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Interior tem carência de Maternidades

2/11/2009

Dos 74 municípios, apenas 12 tem casas de partos

Para muitas mulheres, a maternidade é um grande sonho. Carregar um bebê no próprio ventre durante nove meses, enfrentar em alguns casos complicações na gravidez e suportar tantas dores para trazer o tão esperado filho ao mundo são emoções que apenas quem sentiu pode descrever com precisão. No entanto, no interior do Estado de Sergipe as dores da maternidade não se restringem apenas às do parto. Elas vão muito além e assumem outro caráter, outra feição. Sem poder dispor de serviço médico adequado nos seus municípios, mulheres prestes dar à luz se deslocam para cidades vizinhas ou têm seus bebês no meio do caminho, assim de qualquer jeito, como se ‘parir’ fosse tarefa das mais banais e não exigisse cuidado especial.

Nisto elas colocam em risco a si mesmas, aos seus rebentos e aos seus futuros. A situação é bem mais grave do que se imagina: dos 74 municípios de Sergipe, 62 não dispõem de maternidades nem para partos ‘comuns’. Nestes casos, as gestantes têm de enfrentar ‘a migração’ para cidades pólos regionais ou para Aracaju. De acordo com Márcio Barretto, coordenador do Núcleo de Atenção Hospitalar e de Urgência da Secretaria de Estado da Saúde – SES –, apenas seis cidades sergipanas realizam parto de baixa complexidade: Itabaiana, Capela, Lagarto, Estância, Glória e Nossa Senhora do Socorro. Em outros cinco municípios – Canindé de São Francisco, Itaporanga D’Ajuda, Poço Redondo, Tobias Barreto e Laranjeiras – as unidades básicas de saúde possuem apenas salas para partos normais. E nas cidades de Ribeirópolis, Propriá e Carira estas unidades básicas estão em reforma.

Das 26.292 crianças nascidas em Sergipe este ano, 6.600 são do interior. Na Maternidade Nossa Senhora de Lourdes - MNSL -, por exemplo, de janeiro a setembro deste ano cerca de 1.800 grávidas vindas de diversos municípios foram atendidas, sem contar com as da Bahia e de Alagoas. Já a Maternidade Santa Isabel, também em Aracaju, recebe todos os meses uma média de 630 gestantes transferidas, em maior parte, de Nossa Senhora do Socorro, Laranjeiras, São Cristóvão e Itaporanga D’Ajuda. Só nestas duas instituições são atendidas 2.430 parturientes que poderiam resolver seus problemas em seus municípios de origem.

CARÊNCIA

“No Estado, a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes é referência no atendimento à gestante de alto risco. Ou seja, só recebemos aquelas com algum tipo de problema que signifique risco para ela ou para o bebê, como hipertensão, infecções, cardiopatias, diabetes, distúrbios de líquido amniótico e outros casos”, esclarece Elisabeth Oliveira, assessora de Comunicação desta maternidade. “As gestantes de baixo risco devem procurar atendimento no município sede, como a maternidade de Capela, por exemplo, ou pólo, como Itabaiana, Estância, Lagarto, Glória e Socorro, que têm hospitais regionais. As da capital devem procurar a referência de baixo risco, que é a Maternidade Santa Isabel”, acrescenta Elisabeth.

Segundo a presidente da Associação Sergipana de Obstetrícia e Ginecologia, Eline Gurgel, esta grande carência de maternidades no interior é um problema grave de administração pública. “A Secretaria de Estado da Saúde tem que direcionar o olhar, construir programas de cuidados com as gestantes e gerenciar melhor a saúde em todos os setores”, diz. Eline é dona da maior maternidade privada de Sergipe, a Santa Helena, de classe média, que funciona em Aracaju. Petrônio Gomes, presidente da Sociedade Médica de Sergipe – Somese –, é mais crítico em suas análises. Para ele, o Estado não tem política de saúde e é o grande responsável por dificultar cada vez mais o acesso da população aos médicos.

“Regularmente visitamos cidades do interior e as queixas são sempre as mesmas. Há dificuldade em tudo. No caso das gestantes, o ideal seria que houvesse uma grande maternidade em cada um dos municípios sede dos oito territórios. E que cada cidade tivesse o seu pólo para partos mais simples. Mas o Estado pensa diferente e tem a intenção de diminuir cada vez mais as regiões, concentrando tudo na capital. Não concordamos com nada disto”, destaca Petrônio Gomes.

“Temos projetos prontos. Temos a solução. Mas sozinhos não podemos fazer nada. O Estado se acha superior. Acha que se parar para ouvir a sociedade vai acabar ficando refém dela”, reforça Petrônio Gomes. Outra queixa do presidente da Somese está direcionada à carência existente nas estatísticas médicas oficiais e públicas. “Eles só informam o que é conveniente. Se, por exemplo, necessitarmos de informações sobre os índices de mortes no parto não teremos. Isso acontece em todos os governos. E do jeito que as coisas caminham, não haverá mudança nunca”, ressalta Petrônio Gomes.

