Campos diz que três cidades do Rio de Janeiro recebem royalties equivalentes a 50% do orçamento anual de Piauí, Alagoas ou Sergipe
Voz forte em defesa da divisão dos benefícios da exploração do pré-sal entre todos os Estados brasileiros, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), encomendou estudo à área técnica do seu governo que revelou que os municípios cariocas de Macaé, Campos e Rio das Ostras receberam, durante o ano de 2008, R$ 2,4 bilhões somente de royalties pela produção de petróleo. Essa quantia representou, de acordo com o relatório, a metade do orçamento total do Estado do Piauí - ou de Alagoas ou de Sergipe - no mesmo ano.
Apesar de a comparação oferecer mais munição para aquecer a disputa entre governadores de Estados produtores e não produtores do pré-sal, em entrevista ao Estado, o governador de Pernambuco preferiu não botar mais lenha na fogueira na discussão com o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB).
A polêmica começou quando Cabral se levantou contra a ideia do governo federal de dividir de forma igualitária os royalties do pré-sal entre os Estados, e reivindicou que os recursos beneficiassem apenas os Estados produtores do pré-sal: Rio, São Paulo e Espírito Santo.
Para Campos, é inaceitável a exclusão de 24 Estados e de mais de cinco mil municípios do benefício. Sem mexer nas regras existentes, de 1997, relativas ao petróleo, ele indaga: "Qual a nação que queremos construir? Uma nação que aprofunde os desequilíbrios sociais, regionais, inter-regionais?"
Ao defender o entendimento para se chegar a uma solução sobre o assunto, ele destacou a necessidade, primeiro, de se discutir o modelo de exploração do pré-sal, pelo Congresso, no regime de urgência pedido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E não deixou dúvidas: se os Estados produtores fincarem pé na tentativa de excluir o resto do País das benesses que poderão ser trazidas pela exploração do pré-sal, eles serão derrotados pela esmagadora maioria. A seguir, os trechos da entrevista.
Qual o tom a ser adotado pelos governadores do Nordeste em relação à partilha dos royalties do pré-sal, na reunião do dia 10, em Fortaleza?
Não devemos fazer um debate de paixões, mas de razões, de bom senso. O pré-sal é do Brasil, os impactos positivos do pré-sal e da renda pública que podem vir dele também devem ser do Brasil. Devemos buscar o entendimento, podemos até diferenciar e aqueles que estão próximos da produção terem um pouco mais, como compensação, mas é inaceitável que se exclua o restante do Brasil. Não é tempo nem do debate do velho regionalismo, nem do velho centrismo e da velha exclusão. É tempo de construir um novo paradigma e um novo pacto federativo, onde é inaceitável a exclusão de 24 Estados e de mais de 5 mil municípios.
Há intenção de fazer uma mobilização nacional, atraindo também os governadores de outras regiões?
Ainda estamos tentando viabilizar a reunião do dia 10. Temos dois debates importantes a travar. O da partilha pode vir depois. Porque antes vamos discutir a forma de exploração da fronteira do pré-sal. Só haverá discussão sobre a partilha se houver exploração. O primeiro ponto é o modelo. Sem a definição do modelo não vamos ter investimentos.
O governador Sérgio Cabral, que iniciou a polêmica, disse que não deixaria o Rio ser assaltado e depois qualificou a postura dos governadores nordestinos como "uma bravata regionalista que é uma bobagem" e só interessa a quem gosta de brigar. O que o sr. diz?
Espero que ele mude de posição. Sérgio é importante no quadro da política brasileira, jovem, competente. Não é o melhor momento da sua participação nesses debates. Não se trata de bravata, se trata de uma visão de País. Não podemos perder a oportunidade de construir um país mais equilibrado para o futuro, até porque essas desigualdades regionais terminam sendo parte dos problemas que vivem os Estados mais desenvolvidos e os grandes centros urbanos. A migração por ausência de oportunidade de trabalho termina por desequilibrar severamente as políticas públicas nesses Estados.
Há estratégia para derrubar os artigos 49 e 50 do projeto, mudando a lei em relação aos royalties? Ou o sr. recuou?
De forma nenhuma. Apenas queremos deixar claro ser necessário tomar uma decisão quanto às regras para a exploração do pré sal. A essa altura, o governo anuncia uma proposta, depois de estudar modelos no mundo afora e ouvir por um bom tempo novas regras para exploração do pré-sal. Temos que tomar essa decisão. Se não, se estará postergando investimentos, adiando investimentos fundamentais ao desenvolvimento e não se terá sequer o que discutir da partilha. É preciso andar e tomar essa decisão. O debate precisa ser feito, não pode ser reduzido a agressões, não se pode procrastinar porque tem pessoas que podem estar com medo de assumir posições.
E quanto à luta pela partilha equitativa dos royalties?
Dizemos de forma tranquila: se fosse o velho discurso do regionalismo, era só ir para o cabo de aço e óbvio que 24 Estados e 5 mil municípios iriam vencer três Estados e 200 municípios. Mas a discussão não é esta. É convencer a todos, com debate político sereno, objetivo, correto e equilibrado. É fazer uma nova regra onde todos participem e possam ser responsáveis por esse futuro.
Todos se uniriam?
Com certeza. No meu Estado, de posições políticas sempre polarizadas, todos que se pronunciaram, o fizeram numa só direção. Não está sendo diferente em todos os outros Estados que estão sendo excluídos.
Há possibilidade de se levar a questão até a Justiça? A governadora do Rio Grande do Norte (PSB), Wilma de Faria, citou a Constituição Federal para argumentar que Estados e Municípios devem receber participação no resultado da exploração de petróleo e gás natural.
Nós devemos recorrer ao debate político no Congresso Nacional. Esse é o fórum. O fórum da Justiça seria negar o fórum do Congresso. Queremos o entendimento, algo consensual.
Uma provocação: o sr. teria essa mesma postura se fosse descoberto pré-sal na costa de Pernambuco?
Sim, é da tradição pernambucana. Pernambuco emprestou ao Brasil momentos muito importantes na sua história pela luta pela nacionalidade. Inclusive teve grande perda econômica por lutar para expulsar os holandeses, para afirmar a independência, a República. Pernambuco fez lutas nacionais em nome do Brasil que lhe custaram a perda da comarca do São Francisco, a perda do território de Alagoas. E quem sabe, há pesquisas sendo feitas na costa de Pernambuco e Paraíba. Quem sabe podem descobrir e me cobrar coerência dessa mesma posição?
O sr. defende o regime de urgência - 90 dias - para discussão do modelo de exploração do pré-sal no Congresso?
É uma questão de prioridade e, na prática, termina sendo mais de 90 dias. O debate já foi feito nas comissões temáticas de energia, em vários seminários. Esse é um modelo que existe em outras partes do mundo, já tem acúmulo na academia, em outros parlamentos. Se alguém está com medo de botar a cara e defender uma posição política e está se protegendo na proposta de adiar a discussão de forma indefinida, lamento.
Qual o temor de um adiamento?
Estamos no meio do caminho. Foi anunciado o pré-sal como grande oportunidade de investimento, foi dito que a velha regra não servirá e a nova regra precisa ser votada. A indefinição agora do marco legal é a pior situação. Por todos esses motivos, devemos manter a urgência e fazer a votação com o prazo que a urgência nos confere, 45 sessões, quase quatro meses. Podem ser feitas sessões especiais nas segundas e sextas, para debates específicos. Dá para votar com certeza.
Angela Lacerda - O ESTADO DE SÃO PAULO