Nos 42 dias em que medida vigorou, Câmara não cumpriu decisão de entregar os comprovantes à Folha
O plenário do Supremo Tribunal Federal cassou ontem por 6 a 4 a liminar do ministro Marco Aurélio Mello que determinou a entrega à Folha de cópia das notas fiscais apresentadas pelos deputados federais para justificar seus gastos no último quadrimestre de 2008.
Apesar de a liminar (que é uma decisão temporária, anterior ao julgamento do mérito da ação) ter vigorado por 42 dias, a Câmara dos Deputados não a cumpriu, sob o argumento de que não teve tempo hábil para localizar e tirar cópias das cerca de 70 mil notas.
O mérito do caso deve ser julgado ainda neste ano, segundo o presidente do STF, Gilmar Mendes -ocasião em que o acesso à documentação pode novamente ser autorizado, nesse caso, de forma definitiva.
O que os ministros avaliaram ontem foi apenas a validade da decisão liminar. Prevaleceu o entendimento de que, se mantida e, por consequência, cumprida, ela não seria reversível caso o julgamento do mérito fosse em sentido contrário.
"Não se concede liminar quando ela seja de caráter irreversível. Nesse caso, o acesso às notas seria irreversível e uma eventual denegação do mandado de segurança seria inútil", disse Cezar Peluso. Além dele, votaram pela derrubada da liminar Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Eros Grau e Ellen Gracie.
Com Marco Aurélio, votaram pela manutenção da liminar Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
Dos 10 ministros, apenas 5 se manifestaram em relação ao mérito. Quatro foram favoráveis a dar publicidade às notas. Apenas Ellen Gracie manifestou-se em sentido contrário. "É grande o número de parlamentares, deve ser grande o número de notas. Indago se existe razoabilidade em um pedido que não aponta qual é a investigação", disse a ministra.
"O cidadão tem o direito de exigir, não de requerer, mas de exigir acesso aos dados públicos", afirmou Celso de Mello. "É incompreensível negar acesso à documentação de uso de verba pública que, a rigor, deveria ser estampada na internet", afirmou Marco Aurélio, segundo quem o caso é "emblemático para saber o estágio atual do Estado democrático de Direito". Os dois foram incisivos ao censurar o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), por não ter cumprido a liminar no decorrer dos 42 dias.
"A desobediência a ordem ou decisão judicial pode gerar em nosso sistema jurídico gravíssimas consequências. (...) Não se justifica a arbitrária resistência ao cumprimento de decisões", afirmou Celso de Mello.
A Câmara argumenta que cumpriu a decisão já que estaria providenciando as cópias.
"Mais uma vez o Supremo reiterou a importância da liberdade de imprensa. Achei ainda extremamente importante o reconhecimento por pelo menos quatro ministros de que a Câmara descumpriu uma decisão judicial", afirmou a advogada da Folha Taís Gasparian. (RANIER BRAGON)
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA - FOLHA DE SÃO PAULO