A Câmara encerrou a votação da reforma eleitoral com recuos no que se refere à moralização. Derrubou pontos que poderiam impedir candidaturas dos chamados "fichas-sujas” e reprimir o uso da máquina pública - como a participação de candidatos em obras nos quatro meses antes da eleição. Também caiu a proibição de criar ou ampliar programas sociais em ano eleitoral.
Moralização, talvez na próxima
Câmara exclui de reforma medidas que impediriam uso da máquina pública nas eleições
Isabel Braga e Maria Lima - O Globo
Se avançou no fim da censura ao uso da internet durante a campanha eleitoral, a reforma concluída anteontem à noite pela Câmara deixou de lado medidas que poderiam reprimir o uso da máquina pública e restringir a participação de candidatos que respondem a processos, os fichas-sujas. O texto que será enviado à sanção presidencial na próxima semana deixa sem controle ainda as doações feitas diretamente aos partidos, ocultando a relação direta entre candidatos e doadores.
A Câmara derrubou regras votadas pelo Senado que tentavam coibir o uso da máquina, como a proibição da participação de candidatos em inaugurações de obras, nos quatro meses que antecedem a eleição. Pelo texto final, os candidatos não poderão participar de inaugurações três meses antes do pleito. Caiu também na Câmara a proibição de criar ou ampliar programas sociais em ano eleitoral. A única restrição mantida é a de que, em ano eleitoral, programas sociais não podem ser executados por entidade nominalmente vinculada a candidato ou mantida por ele.
O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), criticou a rejeição de emendas feitas pelos senadores, como a que exigia que políticos comprovassem reputação ilibada e idoneidade moral ao registrar a candidatura:
- O PSDB acha que a Câmara tratou de modo ligeiro a questão da lei eleitoral, sem considerar o interesse da sociedade. Acho que a gente teria um bom debate a realizar (sobre os fichas-sujas), fazer algo para evitar que gente inabilitada moral e eticamente seja candidato. O Congresso tem que estar preparado para esse debate, a sociedade está. Não podemos fazer isso apenas nos momentos de crise.
O corregedor-geral da Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), rebateu:
- Tínhamos dois caminhos: transformar a discussão numa feira livre, e a Câmara aprovar uma colcha de retalhos, ou aprovar uma coisa enxuta, mas com avanços. Sou a favor de que a discussão (dos ficha-sujas) seja pautada. É preciso criar um filtro, mas não pode ser algo de acordo com a cabeça de um juiz eleitoral. Tem que ser algo concreto, não só o fato de alguém responder a processo na Justiça.
Decisão é criticada por senadores
Ao comentar a votação, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), ressaltou aspectos positivos e reconheceu falhas:
- Até hoje, o Congresso não conseguiu se acertar em relação a isso. Ainda acho que o atual sistema não é o ideal. Para que isso (impedir a participação de fichas-sujas na eleição) fosse possível, seriam necessários critérios objetivos para aferir a conduta de um candidato. Mas o Congresso cumpriu seu papel. Foi um avanço extraordinário, acolhemos a liberdade na internet, uma decisão extremamente democrática.
A decisão da Câmara de desconsiderar a maioria das 67 emendas do Senado irritou senadores. No Twitter, o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), condenou a exclusão de emendas que, segundo ele, impediriam o uso da máquina nas eleições. Outros senadores também se manifestaram.
- Foi uma decisão lamentável a Câmara jogar fora os avanços que conseguimos no Senado. O texto que aprovamos tinha algumas coisas excelentes, como a barreira para os fichas-sujas, a proibição do uso eleitoreiro de programas sociais na véspera da eleição e outros - afirmou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
A reforma torna mais explícita a possibilidade de, em ano eleitoral, os partidos poderem repassar aos candidatos recursos recebidos de pessoas físicas ou jurídicas. Isso evita que determinado candidato seja identificado por receber dinheiro de empreiteira ou banco, por exemplo. E permite que o partido assuma as dívidas de campanha de candidatos majoritários.
Estes pontos, segundo estudo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), abrem brechas à lei e vão dificultar a fiscalização dos gastos das campanhas. De acordo com o estudo, os partidos poderão receber nos anos em que não há eleição doações que são vedadas aos candidatos, e só repassá-las no ano eleitoral.
Redes de ONGs e intelectuais brasileiros vão insistir na realização de uma reforma política profunda. As entidades elaboraram uma plataforma de propostas, protocoladas em 2008 no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e no Congresso, mas nada foi aprovado. Segundo avaliaram, as mudanças significam um "acordão" que deixou "as raposas tomando conta do galinheiro".
- As mudanças aprovadas são pífias e em seu próprio favor, já que 50% do Legislativo têm ficha suja. E só ao Legislativo interessam as doações ocultas. Mas não desistiremos de fazer mudanças reais - afirmou o cientista político Rudá Ricci, da executiva do Fórum Brasileiro do Orçamento, que integra a Inter-Redes com entidades como CNBB, Abong (Associação Brasileira das ONGs) e OAB.
COLABORARAM: Soraya Agegge e Adauri Antunes Barbosa