ALTO RISCO

A dona de casa Luana Nascimento de Jesus, de 19 anos, faz parte do grupo de gestantes de alto risco e passou maus bocados até dar à luz o primeiro filho, no dia 11 de outubro. Grávida de oito meses, Luana não dispunha de transporte para se deslocar do povoado Nova Esperança, onde mora – a 18 quilômetros de Nossa Senhora da Glória – até Aracaju, já que partos da complexidade do dela não podem ser realizados no Hospital Regional de sua cidade.

“No posto de saúde do povoado falta tudo, até ambulância. Meu cunhado me levou até Glória e de lá o Samu me levou para a Maternidade Santa Isabel, em Aracaju”, diz Luana. “Eu não sentia dores e me deram soro para induzir o parto, mas não adiantou. As dores não chegaram e quando viram que parto normal não era o meu caso, me transferiram direto para o centro cirúrgico da Maternidade Nossa Senhora de Lourdes. Se tivessem demorado mais um pouco eu e meu filho teríamos morrido”, destaca a jovem mãe.

Atenta às palavras da filha, Ivanilde Nascimento, 41, uma servidora pública, desabafa. “Seria muito bom que cada município pudesse ter uma maternidade para atender às gestantes. Se todos os governantes, pelo menos uma vez na vida, tivessem sentido as dores do parto com certeza dariam mais atenção”, diz Ivanilde. Desde o dia 11 ela está acompanhando a filha e o neto prematuro na MNSL.

A dona de casa Tânia da Conceição Santos, 31, também viveu momentos angustiantes quando entrou em trabalho de parto, no domingo, dia 18. Ela mora no povoado Bom Viver, na zona rural de Santa Luzia do Itanhy, e teve que esperar o esposo se deslocar de bicicleta até a sede municipal para conseguir uma ambulância. “Quando ele chegou no posto de saúde de Santa Luzia disseram que a ambulância estava quebrada. Depois de algum tempo mandaram um carro. Eles me levaram para a maternidade de Estância e logo depois que cheguei o menino nasceu”, comenta Tânia.

DESCASO

Em Boquim, a auxiliar de serviços gerais Maria Jeane dos Santos Nunes, 49, denuncia o descaso com as gestantes que, segundo ela, aumentou depois que a maternidade local foi fechada. “A saúde, no Estado, só tem beleza. Falam que vão abrir a maternidade, mas não acontece nada. As coitadas das grávidas são encaminhadas para Estância, onde o atendimento também não é lá essas coisas. Mas mesmo assim temos que dar graças a Deus”, comenta Maria Jeane.

No Conjunto Albano Franco, também em Boquim, a estudante Juliana de Jesus Santos, 18, ainda chora a morte do seu bebê. “Eu estava com nove meses e três dias quando a bolsa estourou na frente da minha casa. Mesmo sem dor, tive que ir para Estância, porque aqui não tem assistência. O parto foi normal, mas a minha filha nasceu morta”, lamenta Juliana, enquanto observa a fotografia da filhinha dentro de um pequenino caixão.

No centro-sul de Sergipe, apenas a Maternidade Zacarias Júnior, no município de Lagarto, dá conta da demanda, em sua maioria vinda do Serviço Único de Saúde - SUS. “Realizamos uma média de 230 partos a cada mês. Gestantes de Riachão do Dantas, Arauá, Simão Dias, Boquim, Poço Verde, Salgado e outras cidades sergipanas e da Bahia vêm para cá. A maternidade possui 35 leitos e uma equipe composta por seis obstetras plantonistas, cinco enfermeiras obstétrica e um pediatra. Estamos, inclusive, precisando de mais um pediatra exclusivamente para a sala de parto”, explica Mônica Prata, auxiliar administrativo da Zacarias Júnior.

Segundo Mônica Prata, as transferências para Aracaju são poucas e só acontecem em casos de risco. “Somos de médio porte e não possuímos UTI neonatal”, acrescenta. A enfermeira Ludmila Alves garante que a Maternidade melhorou com a reforma que foi realizada recentemente. “Aqui também são realizados testes rápidos de HIV e sorologia para sífilis”, informa Ludmila. No sul sergipano, a Maternidade Amparo de Maria, em Estância, é a única referência. Composta por duas salas de parto, 14 leitos pré-parto, 28 leitos destinados ao pós-parto, o hospital não dispõe de UTI.

“Apesar disto, a Maternidade resolve grande parte da demanda. Transferimos para Aracaju somente os partos de alto risco e sentimos uma certa dificuldade quando recebemos pacientes de outros municípios sem nenhum histórico da gestação. São feitos cerca de 300 partos a cada mês, e uma média de 15 transferências para as maternidades Santa Isabel e Nossa Senhora de Lourdes, em Aracaju", ressalta o coordenador da Enfermagem, Paulo Mattos.

Fonte: Correio de Povo


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