Para ganhar a bênção divina, curar-se de doenças, conseguir emprego ou pôr fim a outras aflições. É uma prática antiga, que está no cerne de todas as religiões, mas que a Igreja Universal do Reino de Deus elevou a um patamar inédito
Revista Veja - Adriana Dias Lopes e Fábio Portela
A Igreja Universal do Reino de Deus é uma potência tanto do ponto de vista religioso quanto do econômico – e uma coisa tem tudo a ver com a outra. Os bispos liderados por Edir Macedo arrastam multidões a seus cultos e conseguem fazer com que elas doem verdadeiras fortunas à igreja. A Universal ocupa o terceiro lugar no ranking das maiores instituições religiosas do país, atrás apenas da Igreja Católica e da Assembleia de Deus, também pentecostal. O bispo Macedo controla um império da fé que conta com 4 700 templos, espalhados por mais de 1 500 cidades, em 172 países. Segundo as estimativas mais recentes, seu rebanho já chega a 8 milhões de pessoas. Essa massa de fiéis é a responsável pelos exuberantes resultados financeiros ostentados pela igreja. A cada ano, a organização do bispo Macedo recebe 1,4 bilhão de reais em doações.
Não há nenhum pecado no fato de uma igreja pedir donativos aos fiéis para sustentar suas atividades. Organizações religiosas também precisam de dinheiro para se manter – é uma prática prevista em lei e que goza de imunidade fiscal. A doação religiosa remonta a Abraão, o personagem bíblico que decidiu repartir seus ganhos com Deus. Ele doou parte do espólio de uma guerra a um sacerdote chamado Melquisedeque como forma de gratidão por ter sido abençoado. O bispo Macedo, portanto, não inaugurou nenhum capítulo novo na história das religiões ao pedir doações, mas é inegável que ele levou esse hábito a um patamar inédito.
CONSELHO DA IGREJA
"Em 2007, eu estava em dificuldades financeiras e pedi aconselhamento a um pastor da Universal. Ele disse que minha vida só melhoraria se eu doasse dinheiro à igreja. Contei a ele que meu marido estava com 2 800 reais guardados em casa, pois havia vendido um carro. O pastor disse que era pouco e perguntou se eu não conseguiria mais. Respondi que havia também 400 reais separados para o aluguel. Ele pediu que eu inteirasse 3 000 reais e levasse à igreja na mesma hora. Fiz o que ele mandou. Quando meu marido descobriu, ficou muito bravo. No dia seguinte, fomos ao templo pedir ao pastor para devolver o dinheiro. Ele disse que era impossível, falou que eu estava com um encosto e ainda mandou meu marido fazer um BO contra mim por furto. Hoje, me arrependo de ter caído naquela conversa."
Simone Vitório, 31 anos, cabeleireira.
Macedo arrecada muito porque tem método: ele colocou o dinheiro no centro de seu discurso teológico. Se os católicos veem na doação uma oportunidade de praticar a virtude da caridade, a Universal tem uma visão muito mais pragmática do assunto. A igreja se inspirou nos preceitos da Teologia da Prosperidade, criada por pentecostais americanos no início do século XX, para desenvolver uma linha de raciocínio na qual o fiel faz um "toma lá dá cá" com Deus. Na Universal, ensina-se que a felicidade terrena é uma concessão divina. Apenas quem é abençoado consegue ter uma vida livre de sofrimentos e repleta de saúde e prosperidade material. Para alcançar a graça, no entanto, é preciso viver fervorosamente a experiência da fé e, sobretudo, demonstrá-la. E a melhor forma de fazer isso é entregar dinheiro aos representantes de Deus – no caso, os bispos da Universal – para que ele seja misticamente multiplicado. A doação é um investimento. Quanto mais o fiel der à igreja, mais receberá de Deus no futuro.
A principal modalidade de doação é o pagamento de dízimo. Cada seguidor da igreja entrega 10% de seus ganhos mensais para financiar a obra de Deus. Além disso, os pastores estimulam doações extras – eles precisam cumprir metas de arrecadação para ter prestígio dentro da igreja. "Durante os cultos, é comum ouvir frases do tipo: ‘Hoje precisamos de 10% para o Pai, 10% para o Filho e 10% para o Espírito Santo’. Eles são extremamente criativos", diz o sociólogo Ricardo Mariano, da PUC do Rio Grande do Sul. Duas vezes por ano, é organizada em todos os templos a Fogueira Santa de Israel. Trata-se de uma campanha de arrecadação suplementar em que os fiéis escrevem pedidos em pedaços de papel e os pastores se comprometem a levar as anotações até Israel, onde estariam mais perto de Deus. Paralelamente, cria-se um clima de catarse nos templos e as pessoas são estimuladas a fazer doações altíssimas para mostrar a Deus que aceitam se sacrificar pela igreja. Muitos doam todo o dinheiro que têm e, depois disso, joias, relógios, carros, computadores e até imóveis.
