(*) O Lacrau
Olha minha Menina esse mundo tem “quatro canto” e a coisa da segurança aqui em Sergipe ta é feia viu...
Como Menina? Você ainda nem sabe quem eu sô direito?
Ta certo, ta certo. Muito justo.
Eu nasci numa beira de asfalto de cidade grande. Filho de sergipano que foi tentar a vida em São Paulo e de sergipana que preferiu enfrentar as dificuldades da falta de grana para não arriscar perder o marido para uma paulista qualquer metida á dondoca.
Desde pequeno eu falava sozinho e corria atrás de avião rindo pro céu. Muito se falou em me internar.
Mas um dia minha Menina... ah que dia... férias na fazenda de tio Marinho... o avião passou depressa demais e eu fiquei ali, cara suja de menino ranhento, parado, olhando o céu... coisa mais linda... aquele céu azul de cidade de interior...
Então duas coisas naquele dia mudaram na minha vida.
A primeira é que naquela hora decidi que iria renegar o asfalto que me incubou e que ia virar menino da roça, de pé no chão. Desde então, ás vezes, passo a noite na rede olhando a lua nascer pra ser admirada.
Como minha Menina? Ah sim. Claro que te levo pra conhecer minha rede. Nossa rede agora.
Mas também naquele dia, comecei amar Deus e sua obra com cada pedacinho de força que desde então tenho para respirar. Ai então ninguém mais falou de me internar.
Joguei um bornal nos ombros e botei o pé na estrada. Fui saber o que as pessoas diziam sobre Deus e sua obra, como o povo rezava, como as pessoas olhavam praquele céu azul que agora era dono do meu espírito.
Sai bebendo de todo copo santo, comendo de todo pão sagrado. Encontrei magos, santos, e até ateus que amam o próximo mais que muito crente das "fés de vitrine" que por ai tem muito.
Tornei-me, como já diria a minha outra Menina, a Cecília: (**)
“Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.”
Como minha Menina? se eu tenho ai a tal Cecília é porque você não é a única?
Olha minha bela e doce Menina, nessa minha caminhada aprendi a amar e amei muito. Tive três mulheres no oficial. Umas seis no não oficial e no não contabilizado a conta ta perdida.
Mas isso minha Menina, foi te procurando. Bati em tanta porta, em tantos corações, entrei em uns, fui enxotado de outros. Mas tudo isso era pra chegar até aqui com você minha Menina dengosa.
Como? Eu falo isso pra todas?
Ohhhh...minha menina...deixa disso... não faz biquinho não, deita aqui no meu colo e deixa eu enroscar meu dedo no teu cabelo, esse cabelo cheiroso que deixa rastro de fogo quando passa pelo meu rosto. Isso... deita aqui e deixa eu te falar da Ave Maria...
Péra ai minha Menina. Telefone ta tocando...esparrama ai tua beleza pelo nosso tapete que eu vou atender o chato que ta ligando e já volto...
Pronto minha Menina. Era Ronaldo. Cabra chato. Telefonar numa hora dessas? Pra que Grahan Bell foi inventar essa porcaria? é porque Grahan Bell era chato também.
Se o Ronaldo é parente do Grahan Bell? Bom, acho que todo chato deve ser meio parente né não minha bela Menina?
Se eu esqueci da Ave Maria?
Ave Maria!!!!!!! Deus que me livre!!!!!! Rezo minha Ave Maria toda seis da tarde.
Sabe minha Menina, o povo Grego, que desenhou em papel de pão o que iam ser nossos costumes, falava de uma coisa com nome estranho. Falava de uma tal egrégora.
Esse negócio ai que parece nome de bicho cheio de perna, queria dizer que, quando muita gente se junta pra rezar, a força e a vontade de todo um povo é tão grande, que muita coisa se realiza só com essa força.
É como se a gente, quando reza junto, ajudasse a Deus na hora de diminuir as mazelas da vida.
Minha Menina, depois que aprendi isso dos gregos, quis rezar com muita gente, queria ajudar Deus na execução da Grande Obra. E descobri que a maior dessas egrégoras ai que eles falam, tava aqui no nosso Brasil.
Ah...minha Menina, pense no que era a uns anos atrás a hora da Ave Maria...
Pense meu amor, um povo inteiro, na mesma hora, parando pra se ajoelhar diante da santíssima ao lado do radinho de pilha...
Pense, faça ai na sua cabecinha cheia de castelos uma imagem daquele homem rude da roça, daquela mulher forte que amamenta os filhos, pense no rosto cheio de humildade e fervor diante no divino...
Ah...nunca em lugar nenhum do universo se viu até hoje tanta força, tanta alma junta pedindo pra um vida melhor entrar por cada porta, por cada tapera, por cada mansão...
É pena demais que hoje as pessoas já não rezem assim a Ave Maria.
As pessoas estão acreditando demais em tecnologia, em política, em ONG. Tudo coisa boa mesmo, que ajuda a gente a viver melhor mas, a Ave Maria...ah Menina. Aquilo sim era acreditar, ter fé.
A fé de todo um povo se reunindo pra falar com Deus ao mesmo tempo.
Como minha Menina? O que tem haver a Ave Maria com a segurança em Sergipe?
É que do jeito que as coisas vão aqui minha Menina, com bandido fazendo cadeia de hotel, entrando e saindo na hora que lhe apetece, só mesmo juntando o povo da gente todo e fazendo Ave Maria duas vezes no dia porque logo os bandidos tão querendo entrar e sair é de nossa casa.
Bora minha menina, bora trancar as portas porque agora “os preso é nóis”.
Bora trancar as portas e fazer amor.
Como é minha Menina? Você ainda não me conhece direito pra isso?
Mais Menina...
* Lacrau é o pseudônimo de Davison Viana no grupo Fraternidade Literária Divina Comédia.
Davison Viana é astrólogo, membro de várias ordens iniciáticas e acredita que um bom bate-papo com Deus resolve qualquer problema.
** Cecília Meireles
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