NOVA YORK - Vídeos engraçadinhos não estavam na cabeça de Len Kleinrock e sua equipe na Universidade da Califórnia quando, há 40 anos, eles começaram os testes do que se tornaria a Internet. Eles também não pensavam em redes sociais ou na maioria dos aplicativos de fácil utilização que vêm atraindo mais de um bilhão de pessoas ao mundo online. Os investigadores procuraram criar uma rede aberta para a troca livre de informações; uma abertura que estimulou a inovação que mais tarde permitiu o surgimento do YouTube, Facebook e da World Wide Web.
Se ainda há muito espaço para novidades, a abertura que estimula a inovação pode estar ruindo. Embora a Internet esteja mais amplamente disponível e seja mais rápida do que nunca, as barreiras artificiais ameaçam o seu crescimento. Podemos chamar de uma crise de meia-idade.
Uma variedade de fatores são os culpados. Spam e ataques de hackers forçam os operadores de redes a erguer barreiras de segurança. Regimes autoritários bloqueiam o acesso a muitos sites e serviços dentro de suas fronteiras. Considerações de natureza comercial estimulam políticas que podem prejudicar empresas rivais, principalmente em dispositivos móveis como o iPhone.
- Há mais liberdade para o usuário típico de Internet jogar, se comunicar, fazer compras, mais oportunidades do que nunca - diz Jonathan Zittrain, professor de Direito e co-fundador do Berkman Center for Internet & Society, de Harvard - Por outro lado, existem algumas tendências de longo prazo que facilitam muito o controle da informação.
Em dois de setembro de 1969, poucos prestavam atenção quando cerca de 20 pessoas se reuniram no laboratório de Kleinrock, na Universidade da Califórnia, para assistir a dois enormes computadores enviarem dados de teste sem sentido através de um cabo cinza de 4,5 metros. Esse foi o começo da rede Arpanet. O Stanford Research Institute se juntou um mês mais tarde, e as universidades de Santa Barbara e Utah, no final do ano.
A década de 1970 trouxe comunicações por email e os protocolos TCP/IP, permitindo a conexão de redes múltiplas e formando a Internet. Os anos 80 deram origem a um sistema de endereçamento com sufixos como ".com" e ".org", cujo uso é amplamente difundido hoje.
No entanto, a Internet não se tornou uma palavra comum nas casas das pessoas até os anos 90, quando o físico britânico Tim Berners-Lee inventou a Web, um subconjunto da Internet que torna mais fácil a criação de links entre diferentes recursos, documentos, etc.
Enquanto isso, prestadores de serviços como a America Online conectavam milhões de pessoas pela primeira vez. No início, a obscuridade permitiu à Internet florescer livre de restrições e regulamentações comerciais que podem desestimular ou mesmo impedir a experimentação.
- Durante a maior parte da história da internet, ninguém tinha ouvido falar dela - diz Zittrain - Isso deu-lhe tempo para se mostrar funcional e fixar suas raízes.
Mesmo o governo dos EUA, que financiou grande parte do desenvolvimento inicial da Internet como um projeto militar, não influenciou seu desenvolvimento, permitindo que os engenheiros promovessem seu ideal de uma rede aberta.
Quando Berners-Lee, que trabalhava em um laboratório europeu de física, inventou a Web em 1990, ele pôde liberá-la para o mundo sem ter que pedir autorização ou enfrentar firewalls que hoje tratam tipos desconhecidos de tráfego como suspeitos.
Mesmo o fluxo livre de pornografia levou a inovações na Internet, como o pagamento com cartões de crédito, o vídeo online e outras tecnologias hoje usadas por quase todo internauta.
- Permita o acesso livre e milhares de flores desabrocharão - diz Kleinrock, um professor da UCLA desde 1963 - Se tem uma coisa na Internet que você pode prever é que vai se surpreender com aplicativos que você não esperava.
Mas esse idealismo está acabando.
Uma disputa entre Google e Apple ilustra uma das barreiras que ameaça a web. Como outros dispositivos móveis, o iPhone restringe os software que podem rodar nele. Somente os aplicativos aprovados pela Apple são permitidos. A Apple recentemente bloqueou o aplicativo de comunicação Google Voice, dizendo que ele substitui a interface integrada do iPhone. Os céticos, no entanto, sugerem que a decisão prejudica serviços potencialmente concorrentes do Google.
