputa de governos
O governo de Alagoas organizou recentemente uma caravana para uma viagem de dois dias ao Rio de Janeiro. Missão oficial: dar início à expansão energética do estado. Faziam parte da comitiva o governador Teotônio Vilela Filho, secretários, representantes do setor produtivo, deputados, procuradores e até uma reitora de universidade. Ao final da programação, que incluiu um dia inteiro de visita ao complexo gerador de Angra e longas conversas com técnicos da Eletronuclear, estatal responsável pelas usinas nucleares, o grupo se deu por satisfeito. "Voltamos com a certeza de que Alagoas precisa de usinas iguais àquelas", diz Luiz Otávio Gomes, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico. Para o governo alagoano, não foi uma viagem qualquer. A peregrinação fez parte do esforço de atrair a instalação de duas usinas nucleares previstas para operar no Nordeste a partir de 2019. Como Alagoas, outros estados da região entraram na disputa pelas usinas. No centro da cobiça estão investimentos estimados em 8 bilhões de dólares, royalties, milhares de postos de trabalho e uma fonte energética que, antes execrada no Brasil e no mundo, ganhou status de alternativa limpa em tempos de aquecimento global. "Se ganharmos, vai ser como o Rio comemorando ser a sede da Olimpíada", afirma Gomes.
A construção das usinas é parte de um plano do Ministério de Minas e Energia para expansão e diversificação da matriz energética até 2030. Pelo plano, o país, hoje com duas usinas atômicas funcionando, deverá pôr em operação entre quatro e oito novas unidades nos próximos 20 anos. Além de Angra 3, que está em construção, e das duas previstas no Nordeste, o plano prevê ao menos mais duas usinas na Região Sudeste. A participação das nucleares na expansão da oferta energética nas próximas décadas, apesar de tímida -- 5% de um total de 115 000 megawatts a ser adicionados até 2030, que praticamente dobrarão a capacidade disponível --, é tida como estratégica. "Em 20 anos, o aproveitamento do potencial hidrelétrico do Brasil estará próximo do limite", afirma Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao ministério. "Esse cenário será evidente especialmente no Nordeste, que já tem potencial reduzido." A existência de reservas de urânio no país e o propósito de manter a independência em relação a fornecedores externos -- como a problemática Bolívia -- também pesam a favor da opção pelas usinas atômicas. "Vamos precisar de fontes que gerem de forma contínua. É aí que entram as nucleares", diz Tolmasquim.
A decisão sobre a localização das usinas no Nordeste ainda tem pela frente um processo de seleção. Num primeiro momento, a Eletronuclear, em parceria com o Coppe, centro de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, está mapeando áreas que tecnicamente terão condições de receber as geradoras. Consideram-se nessa etapa fatores como proximidade dos centros de consumo, baixa densidade populacional e abundância de recursos hídricos. Até fevereiro de 2010, a Eletronuclear deve divulgar uma lista de 20 áreas candidatas em quatro estados: Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. "A ideia é apresentar um cardápio de locais para subsidiar a decisão final, que é política", afirma Luiz Othon Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear.
A notícia de que a central nuclear, com as duas usinas, deverá se instalar em algum ponto entre Salvador e Recife, faixa de maior consumo no Nordeste, provocou alvoroço na região. Em agosto, a abertura de um escritório de representação da Eletronuclear em Recife acirrou ainda mais os ânimos. "Há grande interesse dos estados em saber de que forma poderão participar da decisão", diz Carlos Henrique Mariz, chefe do escritório. Os governos, que já haviam manifestado publicamente o interesse em sediar as usinas, se lançaram em campanha, dando início a uma inusitada corrida pelas usinas. Os argumentos de cada um são os mais diversos. "A localização e a rede fluvial de Sergipe precisam ser levadas em conta na decisão", afirma o secretário de Desenvolvimento do estado, Jorge Santana. "A infraestrutura e a mão de obra especializada de Pernambuco, pela existência do único núcleo de estudos nucleares na região, são vantagens óbvias", diz Fernando Bezerra Coelho, secretário de Desenvolvimento Econômico pernambucano. A seu favor, Alagoas alega ter o apoio da população: "Realizamos seminários, discutimos e inserimos a sociedade no debate", diz o secretário Gomes. Em outra solução para a disputa, os governos de Bahia e Pernambuco teriam proposto dividir a central entre os dois estados. A Bahia ficaria com uma das usinas, enquanto Pernambuco, do outro lado do rio São Francisco, ficaria com a outra.
O anúncio da retomada do programa nuclear brasileiro teve reflexos diretos no setor, que ficou praticamente parado nas duas últimas décadas. "Vivemos um novo momento", afirma Alfredo Tranjan Filho, presidente da estatal Indústrias Nucleares do Brasil, fabricante de combustível nuclear. Até 2012, a empresa deve dobrar a capacidade de produção. Com 440 vagas para preencher até o ano que vem, o número de funcionários irá crescer 45%. "Há uma demanda urgente por novos profissionais em todo o setor", afirma Tranjan. A preocupação agora é com a formação de quadros. Muitos dos que trabalham em Angra estão perto de se aposentar. Em 2010, a UFRJ iniciará o primeiro curso de graduação em engenharia nuclear do país. Uma parte deles, ao menos, poderá ter emprego perto de alguma praia nordestina.
Por André Faust
Revista Exame