Incentivadas pelos pais, crianças se arriscam nos ônibus da capital vendendo doces. Discurso bem decorado convence passageiros
“Pessoal, primeiramente eu gostaria de dar um lindo e maravilhoso bom dia, e, por favor, responda para eu não passar vergonha. Eu estou aqui por causa do desemprego que atinge o país.(...) eu estou vendendo essas deliciosas balas...”
Quem nunca ouviu uma voz infantil, dentro de algum ônibus de transporte público, falando esse texto como se fosse um gravador, que repete aquilo que ouviu, sem ao menos entender a gravidade dessa situação?
Essa é uma realidade de muitas crianças em Aracaju que estão fora das escolas e passam o dia de um lado para outro dentro dos ônibus vendendo balas e chicletes. Muitas delas representam o único meio de sustento das famílias. Mas onde estão as famílias? Onde estão os pais dessas crianças? A grande maioria, sentados numa praça monitorando de longe o trabalho dos filhos e recolhendo o dinheiro arrecadado.
Menores sustentam os pais
A prática, além de expor os meninos e meninas a situações de risco, os leva a continuar o ciclo de pobreza e violência vivido pelos pais. Essa exploração torna-se um meio fácil de garantir o sustento, já que o trabalho pesado fica ao encargo das crianças. Além disso, os exploradores, que provavelmente não tiveram acesso à educação, condenam seus filhos a traçar o mesmo caminho, impedindo a criança de chegar à escola.
O adolescente B.M, de 14 anos, que já trabalha a mais de dois anos para sustentar a sua mãe, Maria Conceição, acredita que ela não está cometendo nenhum crime. “Meu pai não mora com minha mãe e ninguém quer dar emprego a ela, ai ela fica em casa e eu vendo esses chicletes”, comentou a criança, que não vai à escola desde os 11 anos de idade.
“Eu estudava, mas tive que sair para ajudar minha mãe, também não tem vaga no colégio que eu quero,” acrescentou o menino. Segundo B.M, a mãe reside no bairro Coqueiral junto com o padrasto e fica em casa esperando o dinheiro do dia. A venda dos doces rende, no mínimo, R$ 30, o que significa uma renda de R$ 900 por mês. Por ser o mais velho dos homens, é o único que trabalha, no entanto os outros irmãos só foram matriculados na escola recentemente para receber o Bolsa Família (programa de transferência de renda do Governo Federal).
O que os passageiros acham disso
Para Maria do Carmo, passageira diária do transporte público, as autoridades precisam tomar uma providência o mais rápido possível. “Essas crianças arriscam a vida nos ônibus, às vezes descem com o carro em movimento. Alguém precisa fazer alguma coisa. Onde estão os órgãos responsáveis?” Questionou Maria
Já Felício Costa, passageiro do transporte público, o ato de comprar uma bala ajuda a criança. “Tem muitos que estão nas ruas pedindo, roubando, mas essas crianças estão vendendo” afirmou Felício. Sentimentos como esses são comuns aos passageiros que diariamente encontram com essas crianças. “Fico imaginando os meus filhos nessa situação”, comentou o passageiro.
Compra favorece ciclo vicioso
A coordenadora do Projeto Acolher, uma iniciativa da Prefeitura de Aracaju, Carla Vanessa Dórea, acredita que essa compra direta favorece o ciclo vicioso dessas pessoas, que encontram nas ruas uma forma fácil de ganhar dinheiro. “Quando encontramos alguma criança na rua desenvolvemos um trabalho de orientação tanto com ela como com o adulto”, informou Carla.
Não só crianças, mas todas as pessoas que estão em situação de risco nas ruas recebem essa orientação e o apoio do grupo Acolher, que é composto por psicólogos, assistentes sociais e educadores de todas as áreas. “É preciso garantir o direito ao desenvolvimento saudável, à família, ao lazer, à escola e ao esporte”, acrescentou Vanessa.
Fonte: Infonet
|