QUEM TEM MAIS FÉ DOA MAIS
"Fiquei muito decepcionado com a Igreja Universal. Dei tudo o que podia em busca de uma vida mais feliz. Lá, me diziam que a fé se mede com dinheiro – quem tem mais fé doa mais à igreja. Quem tem fé pequena doa pouco. Numa das campanhas da Fogueira Santa, quando os fiéis dão o que podem e o que não podem, fiz um esforço enorme. Vendi uma chácara que eu tinha e dei tudo para a igreja. Também entreguei meus salários, 13º, férias, vale-transporte e tíquete-refeição. Pegava empréstimo em bancos para dar aos bispos. Eu só queria levar uma vida normal, curar minha depressão, casar, ter filhos. Fiz de tudo, mas nada aconteceu. O que restou foi tristeza e angústia. E muitas dívidas também."
Edson Luis de Melo, 45 anos, aposentado (na foto, com a mãe, Dulce)
A maioria dos seguidores de Edir Macedo, gente humilde, com renda familiar de três salários mínimos e que estudou, em média, até a 6ª série do ensino fundamental, aceita esse discurso e se mostra satisfeita em ajudar a engordar o caixa da organização. Eles acreditam que, de alguma forma, são beneficiados ao se desfazer de suas economias. Mas o fervor pecuniário dos bispos tem levado muitos fiéis a enfrentar a ruína financeira no afã de agradar a Deus. Há gente que, depois de chegar à conclusão de que estava sendo ludibriada, decide entrar na Justiça para reaver o dinheiro que entregou ao bispo Macedo.
Maria Moreira de Pinho, de 72 anos, que vive em São Paulo, é uma dessas pessoas. Ela entrou na Universal em 1991. Em seis anos, vendeu dois apartamentos, algumas ações e as duas máquinas de costura, sua antiga forma de sustento, para arrecadar dinheiro para a igreja. Entregou mais de 100.000 reais aos pastores. "Dei tudo o que tinha pela promessa de ser abençoada", diz. Anos depois, na miséria, ela se revoltou. "Como alguém que passa necessidade e tem de morar de favor pode se considerar abençoada?", indaga. Maria decidiu processar a Universal para reaver seu dinheiro. Apesar disso, não perdeu a fé. Continua evangélica, mas passou a frequentar a Igreja Internacional da Graça de Deus, do cunhado de Edir Macedo, o missionário R.R. Soares. "Agora, pago só o dízimo. Estou aliviada por não ter mais de fazer a Fogueira, prometer dinheiro, vender coisas para dar à igreja", afirma ela. Maria encarna o pensamento médio do cristão pentecostal. Não está arrependida por ter dado dinheiro, mas por não ter recebido a bênção divina em troca. O "toma lá dá cá" não funcionou. Para evitar defecções como essa, os pastores dizem que, se a graça divina não é concedida, a culpa nunca é de Deus, mas do próprio cristão, que teve pouca fé e não se empenhou como deveria. Como se redimir? Aumentando o ritmo das doações, é claro.
EU FAZIA LAVAGEM CEREBRAL
"Para me tornar pastor, tive de vender minha casa e doar o dinheiro à igreja. Disseram que era um jeito de provar que Deus estava no meu coração. Quando comecei a pregar, participava de reuniões periódicas para falar sobre metas de arrecadação. Eu fazia uma verdadeira lavagem cerebral nos fiéis para convencê-los a doar mais dinheiro. Precisava levantar 150 000 reais mensais em doações e, depois, aumentar 20% a cada mês. Cheguei a ir para o hospital, tamanha a pressão. Houve um mês em que consegui apenas 120 000 reais. Por não bater a meta, fui xingado de burro e endemoninhado por um bispo. Depois disso, decidi abandonar a Universal."
Jenilton Melo dos Santos, 44 anos, ex-pastor
Exemplos de fiéis da Universal que ficaram na miséria se acumulam. Há casos trágicos, como o do ex-porteiro Edson Luis de Melo, que sofre de depressão severa e entregou cada centavo de seu modesto patrimônio na esperança de ser curado. "Ele achava que a igreja poderia salvá-lo do sofrimento psicológico. Quando não estava trabalhando, estava no culto. No final, doava todo o salário. Não sobrava nada para ele. Esses cinco anos o levaram à falência e à loucura", diz sua mãe, Dulce, que precisou interditar o filho na Justiça para impedi-lo de continuar doando. Outras histórias beiram o anedótico, como a de Gláucio Verdi, que ficou apenas um ano na Universal e acabou com o nome sujo na praça. Verdi passou a frequentar cultos em 2004, quando estava desempregado. Entregou um cheque pré-datado de 1 000 reais ao pastor, sem ter dinheiro no banco. Ele esperava vender uma lambreta para cobrir o pagamento. Como não conseguiu, pediu que o cheque fosse devolvido. Nada feito: a Fogueira de Israel não admite passo atrás. A Universal depositou o cheque de Gláucio e ele está no cadastro negativo do Serasa até hoje.
Todo grupo religioso, seja qual for sua origem, deve ter o direito de professar sua fé em paz. Esse é um dos pilares que sustentam o estado democrático de direito. Perseguições de caráter religioso sempre estiveram entre as piores monstruosidades perpetradas pela humanidade. Mas quem se propõe a guiar um rebanho deveria saber que uma alma que busca conforto na religião para superar um momento de fragilidade emocional atravessa um período de vulnerabilidade. É capaz de tomar atitudes impensadas, com consequências drásticas para seu destino.

Com reportagem de Kalleo Coura