Em computadores de mesa, provedores criam barreiras para conter o uso de serviços de compartilhamento de arquivos. Nos EUA, a Comcast foi repreendida pela Comissão Federal de Comunicações no ano passado por bloquear ou tornar mais lentas algumas formas de compartilhamento de arquivos. Hoje a empresa abandonou a prática.
O episódio reativou o interesse do governo em lutar pela "neutralidade da rede", o que essencialmente significa que um prestador de serviços não pode favorecer certos tipos de tráfego de dados em relação a outros. Isso não seria uma nova regra, mas sim um retorno aos princípios que deram origem à rede que Kleinrock e seus colegas começaram a construir há 40 anos.
Mesmo que os provedores não interfiram diretamente no tráfego, podem desencorajar o uso irrestrito da Internet impondo limites mensais. Algumas empresas estão testando limites tão baixos que os internautas podem ser forçados a pagar taxas extras por assistir a poucos filmes online.
- A pessoa fica menos propensa a experimentar - critica Vint Cerf, evangelista do Google e um dos fundadores da Internet - Ninguém quer uma surpresa na conta no final do mês.
Dave Farber, ex-chefe da Comissão Federal de Comunicações, defende que os sistemas se tornam muito mais poderosos quando os desenvolvedores de software e os consumidores podem simplesmente experimentar as coisas.
Farber desbloqueou um iPhone usando uma técnica conhecida como "jail-breaking", permitindo que o telefone execute software não-aprovado pela Apple. Desse modo, ele pôde assistir vídeos antes da Apple aprová-los na versão mais recente do iPhone e mudou a tela de abertura quando o telefone está ocioso para mostrar um resumo de sua agenda e emails.
Embora a Apple insista que sua aprovação é necessária para proteger as crianças e a privacidade do consumidor e evitar a degradação do desempenho do telefone, desenvolvedores de empresas rivais tentam preservar a abertura encontrada em desktops. O sistema Android, do Google, por exemplo, permite que qualquer pessoa escreva e distribua software sem necessidade de permissão prévia.
No entanto, mesmo no ambiente de trabalho, outras barreiras ficam no caminho. Steve Crocker, um pioneiro da Internet que hoje dirige a empresa Shinkuro, diz que teve problemas para criar uma tecnologia que facilite a comunicação entre pessoas de diferentes empresas por conta de firewalls que são onipresentes na Internet. Resumindo, firewalls são sistemas concebidos para impedir conexões externas, tornando a interação direta entre usuários difícil ou até mesmo impossível.
Ninguém está sugerindo a eliminação de todas as barreiras, é claro. Firewalls e filtros de spam tornaram-se cruciais conforme a Internet cresceu e atraiu pessoas com comportamento malicioso, da mesma forma que sinais de trânsito precisaram ser instalados quando aumentou o número de carros nas ruas. A supressão destes obstáculos pode criar problemas maiores.
Mas ao longo da história, muitas barreiras eventualmente caíram - quase sempre sob pressão. No início, a AOL se tornou célebre por desencorajar seus usuários a sair de seu "condomínio fechado" para a web aberta. A empresa aos poucos abriu as portas, enquanto seus assinantes se queixavam ou fugiam. Hoje, a AOL está reconstruindo o seu negócio em torno da Internet aberta.
O que os engenheiros da Internet tentam evitar são as barreiras tão pesadas que impedem o surgimento de novas ideias. Se empresas e provedores já limitam o compartilhamento de arquivos e ferramentas colaborativas, os vídeos podem ser a próxima vítima, se os internautas deixarem de assistir ou baixar arquivos de alta-definição, com medo de taxas extras no fim do mês. Da mesma forma, empresas iniciantes podem nunca ter a chance de alcançar os usuários se fabricantes de celulares lhes bloquearem o acesso.
Se essas barreiras impedirem as inovações de chegarem aos consumidores, podemos nunca saber o que perdemos ao longo do caminho.
Fonte: O Globo
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