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Ives Gandra da Silva Martins: A ditadura do laicismo

8/11/2009

É hostil ao cristianismo a decisão da Corte Europeia que condenou crucifixo em escolas italianas?

SIM

UMA ÚNICA senhora -que, certamente, no dia de comemoração do nascimento de Cristo, ofertará a seus filhos e familiares presentes natalinos- e a Corte Europeia de Direitos Humanos, constituída de juízes não italianos -e que também, em homenagem ao Natal, não funcionará no dia 25 de dezembro-, impuseram à nação italiana, berço do cristianismo universal, contra a opinião de dezenas de milhões de pessoas que lá vivem, a retirada dos crucifixos de suas escolas públicas.

Os próprios juízes daquela corte, que decidiram contra a presença dos crucifixos -símbolo integrante da cultura da esmagadora maioria dos cidadãos italianos-, certamente também festejarão as festas natalinas, presentearão familiares e amigos e comemorarão a data de confraternização mundial por excelência, talvez a mais importante para a difusão da paz e da fraternidade entre os povos.
A contradição hipócrita entre a eliminação dos crucifixos e a comemoração do Natal -signos que lembram a morte e o nascimento de Jesus Cristo- é evidente, demonstrando a falta de razoabilidade da decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos, por impor aos italianos a vontade de uma única pessoa.

Não cogitou, entretanto, de instituir a proibição dos feriados natalinos a todos os países da Europa.

Esse e outros episódios que vão se multiplicando pelo mundo estão a atestar que os valores do cristianismo incomodam, hoje, como incomodaram, nos primeiros 300 anos, os detentores do poder no Império Romano, cujo padrão de comportamento moral não serviria de lição para nenhuma escola de governantes.

Para o referido órgão decisório, acostumado a condenar todos aqueles que, na sua preconceituosa visão laicista, ferem seu conceito amesquinhado de dignidade humana, realmente a figura do crucifixo deve perturbar, pois, como julgador, Cristo, na cruz, não só absolveu todos os que o condenaram mas também aquele criminoso (Dimas) que com ele foi crucificado. E, para essa corte, acostumada a condenar, a figura de um juiz que absolve é perturbadora, como lembra Américo Lacombe.

O certo é que há uma minoria, com forte influência política, que busca solapar os valores éticos e culturais do cristianismo a título de impor a ditadura do ateísmo, segundo a qual, num Estado laico, apenas os que não têm religião podem se manifestar, impor as suas regras e exigir que todos os que acreditam em Deus se submetam à tirania agnóstica.

A decisão, por outro lado, fere um princípio fundamental, o da subsidiariedade no direito europeu, pelo qual todas as questões que podem ser decididas de acordo com a tradição, os costumes e a legislação locais não devem ser levadas às cortes da comunidade, pois dizem respeito exclusivamente ao direito interno de cada país.

Bem por isso a decisão referida está recebendo fortes críticas, correndo sérios riscos de não ser cumprida em um país no qual até mesmo leis que contrariam seus costumes são de difícil cumprimento.
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça, em resolução tomada por 12 votos e uma abstenção, deliberou que, nos tribunais, caberá a cada magistrado decidir, de acordo com suas convicções, a manutenção ou não do crucifixo na sala de julgamentos. E uma tentativa do Ministério Público de retirar os crucifixos desses recintos foi rejeitada pelo Poder Judiciário.

Se a Turquia vier a ingressar na União Europeia -já estando avançadas as tratativas nesse sentido-, certamente a Corte Europeia não terá coragem de proibir, diante de possíveis reações "talebanísticas", os símbolos da cultura e da crença islâmica nas sessões de julgamento.

Os valores do cristianismo sempre incomodaram. Embora sem a virulência dos tempos dos mártires do coliseu, a reação dos que querem impor sua maneira de ser é a mesma.

Trata-se de uma visão deturpada do Estado laico. Este não é um Estado sem Deus, mas um Estado em que a liberdade de pensar é plena e não pode reputar-se ameaçada pelo respeito às tradições do povo e do país. Numa democracia, é a maioria que deve decidir os seus destinos. E a maioria acredita em Deus.

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS , 74, advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio.


Folha de São Paulo

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