...com a manutenção do cândido dispositivo pelo qual qualquer criminoso comprovado pode obter registro de candidatura, desde que a condenação não tenha sido confirmada em última instância...
As mudanças que seriam feitas na legislação eleitoral receberam o nome de "reforma" quando começaram a ser discutidas na Câmara dos Deputados. A versão aprovada e remetida à apreciação do Senado, porém, já não merecia tal qualificação.
Muito longe de ser uma reforma - termo que pressupõe alterações profundas e, espera-se, para melhor -, o vaivém do projeto entre deputados e senadores gerou uma colcha de retalhos em que o pior da legislação anterior foi mantido, ou até mesmo reforçado, enquanto os avanços se resumiram à liberalização no uso da internet na campanha, embora tenha sido aprovada a descabida equiparação do meio a TVs e rádios na realização de debates entre candidatos.
Já é inconsistente o argumento de que, por serem concessão pública, rádio e TV têm de ser tolhidos na cobertura de eleições, em nome de um mal explicado tratamento isonômico dos candidatos - na verdade, um drible no dispositivo constitucional da liberdade de imprensa. Estendê-lo à internet é insistir no erro e agravá-lo. No Senado, ainda houve uma ou outra iniciativa de tentar salvar algo diante dos escombros produzidos na Câmara. Mas, na devolução do projeto aos deputados, o desastre foi consumado, com a rejeição quase total das 67 emendas dos senadores.
Internet à parte, aprovou-se uma legislação que em nada ajuda a melhorar a qualidade do processo eleitoral. A manutenção de doações ocultas, feitas aos partidos os quais poderão repassá-las a candidatos de forma obscura, levou o próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, a reclamar da dificuldade que será o acompanhamento desse dinheiro. Abre-se ampla avenida - mais larga que a existente - para o trânsito de dinheiro ilegal rumo ao caixa dois de legendas e políticos.
O veto dos deputados à referência na legislação à probidade de candidatos é coerente com a manutenção do cândido dispositivo pelo qual qualquer criminoso comprovado pode obter registro de candidatura, desde que a condenação não tenha sido confirmada em última instância. Continuará a infiltração na política do Rio de Janeiro, por exemplo, de representantes de milícias e quadrilhas de outras especialidades.
Resta a Justiça e o Ministério Público eleitorais se prepararem para um árduo trabalho ano que vem. E esperar que o próximo Congresso coloque o tema na agenda, para, dessa vez, fazer um trabalho sério. Por isso mesmo, terá de ser distante do calendário eleitoral.
FONTE: O GLOBO