Discretamente, o governo Lula promoveu uma mudança na legislação que vai facilitar as obras de transposição das águas do rio São Francisco e pode beneficiar outros projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) em 2010.
A medida foi promovida por meio de um “contrabando” -como se chama, no jargão do Congresso, a prática de incluir normas potencialmente polêmicas no texto de projetos que tratam de um tema diverso.
Graças a esse expediente, uma medida provisória destinada a conceder socorro financeiro aos municípios, convertida em lei anteontem, acabou ganhando na Câmara um artigo que apressa a desapropriação de imóveis considerados de utilidade pública, um dos principais empecilhos jurídicos enfrentados pelos investimentos federais, em particular no PAC.
É o caso de uma série de terrenos de propriedade particular em Estados do Nordeste que o governo tenta desapropriar desde 2004 para as obras do São Francisco. Como os procedimentos necessários não foram cumpridos no prazo de cinco anos, o decreto presidencial que declarou a utilidade pública dos imóveis caducou, ou seja, perdeu a validade.
Para reiniciar a desapropriação, o governo teria de esperar até maio de 2010, quando se completaria o intervalo mínimo de um ano, previsto na lei, entre a caducidade do decreto e uma nova declaração de utilidade pública. O artigo inserido na lei recém-sancionada por Lula eliminou o inconveniente.
“Excepcionalmente”, diz o texto sancionado, a declaração de utilidade para ações integrantes do PAC “poderá ser realizada até 31 de dezembro de 2010, sem a observância do prazo de um ano”.
O deputado Sandro Mabel (PR-GO), relator da MP na Câmara, informou que o artigo foi incluído na medida a pedido do Ministério da Integração Nacional, que terá R$ 1,5 bilhão em 2010 para as obras do PAC na região do São Francisco.
A pasta confirmou: “A nossa necessidade era em cima da questão do São Francisco, a gente precisava continuar o processo de desapropriação, por isso foi feito esse pedido pelo nosso departamento jurídico”, diz Eugênia Pereira Vitorino, chefe da assessoria parlamentar do ministério.
Segundo ela, muitos dos proprietários afetados pelo processo de desapropriação não tinham títulos de posse, o que emperrou o processo enquanto os governos estaduais não conseguiam regularizar a situação. Até o momento, o governo executou apenas 15,3%, em média, das obras da transposição.
A transposição do São Francisco é a principal obra do governo Lula, ao custo de cerca de R$ 5 bilhões, e, ao lado do PAC, deve compor a vitrine da provável candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). Atualmente, Lula, Dilma e outros ministros estão realizando uma “caravana” pelas obras da transposição.
A utilidade da nova regra pode ser mais ampla. Levantamento passado à Folha pela Advocacia-Geral da União aponta que, de 4.419 ações judiciais relativas ao PAC propostas até outubro, 2.048 diziam respeito a desapropriações. Um exemplo é o das obras de restauração e duplicação da BR-101 em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, que resultaram em 460 ações.
As desapropriações podem ser executadas por acordo ou por via judicial. No primeiro caso, governo e proprietários se entendem sobre o valor da terra; no segundo, o governo precisa dar início, no prazo de cinco anos, a um processo para definir o preço do terreno.
Gustavo Patu e Ranier Bragon
Folha de São Paulo
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