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Polêmica decisão do STF

9/2/2009

Editorial do Estadão - comentário

Por 7 votos contra 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o réu condenado a pena de reclusão somente poderá ser preso quando forem esgotadas todas as possibilidades de recurso e o processo for julgado em caráter definitivo pela última instância. Enquanto houver recursos pendentes, o réu condenado ficará em liberdade.

A decisão, que altera jurisprudência firmada há décadas pelo STF e se aplica automaticamente a todas as pessoas que estão presas e não foram condenadas em última instância, foi tomada durante o julgamento de um habeas-corpus impetrado por um fazendeiro mineiro condenado a sete anos e meio de prisão, por um Tribunal do Júri, por tentativa de homicídio qualificado. Seus advogados alegaram que ele não poderia ser preso enquanto a sentença não fosse confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em abril de 2007, o relator do habeas-corpus, ministro Eros Grau, acolheu o argumento, lembrando que ele tem fundamento nos dispositivos da Constituição que tratam das garantias fundamentais. O princípio da presunção da inocência, pelo qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", é assegurado pelo inciso LVII do artigo 5º da Carta Magna. Mas, por causa de um pedido de vista do ministro Carlos Alberto Direito, o julgamento foi suspenso e o caso só foi encerrado agora, após uma acirrada polêmica entre os ministros.

Discordando do relator, Direito lembrou que nem mesmo a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos assegura o direito irrestrito dos réus de aguardar o julgamento de seus recursos em liberdade. "Temos criminosos confessos que são condenados em primeiro e segundo graus e não vão para a cadeia porque o volume de recursos não se esgota nunca", disse ele, com apoio dos ministros Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e Carmen Antunes Rocha. Invocando a lentidão dos tribunais e o anacronismo da legislação processual penal, os quatro afirmaram que o tratamento benevolente dado a quem já foi condenado pelas instâncias inferiores favorece a impunidade, pois os presos ricos podem contratar advogados para recorrer indefinidamente.

"O leque de opções que a ordem jurídica oferece ao réu é imenso. As decisões dos juízes de primeiro e segundo graus devem ser levadas a sério. Do contrário seria melhor que todas as decisões fossem tomadas diretamente pelo Supremo. Estamos criando um sistema penal de faz-de-conta. Se tivermos que esperar todos os recursos, o processo jamais chegará ao fim", afirmou Barbosa, depois de citar um caso julgado pelo STF que recebeu cerca de 63 recursos judiciais. "Aguardar que a prisão somente ocorra após o trânsito em julgado é inconcebível. A vencer essa tese, nenhuma prisão será mais feita no Brasil", alertou a ministra Ellen Gracie.

O que prevaleceu, contudo, foi o voto do relator. "Se não for respeitado o princípio constitucional da presunção da inocência, é melhor sairmos com um porrete na mão, a arrebentar a espinha de quem nos contrariar", disse o ministro Eros Grau. "Cabe ao Poder Judiciário a missão histórica para que o direito à liberdade seja preservado em sua integridade", concordou o ministro Ricardo Lewandowski.

Esse é um embate em que os dois lados têm razão. Os seis ministros que acompanharam o relator estão certos quando afirmam que não podem decidir contra legem, contrariando o que a Constituição determina expressamente. E os quatro que discordam também estão certos quando lembram que esse entendimento irá propiciar uma libertação massiva de presos de alta periculosidade, principalmente os vinculados ao crime organizado, pondo em risco a segurança pública e desmoralizando as varas criminais de primeira instância e as câmaras criminais de segunda instância.

Esse é mais um problema decorrente de leis processuais ultrapassadas e de uma Assembleia Constituinte que consagrou, a pretexto de defender direitos individuais, uma norma inteiramente desconectada da realidade brasileira e que, na prática, propicia abusos. Como não podia mudar esse dispositivo, do ponto de vista técnico-jurídico, o STF ficou sem saída e o País agora terá de enfrentar mais essa lamentável consequência da "Constituição-cidadã" de 88.

 

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